A BESTA † FELIPE BORGES

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Aquela seria mais uma noite de terror no humilde povoado. O medo já se infestava por todo o local, fazendo com que os moradores se defendessem da melhor maneira, utilizando, na maioria das vezes, punhais. e o principal, fogo.

Nem o rei, nem os nobres pareciam se importar com aquela região, deixando-a nas garras da faminta criatura que saía da floresta em toda Lua Cheia, sedenta por carne humana.

Amália estava do lado de dentro de sua casa, ao lado dos pais, já idosos e do filho, com pouco mais de um ano de idade. Seu marido e seu único irmão, haviam sido mortos luas atrás, enquanto tentavam proteger não apenas a família, mas também toda a vila do cruel ataque da Besta.

A camponesa ainda se lembrava da morte de ambos, as imagens de seus corpos sendo destroçados invadiam seus pensamentos todos os dias. O monstro era implacável, não pouparia ninguém que entrasse em seu caminho, buscando impedir sua refeição.

A noite já chegava, quando Estela foi até a filha, levando um pouco de sopa para a mesma, que balançava o filho nos braços, pensando no ataque que começaria em poucas horas e nas mortes que seriam causadas por ele.

— Sei que não é fácil viver tudo da maneira que estamos vivendo, mas você não deve se cobrar tanto, nada daquilo que acontece, aconteceu ou acontecerá é culpa sua. — A magricela senhora falou, pegando o neto nos braços, para que a filha pudesse se alimentar.

— É minha responsabilidade defender esta casa, cuidar da minha família. Eu darei minha vida para que nada de ruim aconteça com vocês. — A camponesa falou olhando primeiro na direção da mãe que balançava o neto nos braços e na sequência para o pai, o mais velho dali, que já dormia, deitado sobre um monte de palha e tecidos, no chão.

— Nós ficaremos bem, tenho certeza disso!

Um uivo chegou até a sala, iluminada apenas por algumas velas. O sangue de Amália gelou, enquanto seus batimentos cardíacos aumentavam. Estela colocou o neto deitado, ao lado do avó, jogando um manta por cima de ambos. Na sequência retirou dois punhais que estavam presos ao cinto, entregando um deles a filha e segurando firme o outro.

A Besta uivou mais uma vez, agora mais perto da casa da humilde família. Amália, usando toda a coragem e loucura que possuía, começou a aproximar-se da porta, sentia que sua casa seria atacada em poucos instantes.

A camponesa tinha apenas uma certeza naquele momento, daria sua vida para que seus pais e seu filho pudessem sobreviver, ou ao menos ganharem mais alguns minutos, ou até mesmo segundos, de vida.

— Filha, saiba que eu te amo. — O velho senhor falou, ainda deitado, abrindo os olhos com certa dificuldade.

Amália olhou para trás, emocionada. Lágrimas desciam por seu rosto, uma clara mistura de ódio, medo e amor. Viu a mãe, uma senhora debilitada, pronta para lutar e defender os grandes amores de sua vida, seu marido e neto. Viu seu pai, esforçando para sobreviver, lutando contra a própria morte, que já o rodeava a alguns dias. Sorriu ao ver o filho, um inocente bebê, deitado ao lado do avó, dormindo como um anjo.

Era por essas pessoas que ela lutaria e daria sua vida, se fosse necessário.

A fraca porta de madeira foi destruída com o impacto da grande criatura que pulou sobre a mesma, urrando. A Besta tinha por volta de três metros de altura, o corpo coberto por uma pelagem negra, suja de sangue e poeira, o focinho, assim como os pontiagudos dentes que saltavam para fora da boca, também sujos de sangue. Seus olhos vermelhos percorriam todo o ambiente, procurando por seus alimentos, todos os seres vivos dali.

Antes que Amália ou a Besta tivessem alguma reação, Estela puxou a filha para trás, derrubando-a no chão. Em seguida, avançou sobre a criatura, que fez o mesmo. Em poucos segundos, Estela estava morta, sem ao menos conseguir atingir a fera com seu punhal.

