Prólogo

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Era uma vez... Em um reino muito, muito distante um belo e jovem rapaz e sua pequenina filha. Eles eram tudo um para o outro, a única família que tinham e o único motivo de permanecerem acreditando que as coisas poderiam melhorar se dessem o melhor de si.

Acontece que a vida até então não tinha lhes sido muito bondosa, tirando deles a mãe da menina em seu nascimento e o abrigo que tinham em uma enchente.

Por conta disso o jovem pai viúvo dedicava todas as suas forças ao trabalho, plantando, colhendo, vendendo, fazendo artesanatos, construindo casas... Tudo o que aparecesse que pudesse dar a eles algum dinheiro ele fazia, porém nunca tomou para si nada que não fosse dele.

Mesmo trabalhando tanto, todas as noites o pai voltava para o lar improvisado deles com algo novo e fazia do objeto o centro das maravilhosas histórias que contava a sua pequena filha antes de dormir.

Ainda que chegasse muito cansado, ainda que as dores lhe consumissem, ele jamais deixava de contar uma bela história a sua filha e ela nunca dormia antes que ele chegasse, porque sempre foi assim e sempre deveria ser. Com as longas e exaustivas horas de trabalho feitas pelo homem a menina acabou aprendendo a cuidar da casa e de si mesma desde muito moça.

Ajudada pelo pai aprendeu a cuidar da horta, por isso sempre havia aroma de flores pela casa e flores de todas as cores no quintal.

Mas... Como não podia ser diferente, o tempo passou e a vida voltou a mandar um de seus arruaceiros bater-lhes a porta. E assim, eis que surge um homem, muito grande, forte e poderoso nos arredores. Ele entra na casa como se tudo ali o pertencesse e joga na mesa grandes promessas, roupas, dinheiro, comida, empregados, tudo fácil até o fim de suas vidas, por um preço substancialmente pequeno... As histórias que o jovem pai contava a sua filha. Se ele concordasse com isso então nunca mais passaria fome, nunca mais teriam que lutar tanto, mas também nunca mais poderia contar qualquer misera história, pois este dom seria completamente tirado dele.

Em um tempo em que seus dias são assolados pela fome, suas noites perturbadas pelas dores, o que um bando de invencionices significaria? Eles não precisariam fazer nada mais além de concordar com o acordo e tudo aquilo passaria, toda a vida deles mudaria para melhor do dia para noite.

Como ambos, pai e filha, pareciam muito surpresos com tudo aquilo o homem apenas disse-lhes para pensarem sobre o assunto por aquela noite, iria voltar no dia seguinte, no mesmo horário para receber a resposta. Apesar da agitação que o estranho causara dentro deles, ainda naquela noite o pai colocou sua filha para dormir com mais uma de suas histórias. Dali até o alvorecer podia-se ver a figura muito magra do pai prostrada ao pé da cama em silêncio, o corpo se agitava de quando em vez possivelmente devido ao sopro frio que transpassava a janela quebrada.

Como qualquer outro dia já saia o homem de casa ao alvorecer para trabalhar, levando consigo apenas o lanche preparado pela criança.

Mais tarde, como prometido, voltava o estranho com suas maneiras brutas, pronto para levar consigo o prêmio que almejara. Certamente dar ao insignificante camponês tudo o que prometera não lhe seria um problema, mesmo que aquele resolvesse barganhar por mais.

Apoiado em um bastão negro, tendo uma longa capa de mesma cor caída sobre os ombros, encarava a família muda sentada no sofá.

- Pois eis que volto a este infeliz lugar para livrar a ti e tua cria das injurias desta vida vil, para uma sublimação que jamais provara, tendo apenas como conta o pequeno acordo que lhe fiz ontem, então adianta-te e dá-me tua resposta.

Alguns minutos se passaram com todos em silêncio enquanto a menina mantinha-se presa ao braço de seu pai o qual possuía uma expressão muito plácida e contemplativa antes de se pronunciar.

