Tic Tac

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Pisca. Pisca. Pisca. Só levava um mero segundo e dois centésimos entre um pisca e outro. Mas fazia horas que ele só piscava e nada escrevia.

- Tic-Tac, Tic-TAC...

-VOCÊ QUER PARAR! – Carla gritou.

- Estou tentando ajudar. Você está querendo queimar suas retinas com a luz do computador? Por que eu vou te falar seus olhos não vão ficar azuis desse jeito.

Carla baixou a cabeça sobre o teclado se sentindo derrotada pelo pisca, pisca, pisca infinito do cursor. Será que essa coisa não cansa de piscar. Ela pensou irritadiça.

Como na vida de muitos as coisas mudavam, iam e vinham, e assim também eram para ela e era grata por isso. Gostava da evolução e contraste de fatos em sua vida, trazia cor e movimento para o mundo a sua volta. Porém, havia algo imutável que Carla era forçada a levar consigo: suas quatro amigas.

Bianca, a gentil. Jessica, a crítica. Paula, a fútil e finalmente, Amanda, a justa. A convivência não era tão fácil e foram diversas às vezes em que havia tentado se livrar delas, em demasiadas circunstâncias. Mas era impossível. O máximo que tinha conseguido era ignorá-las por um tempo, para logo em seguida suas companheiras ferrenhas se fazerem presentes e lembrá-la que sua amizade e unidade eram inquebráveis.

Carla sentiu uma mão nos seus cabelos e ouviu Bianca, a gentil, sugerir que era melhor ela se deitar e descansar um pouco. Porém Jessica, a crítica, logo interveio dizendo. – Você acha que vida de escritor é fácil? Você sabe que tem um prazo para entregar isso. É até trinta e um de maio Carlinha, e você.... Aí!  Ela para quando sente uma cotovelada nas costelas, recebendo um olhar duro de Amanda, a justa.
No entantom, Paula, a fútil, estava sentada num canto do quarto enquanto lixava as unhas e verificava as cutículas sem dar um pio.
Carla até então, não tinha se dado ao trabalho de levantar a cabeça. Entretanto uma sugestão à fez mudar esse status.

Amanda havia concebido a ideia que todas contribuíssem para criação do conto. Elas se puseram sentadas em círculo no chão sobre o tapete colorido do quarto e puseram o notebook no centro, como se fosse uma garrafa velha, do velho jogo verdade ou consequência.

- Certo. - Disse Amanda conciliadora. – Cada um escreve sobre o que acha interessante.

Antes que qualquer um piscasse, Paula estava com o computador no colo apagando todo fjghkljdçfgjlirtuosdija que a testa de Carla havia escrito e se pôs a digitar, deixando todas boquiabertas com sua boa vontade. E o resultado foi o seguinte:

Por Paula:
Paula tem algo interessante a dizer. Roupas, sapatos e maquiagem. Isso é o que deveria definir uma mulher elegante...

- Interessante.... Acho que o cérebro de uma joaninha sofre da mesma limitação que você. Disse Jessica sobre o ombro dela.

Logo após essas palavras, Carla, de onde estava sentada, se afasta para ter uma visão panorâmica do caos que se instaurou. Paula com sua voz estridente estava quase aos berros dizendo que, se era para escrever algo de interessante podia muito bem escrever sobre si mesma, e que isso daria um tom pessoalidade na história.
Tão baixo quanto podia transmitir sua calma e gentileza, Bianca dizia que Jessica tinha razão, ela tem que escrever sobre o que gosta, e que se gosta tanto de si mesma que seja. No entanto, com tom moderado surge Amanda, dizendo que o nome que vai estar na capa do conto será o de Carla, então ela não pode escrever sobre si mesma se outra pessoa vai assumir o seu lugar.

Carla assistia tudo em silencio mortal enquanto suas inseparáveis amigas gesticulavam, gritavam e articulavam incoerentes sem dar qualquer chance de uma refutação clara.

O computador, agora esquecido no meio do círculo permanecia com o seu cursor que continuava a piscar, era como uma goteira irritante que pinga, pinga e pinga sem trégua.

Até que então ela atraiu o computador para si e praticamente inconsciente do ato ela digitou as primeiras palavras: Pisca. Pisca. Pisca.

Ninguém ainda havia notado que os dedos de Carla agora digitavam furiosamente, e que a cada frase olhava para suas quatro amigas em busca de uma inspiração, de uma palavra a mais. Não podia mentir para si mesma nem para suas amigas. Cada palavra havia sido um parto. Não foi algo feito de forma frívola que poderia ser degustada com uma xícara de chá. Foi sinceramente árduo e prazerosamente difícil. E enquanto se seguia com o desfecho de sua história Carla percebeu que o caos havia se encerrado e que suas amigas agora estavam ajoelhadas atrás dela olhando com atenção cada palavra que interrompia o pisca pisca assustador do cursor.

O orgulho que todas elas sentiam de Carla naquele momento a inundava.

E quando enfim, Carla digitou sua derradeira e última palavra ela ergueu os olhos e contemplou em silencio surpreso, o quarto vazio e tenro, onde só restava a si própria e as suas personas, Carla, a gentil. Carla, a crítica. Carla, a fútil e finalmente, Carla, a justa. E então, naquele instante foi que compreendeu a loucura e o caos que era escrever. Foi necessário que cada parte de si se desmembrasse e se personificasse. Teve que lidar com seu próprio eu. Com sua gentileza, com sua autocritica, futilidade e senso de justiça.
Defeito ou qualidade, cada “Carla” contribuiu para aquela obra.

Escrever não é, e nunca será algo pacífico ou leviano.

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⏰ Última atualização: Dec 14, 2017 ⏰

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