O que me faz voltar (conto de natal)

O que me faz voltar

** Este conto contém um spoiler não muito significativo do livro "Além de ver, sentir".

Gustavo.

Minha mãe depositou algo sobre a mesa à minha frente, sem dúvida, mais uma travessa de comida, mas nenhum aroma exalou dessa em particular. Seus passos voltaram para a cozinha e me deixaram novamente sozinho na sala que compartilhei com os meus pais por anos, grande parte das minhas recordações de infância foram gravadas ali.

Meu celular vibrou em minha mão. Não pude evitar o sorriso de expectativa que esticou os meus lábios, mesmo que já soubesse de quem era a mensagem.

~Violet~ Ah, não creio! A Dona Nilce colocou uva passa no arroz, ela sabe que eu odeio!

~Gustavo~ Coma outra coisa.

~Violet~ Ótima solução! Temos peru assado e... adivinha? Peru assado! Se esqueceu de que somos uma família composta de somente três pessoas? Meus pais terão que adotar um cachorro só pra se livrar das sobras!

Não puder conter a risada alta que me subiu o peito.

~Gustavo~ Sei como é, sofremos do mesmo mal.

Os passos da minha mãe voltaram para junto de mim.

— Ainda conversando com a Violet? — Ela voltou a arrumar a mesa. — Por que passar o natal separados?

— Filhos únicos. Pensamos que seria melhor passar o natal cada qual com a sua família, nosso namoro ainda é recente.

— De que adianta estar fisicamente presente, se mentalmente está lá com ela? — Reclamou.

— Isso quer dizer... — A risada alta do meu pai me interrompeu.

— Está bem, filha. — Ele depositou algo à minha frente. — Beba isso, Gustavo.

"Filha?"

Segurei o objeto à minha frente, a pequena garrafa gelada esfriou rápido a minha pele, tomei um curto gole.

— Pai! Por que me deu uma cerveja?

— Vou fazer o que me pediu. — Meu pai me ignorou e voltou a rir. — Ele está bebendo agora mesmo... Não se preocupe com a Marisa, ela não vai se importar. — Ele rodeou a mesa. — Ela que falar com você.

— Oi querida, estamos sentindo a sua falta! — Minha mãe lamentou. — Poderia ter vindo com o Gustavo passar o natal com a gente...

Uma cadeira rangeu arrastada para longe da mesa.

— A Violet me pediu pra embebedar você. — Meu pai gargalhou ao meu lado.

— Por que ela pediu isso?

— Disse que vai estar de ressaca pelos próximos dias e não quer ter de aturar a sua boa disposição.

— Só a Violet pra pensar em algo assim. — Ri com o meu pai.

— Vocês podem revezar, um ano conosco e o outro com os seus pais... — Minha mãe continuou a sua conversa ao telefone. — Ah, isso seria ótimo!... Está bem, querida... Mande um beijo para os seus pais. Feliz natal para todos vocês!