O tigre de pelúcia

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Certas pessoas podem passar de forma tão rápida na sua vida mas, de algum modo,
deixar uma marca eterna. Às vezes, deixar uma angústia eterna.
Estava aproveitando o Rio de Janeiro por alguns dias. Permaneci na casa dos meus tios, no Cosme Velho – bairro do nosso queridíssimo Machado. A casa era aconchegante, com alguns livros que sempre chamavam a minha atençao. O café da manha, sempre delicioso, servido na mesa da sala. Eu comia alguma coisa cedo e passava o dia fora. Num dia, passei a tarde no Jardim Botânico, apenas caminhando; fechar os olhos, sentir o vento batendo na minha pele,
ouvir o barulho das árvores era reconfortante. Num outro dia, fui conhecer a Biblioteca Nacional – para mim, um passeio que fez todo o calor carioca e todo o estresse com o trânsito conturbado valer a pena.
Um dia, fui dar uma de turista típico e visitei Copacabana. Caminhando pelo calçadão, com um sentimento de serenidade de quem esta de férias e não deve nada a ninguém; o sol, por
mais que quente, era de alguma forma agradável; pessoas na praia, passando por mais um momento ordinário: uma família deixando de lado o estresse da cidade por um momento, jogadores de vôlei aproveitando as quadras montadas na areia, pessoas se banhando no sol ou no mar, aproveitando o clima. Depois de um certo tempo andando, deparo-me com um local onde pude parar para tomar uma agua, já que não parecia possível a uma simples mineira aguentar aquele calor por tanto tempo.
Foi quando vi esse senhor sentado no calçadão, ao lado de um quiosque. Parecia estar nos seus 70 anos. A sua frente, uma caixa de papelão e, sobre a caixa, alguns bichos de pelúcia. Ao lado desse senhor, um homem de cadeira de rodas, mais novo, visivelmente doente. Supus que fossem pai e filho. Fui levada por algum sentimento que fez com que me aproximasse.
Nessa condição, pude analisá-los com mais detalhes. O senhor não parecia apenas
cansado, mas também triste. Os cabelos brancos eram mantidos curtos. Os olhos, de um verde claro, devem ter sido maravilhosos de se ver. Hoje, já aparentavam desesperança, como se houvesse a ausência de um brilho que foi sumindo com o passar das décadas. As rugas marcavam profundamente seu rosto corado pelo sol. Era magro e usava uma camiseta cinza e bermuda quadriculada azul, ambos sujos e levemente estragados. O homem na cadeira de rodas usava roupas simples, porém limpas, uma blusa branca estampada e calças jeans. Não parecia conseguir manter o peso da cabeça, visto que permanecia com ela inclinada constantemente para trás. A boca permanecia sempre aberta e ele parecia estar com os olhos vazios, como quem não está prestando atenção em nada. Como se estivesse em outro mundo. Pergunto ao senhor se ele é seu filho e obtenho resposta positiva.
“E a mãe dele?”
“Faleceu. Agora somos só nos dois”.
Sem saber o que dizer, volto minha atenção para os bichos de pelúcia em cima da caixa de papelão. Não são muito bem feitos. Alguns com os olhos mal costurados, outros com um rosto com conformação não muito simétrica. Esses bichos, extremamente baratos, são a renda dele. São o que o senhor podia fazer pelo seu filho. Após um certo tempo, entre cachorrinhos, gatinhos, coelhos, decido levar o pequeno tigre. Lanço um sorriso para o senhor, que me devolve o gesto de forma simpática.
Volto a andar pelo calçadão, não sem antes dar mais uma olhada para os dois. O pai cansado e o filho. Comecei a me perguntar o que aconteceria com aquela família. Comecei a me perguntar o que aconteceria com aquele filho. Faz 7 anos que vi os dois, e nunca consegui responder essas perguntas. Mas guardo o tigre de pelúcia até hoje.

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