- Não há duvidas de que aprecio sua palavra, senhor, e o modo que se vale dela... Porém vos digo e penso que se de fato é isso que desejas não se oporá a ouvir desse miserável um dedo de prosa.

O estranho inquietou-se, mas não hesitou em exibir um sorriso exíguo.

- Em absoluto, só diga-me que está de acordo e podemos prosear o quanto desejares.

Foi a vez do camponês sorrir impávido como quem tem consciência de todos os mistérios sem nada dizer.

- Entendo que tenha muita pressa, senhor, isso é claro, deves ser muito ocupado e por que não seria, não é mesmo? Acontece que não sou um homem das letras, como já deves saber, não entendo muito das coisas como o senhor, muito menos desse mundo que veio me oferecer. O que um homem tão insignificante como eu teria para receber tamanha bondade? Um punhado de tagarelices inventadas para tudo o que me ofereceu... Até um tolo como eu pode perceber que é um preço muito pequeno... - Pausou para olhar a criança encolhida ao seu lado, tinha uma aparência um pouco pálida e subnutrida - O senhor acredita em Deus?

Viu o outro empertigar-se, mas não lhe deu tempo de responder.

- Ora, o senhor é muito importante para dar valor a essas coisas, não é? Imagino que saiba de muitas coisas que eu não posso nem imaginar, porém, para um pobre infeliz como eu... Precisamos de algo para nos manter de pé, certo? Em absoluto espero, entretanto, que um ser tão poderoso como Deus daria valor a uma criatura como eu, até mesmo para lhe ceifar a vida. Mesmo assim, dia após dia tenho me prostrado aos pés de minha cama, antes de dormir e ao acordar. Alguém de palavras tão pobres deveria envergonhar-se por tentar chamar a atenção de um ser tão poderoso... Talvez seja por isso que somos castigados tão severamente. - Mais uma vez pausou, dessa vez parecia voltar ao passado enquanto o homem a frente se mostrava cada vez mais impaciente.

- Mas... Minha finada esposa era uma mulher muito boa, me deu um pequeno anjo, parte de si mesma e foi-se embora, ela me ensinou boa parte das poucas coisas que sei hoje, a cuidar da casa, da Sophia, nosso pequeno anjo, do jardim, a rezar todos os dias... E a contar histórias, e é por ela que venho contando histórias sempre... E por ela continuarei contando, porque quando conto uma história para Sophia posso sentir minha esposa aqui novamente e ter mais uma noite ao lado dela. Por isso, vossa proposta, apesar de ter uma sublime aparência, de nada me serve.

Um assomo violento se fez ver nos olhos do intruso, no entanto foi imediatamente contido pelo mesmo.

- Estais a dedignar-se de minha oferta??

- De maneira alguma, senhor, é uma oferta muito generosa, como já mencionei, estou sendo completamente egoísta em minha escolha, privando minha filha de tão bons frutos... Mas se o senhor realmente quer me fazer rico por que devo pagar por isso?

O outro gargalhou ruidosamente.

- Ora, mas que infeliz arrogante, pois veja que nada se consegue de graça nessa vida!

- Tens razão... A menos que seja um presente, como a vida, pela qual nada tive que pagar, por isso nada me custa agora batalhar para permanecer vivo, pois ainda que eu nada tenha já tive mais do que merecia e do que toda minha vida poderia pagar. Jamais pedi por essa riqueza a qual me ofereces, mas se um dia eu tiver de recebê-la não será quebrando minhas promessas.

A resposta foi um vociferar assustador.

- Estais cometendo um grande erro, camponês, grave minhas palavras, pois em menos de 100 dias tua vida se resumirá a nada podendo ser varrida desta terra imunda com apenas um sopro bem diante de tua filha tamanha afronta que me fizestes.

- Eu aceitarei de bom grado se este é meu destino. - Redarguiu simplesmente o jovem.

- Tu me verás novamente, ingrato. Estarei aqui para tomar-lhe as últimas palavras.

E fechando a porta com estrondo o senhor desapareceu, deixando para trás pai e filha ao longo de mais uma história.

Era uma vezWhere stories live. Discover now