POST IT

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Naquele dia eu estava bem mal. Cansado, quebrado, triste, gordo... sim, gordo. Eu havia ganho treze quilos no último ano desde que a Dora me deixou. Eu não tinha força pra mudar aquela situação. Me tornei um cara ranzinza e isso me deixava ainda pior. Já tinha feito tudo que podia pra mudar. Eu até comecei a fazer terapia na esperança de que alguém pudesse me ajudar a resolver as coisas dentro de mim. A doutora Carla tentava de tudo. Doutora Carla era uma mulher bonita, por volta dos 45 anos, cabelos cor de mel, olhos verdes. Ela usava um óculos que a deixava extremamente intelectual. Em nossa última consulta, eu parei de ficar prestando atenção só na beleza dela e escutei algo que me pareceu importante. Ela disse:

- Otávio, você é uma homem de 37 anos, ainda é jovem, sua vida não acaba só porque a Dora te deixou. O que você quer pra você? Onde você quer estar em alguns anos? Pense nisso e me responda na próxima consulta, ok?

Até agora essas perguntas estão martelando na minha cabeça. Mas, eu precisava trabalhar e assim que cheguei fui até a copa tomar um café com o pessoal. Eu entrei, fui até os armários de madeira antigos do museu e peguei uma caneca de louça branca com a marca do museu impressa. Coloquei o café e comecei a tomar olhando pro nada. Nessa hora entra o Firmino porta a dentro.

- Bom dia, Otávio!

- Bom dia, Firmino!

Firmino era um cara exemplar. Tinha um problema grave de narcolepsia que fazia com que as vezes o encontrássemos dormindo em pé com um esfregão na mão. Mas fora isso ele era um cara extremamente dedicado.

- Você tá bem, Ota?

- Não sei, Firmino...

- Rapaz, você é muito novo. Precisa sair dessa. Já tá a muito tempo assim.

- Firmino, a doutora Carla me fez uma pergunta e eu tô com ela na cabeça até agora sem resposta. Vou fazer a mesma pergunta pra você, pode ser?

O Firmino pegou um copinho de café e se virou pra mim. Ele parou e me olhou fixamente.

- O que você quer pra você? Onde quer estar daqui a alguns anos?

- Eu quero estar formado em história, fazendo um mestrado, dando aulas e trazendo meus alunos aqui no museu.

A resposta dele foi tão imediata que eu fiquei sem ação. Eu já sabia dos planos dele e nem me lembrava. Eu agradeci e sai da copa. Atravessei dois corredores do museu em direção a minha sala. A porta já estava destrancada, mas não havia ninguém dentro. Estranhamente a janela estava aberta. Estranho porque fazia frio aquele dia. Fui até a minha mesa e vi um post it amarelo pregado nas minhas coisas. Tinha algo escrito e eu peguei pra ver.

"Eu te amo, mas não tenho coragem de dizer pessoalmente"

Fiquei olhando para aquele papel por dois minutos tentando entender. Até que caiu a ficha. Minhas mão gelaram na hora. Alguém ali estava apaixonada por mim? É isso? Seria possível? Mas, eu engordei tanto, tô sempre com cara de sono, barba por fazer? Como isso é possível?

Eu guardei o post it e sentei no meu lugar esperando as pessoas chegaram. Em minha sala somos apenas cinco pessoas trabalhando. Resolvi observar e ver quem poderia ser.

O primeiro a entrar foi o Júlio. Depois a Martinha e a Dani, por último o Marcos. Eu descartei os caras, é claro. Minha atenção estava totalmente voltada para a Martinha e a Dani.

As duas eram jovens, bonitas e inteligentes. A Martinha era ruiva, tinha os olhos bem verdes, devia ter uns 26 anos e era formada em arqueologia. Ela sempre quis trabalhar em campo, mas o salário do museu ajudava sua família e seu doutorado. A Dani era uma negra linda, os olhos negros amendoados e seguros, e seu cabelo preto encaracolado era puro charme. Ela era mestre em história natural pela universidade de Yale, nos EUA.