Amália gritava desesperada ao ver a mãe sendo atingida com abdômen pelas garras da criatura, o que fez com que sangue e pedaços de carne voassem para todos os lados. Em seguida, o monstro, mordeu o pescoço da idosa, balançando-a de um lado para o outro, como se fosse um pedaço de tecido qualquer e, em seguida, a lançou no chão, como quando uma criança enjoa de um brinquedo.

Artur, pai de Amália e grande amor de Estela, chorava em silêncio, já com os olhos fechados, buscando esquecer aquela cena brutal.

Amália também tentava fazer o mesmo, enquanto levantava-se do chão. Seu choro já não possuía mais lágrimas. Ela nunca imaginou que presenciaria tal cena, nunca pensou que veria a mãe ser morta na sua frente, de forma tão cruel e sanguinária.

No entanto, faria o mesmo, se seu filho estivesse na frente da terrível criatura, que agora alimentava-se da carne restante do corpo da idosa, daria a sua vida para que seu filho pudesse sobreviver, mesmo que fosse um sacrifício em vão.

Reunindo toda a força restante, Amália, já em pé e segurando com mais força o punhal, avançou contra a terrível criatura, que desviou sua atenção para a camponesa. Amália conseguiu provocar apenas um corte na pele da Besta, provavelmente por ter a surpreendido enquanto se alimentava.

No entanto, não conseguiu mais ferir a criatura, sua vida havia chegado ao fim assim que sua garganta foi rasgada pelas imensas garras. Sangue voou para todos os lados, deixando o pelo do monstro quase que completamente vermelho.

A camponesa sentiu a vida deixar o corpo, sendo capaz apenas de soltar um fraco grito enquanto sua pele era rasgada. Ela havia entregue sua vida para prolongar a vida daqueles que amava, mas agora sabia, mais ninguém poderia impedir que as próximas vítimas da fome da Besta fossem seu pai e seu filho, as pessoas mais debilitadas da família.

Com mordidas rápidas e ferozes, a Besta devorou Amália com mordidas rápidas e ferozes. Artur, observava tudo aquilo, em total estado de choque, imóvel. Não conseguiria lutar contra a fera, e mesmo se lutasse seria facilmente derrotado, como todos os outros que lutaram anteriormente foram. Ele só podia fazer uma coisa, tentar proteger o frágil neto com um abraço de puro amor.

Com os olhos fechados e com o bebê em seus braços, ainda dormindo, Artur sentiu a forte respiração da fera com um cheiro próximo ao de carne estragada. Ele sabia, aquele seria seu fim. Não tinha nem mesmo forças para falar algo, estava desnutrido a um bom tempo.

No entanto algo o surpreendeu. Já não sentia mais a presença da criatura. Abrindo os olhos minimamente viu que ela corria para fora dali, desaparecendo em alguns segundos. Os gritos do lado de fora se intensificaram, provavelmente ela fazia novas vítimas. Logo o motivo do abandono chegou ao cérebro do camponês. A criatura havia pensado que ambos estavam mortos, certamente pela fraca respiração do idoso, deixando-os de lado, como se não servissem mais para cumprir seu papel ali, alimentá-la.

Por algum tempo ele sentiu-se aliviado por ter tido a vida poupada, mas ao olhar ao redor, a tristeza tomou conta de seu corpo aso ver os restos mortais da esposa e da filha, além de todo o ambiente sujo de sangue. O neto acordou, continuando nos braços frios de Artur, eles precisariam se unir naquele momento, para que juntos pudessem superar a morte das mulheres mais importantes em suas vidas.

E Artur tinha apenas uma certeza, ele não será poupado pela Besta no próximo ataque, isso é, se chegar vivo até ele.

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⏰ Última atualização: Dec 16, 2017 ⏰

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Antologia: Criaturas da Noite EternaOnde histórias criam vida. Descubra agora