A ESTÁTUA

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Ela tinha mais ou menos o tamanho de uma pessoa normal, nem alta nem baixa. Além da parte de baixo que era um tipo de base quadrada e que deixava a dita cuja com alguns centímetros a mais. La Gioconda de Dalmo era seu nome. Uma estátua. Feita do mais frio mármore, foi encomendada por um ricaço italiano a um escultor excelente, mas bem pouco conhecido. Dizem que o pobre era afeito às drogas e por isso não se destacava no cenário artístico. Tudo mentira. Se fosse assim mais da metade dos artistas desse planeta não teria destaque nenhum. Mas vamos voltar à La Gioconda. Estátua belíssima cheia de detalhes, anatomia perfeita, proporções tão corretas que nem parecia que antes aquilo tudo era um bloco de pedra. Se recebesse a cor adequada era capaz de ser confundida com uma linda mulher posando para uma foto no meio do museu.

Ela chegou ao museu no ano passado e foi colocada em um lugar de destaque entre a área da idade média e área do império romano. Eu sei, não faz sentido, mas o lugar era bom, tinha uma luz que vinha da claraboia central depois do meio da tarde que batia direto na estátua e ela brilhava como uma estrela. Era um espetáculo!

Me desculpem, eu não me apresentei, meu nome é José Firmino da Silva, o pessoal geralmente me chama de Firmino. Eu sou vigilante no museu de história natural aqui da minha cidade. Eu gosto de trabalhar aqui porque aprendo muito. Eu gosto de estudar e recentemente terminei o segundo grau. Depois de velho, né, mas a gente começa a trabalhar cedo e aí já viu. Para de estudar. Mas não tem problema, ano que vem começo na universidade, quero ser historiador. Mas isso não importa agora. Vamos voltar pra estátua.

Eu tava fazendo a ronda de rotina e era bem naquela hora em que a luz do sol iluminava a bela Gio (intimidade com uma estátua, onde já se viu?!). Eu vinha passando por ela, parei, olhei fixamente e fiquei ali hipnotizado por ela. Foi então que aconteceu. Eu escutei um soluço. Olhei para todos os lados e não vi ninguém. Outro soluço. Ninguém ao redor. Terceiro soluço. Dessa vez eu gelei. Eu só poderia estar ficando maluco. A estátua estava soluçando. Eu me afastei assustado, aquilo só podia ser coisa do demo. Eu comecei a rezar como um maluco, misturava país nossos com Ave Marias sem nem saber direito o que dizia. Naquela hora o museu já tinha fechado e nem mais o pessoal da limpeza estava lá. Tinham saído mais cedo justo naquele dia.

Eu não sabia o que fazer, a estátua não parava de soluçar e eu não tinha coragem de chegar perto e também não tinha coragem de chamar ninguém porque iam achar que eu estava bêbado ou drogado. E aí, o que você faria no meu lugar?

Bom, eu não tinha o que fazer. A mulher, digo, estátua, não parava de soluçar, mas pelo menos era só isso. Eu comecei a me acalmar e observá-la de longe. Apesar da impressão que eu tinha de que ela ia me pedir um copo d'Água para cessar o soluço.

"Que é isso homem, deixe de ser cagão e vá ver o que está acontecendo!" - eu repeti essa frase pra mim mesmo várias vezes durante dez minutos, mas não movia nenhum dedo em direção a ela.

Agora, veja bem, um cara como eu, vivido, pai de família, religioso, tantos anos de trabalho como vigia, não tinha coragem de conferir uma besteira dessas, eu me senti um frouxo. Foi nessa hora que dei um pulo e levantei rápido. Estava decidido a acabar com esse mistério maluco. Mas pensem na minha surpresa ao perceber que a bicha não soluçava mais?!

Eu cheguei perto dela e não saia mais nada. A maluquice só podia ter tomado conta da minha cabeça. Eu tive uma tia-avó que foi parar em um manicômio quando tinha mais ou menos minha idade. O povo da cidade dizia que a velha subia nos telhados das casas e cacarejava como um galo. Sim, galo. Não me pergunte porquê, cada louco com sua mania. Enfim, o fato é que La Gioconda não soluçava mais. Nessa hora tive que jogar os pudores pro alto, pedi licença para a senhorita de pedra e revistei a moça da ponta da cabeça aos dedões dos pés.

Claro que não achei nada. Parei de frente pra ela, bem de perto, e fiquei encarando.

De repente a louca agarrou meu braço! Gente, ela tava viva, me segurou forte com aquela mão de pedra e não soltava por nada. Eu gritei feito uma criança, mas não tinha ninguém pra me salvar. E aí a estátua falou:

- Acorda, Firmino! Cadê meu copo d'Água??

Nessa hora eu acordei com a dona Gertrude segurando meu braço e a estátua congelada como tinha que ser bem na minha frente. Dona Gertrude é a gerente geral do museu, uma senhora de bom coração, mas muito rígida em seu trabalho.

- Você dormiu de novo, Firmino? Não tá tomando seus remédios?

- Desculpa, senhora! Devo ter esquecido, a senhora ainda quer a água? Ainda está soluçando?

- Não, já passou, agora vá tomar seu remédio. Essa sua narcolepsia é um perigo nesse lugar.

- Sim, senhora, vou agora mesmo!

Dona Gertrude saiu e me deixou só com a estátua. Sim, eu tenho narcolepsia e isso às vezes gera alucinações. Tipo sonhos. Acho que esqueci de tomar o remédio desde ontem. Agora vou ter que tomar pra memória também.

Antes de sair dali, dei uma última olhada pra ela pra ter certeza que não estava soluçando. Nada. Dei uma piscadinha pra La Gioconda... Ela piscou de volta pra mim!

Meu Deus, vai começar tudo de novo!

------ Fim? ------

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