Onde estão os vanguardistas?

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Ao ensinar-lhes sobre Dadaísmo, o professor caracterizou o movimento pela "oposição a qualquer tipo de equilíbrio", e por "destacar o ilógico e o absurdo".
-Dadaismo é assim: chamem um taxi e perguntem se ele está livre. Quando o taxista disser que sim, saiam gritando "Viva a liberdade!"

Essa fala, dita há 3 anos, voltou-lhe à cabeça, ao sair na rua. Pegou o elevador para sair. De carro novo, menos de 6 meses e já com uma pequena coleção de amassados. Ao descer do quinto andar, o elevador parou no terceiro e entrou um senhor de cabelos grisalhos, cuja aparição levou-lhe a dizer "Boa tarde". Como resposta, o senhor emitiu um grunhido, sem nem lhe direcionar o olhar. Ela deixou para lá e ficou olhando para o chão.

Tinha a intenção de tomar um café na Guajajaras. O melhor café que já havia tomado em BH. Talvez o melhor que já tomou dentre todos. O lugar era pacato, numa regiãozinha nostálgica. Os grafites faziam-na relembrar épocas de boemia que a levavam parte a ter vergonha, parte a sentir uma gostosa saudade. Ela entrou no café, sentou-se nas cadeiras de madeira que bem conhecia e esperou para ser atendida. Como ninguém se prontificou, chamou um atendente que, sem a menor cerimônia, deixou um cardápio na mesa e voltou para seu celular por detrás da bancada de doces e salgados. Apesar de já saber o que queria, ela passou alguns minutos analisando as opções oferecidas. Bolos, tortas, milk shakes de café, cafés com chocolate. Mesmo com essa variedade, chamou o atendente distraído e pediu um expresso duplo e uma garrafa de água com gás.
Enquanto esperava, olhou em volta, para os outros que se encontravam no café. Uma moça com vestido florido se deliciava com seu petit gateau. Um homem de cabelos brancos, costas encurvadas e idade para ser seu avô encarava a moça de forma dissimulada, que levou a observadora a ter vergonha alheia. Um estudante daqueles cursinhos da região absorto em algum exercício nem reparou quando o atendente deixou um refrigerante e um salgado na mesa. Fez-lhe relembrar da sua época de desesperada com vestibular. Momento vazio da adolescência em que nada mais importa a não ser decorar aqueles mil conteúdos para passar na prova. Com direito a crises de ansiedade e tudo que vem junto. Chega o expresso. Ela toma de forma distraída, dirige-se ao caixa para pagar, e deixa o café.

De lá foi caminhando até a Praça da Liberdade. Adorava caminhar naquela rua central com piso de pedra, que dá direto para o Palácio da Liberdade. Para trás, o famigerado Xodó e os grafites, essa arte de rua que por alguma razão a encantava. Toda forma de expressão artística a encantava.
Caminhava pela rua de pedra, várias pessoas cruzando-a em sentido contrário. Passos apressados, pastas na mão, olhares vazios. Alguns pareciam nem perceber a presença de uma pessoa andando calmamente na contramão e esbarravam na moça, sem ao menos pedir desculpas depois. Seguiam suas corridas eternas contra o tempo. Seguiam suas corridas eternas contra a vida.
A moça sinalizou para um táxi que rodeava a Praça. Tinha a intenção de ir para casa. Perguntou ao taxista se estava livre, e ao obter resposta positiva, não se conteve: "Viva a liberdade!"
O condutor do veículo passou a encará-la, sem entender. Depois de esclarecida a situação, ela entra no táxi e dá as direções. "Definitivamente... o mundo precisa de mais dadaístas", pensava.

Depois de deixar a moça em casa, o taxista arranca e deixa escapar "Mais um dia... e mais um doido no meu carro".

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⏰ Última atualização: Jan 18, 2019 ⏰

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