Por mais de quarenta e cinco minutos nenhuma delas olhou pra mim...

Em compensação, o Marcos estava mais agitado do que o normal aquele dia e achei muito estranho quando ele levantou e veio até a minha mesa.

- Ota, eu preciso te dizer uma coisa... eu deixei um post it...

Quando a palavra post it foi pronunciada eu perdi o controle das minhas pernas que saltaram como se tivessem molas e bateram com tanta força na mesa que todas as minhas coisas caíram. Eu suei frio, porque não tenho nada contra a pessoas ser gay, mas eu não ia saber lidar com aquilo. Já pensei logo que teria que mudar de setor.

- Tá tudo bem, cara? Machucou aí?

- Não, beleza, tô bem!

- Deixa eu te...

- Nãããoo!! Fica aí!

- Você tá muito estranho hoje, Otávio...

Eu não podia segurar, aquela ideia tava me deixando maluco. Como ele pode ter confundido tanto as coisas? Eu tinha que falar.

- Olha, Marcão, eu achei o seu post it sim, mas você tá confundindo as coisas cara. Eu gosto de mulheres, ok? Nada contra a sua opção, mas não vai rolar.

- Tá falando do que, Otávio?

- Disso aqui...

Eu peguei o post it sobre a mesa e mostrei pra ele. Nessa hora todos já estavam concentrados em nós.

- Eu achei isso na minha mesa, agora a pouco.

- Mas, isso não é meu.

- Não?!

- Claro que não, tá maluco? Eu não sou gay, e aliás eu nem estou disponível.

Minha cara foi no chão. Eu parecia um tomate maduro de tão vermelho. Mas foi aí que a história esquentou.

- Hei!! Isso é meu, me dá aqui!

A Martinha tomou o negócio da minha mão na hora. Confesso que fiquei aliviado e feliz. Eu sempre achei aquela ruiva linda. Eu já não tinha mais nada a perder, então abri o verbo.

- Uau! Eu não esperava... então, você me ama?

- Se liga, Otávio! Você é uma cara legal, mas eu na escrevi isso pra você, não! Era pro Marcos!

Quando escutou isso, o Marcos ficou tão branco quanto uma folha de papel. Ele não teve tempo de falar nada, porque de longe todos ouvimos a Dani esbravejar.

- Martinha, sua falsa!! Que ódio, você sabia que eu tava apaixonado pelo Marcos. Como você fez isso comigo?

- Para de falar bobagem, Dani! Eu escrevi pra ele porque esse pateta é louco por você também, mas não tem coragem de falar nada! Eu tentei ajudar os dois!

Mais uma vez eu não tive tempo de me manifestar. Aquilo tava parecendo uma feira, cada um queria vender mais bananas que o outro. Alguém que parecia estar distante entrou com tudo na conversa. O Júlio.

- Caramba, Dani! Mas você não falou que a Martinha gostava de mim?

- Não, Julio! Eu falei que alguém aqui da sala gostava de você, mas não era ela, era eu!

- Uau! Sério? Ha, ha, ha! Eu também gosto de você, gata! Eu tava morrendo de medo de ser a Martinha porque eu sou louco por você e não queria magoar a mina!

Todos começaram a rir. No final um simples post it revelou vários segredos dentro da sala. Felizmente, tudo acabou bem. Mas...

- Legal, galera. Que bom que agora vocês podem todos ficar juntos sem confusão. Pena que esse recado não era pra mim.

Eu abaixei a cabeça e sentei na minha mesa. Eu estava mais triste do que antes. Não deu pra disfarçar e todos ficaram em silêncio por um tempo. Parecia que alguém tinha morrido, e no caso quem tinha morrido era a minha esperança. Até que a Dani veio falar comigo.

- Ota, eu tenho uma amiga que vai adorar conhecer um cara legal como você. Quer sair com a gente no sábado?

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