Dez anos se passaram desde o aniversário de doze anos da Ana. Nesse momento ela está se arrumando para comemorar o seu vigésimo segundo aniversário. Marcou de ir à um barzinho com umas amigas que conheceu há pouco tempo. Ana é impulsiva e apegada, ela sempre cai na besteira de acreditar que todas as pessoas que conhece ficarão em sua vida para sempre, e como sofre quando isso inevitavelmente não acontece. Mas nessa noite ela não está pensando muito nessas questões.
Ela está se preparando para comemorar mais um ano de vida. Está sorrindo. Por fora. Por dentro, eu enxergo, ela está em caquinhos. Mas não costuma transparecer o que sente, então raramente alguém, além de mim, seu cupido, percebe como Ana está de verdade.
Ela acendeu um cigarro antes de entrar no carro, respirou fundo, sentia aquela sensação estranhar de ficar mais velha, se irritava ao perceber que a idade não lhe trouxe muita sabedoria. Não havia aprendido muita coisa no ano que passou. Não havia realizado grandes feitos. Continuava no mesmo emprego. Com o mesmo corte de cabelo, nem sequer mudou a fragrância do perfume. Estava incomodada, Ana é uma pessoa muito agitada e nos últimos meses sentiu que sua vida caminhava em passos lentos. Ela não gostava de lentidão.
Mas enquanto tragava a fumaça do cigarro – que eu já tentei de mil maneiras dizer que ela não deveria usar – Ana procurava não pensar tanto naquilo, esvaziar sua cabeça desses sentimentos complicados. Ela queria viver sua noite de aniversário, receber carinho das pessoas próximas, comer um pedaço grande de bolo e voltar pra casa. Ficaria satisfeita se o plano funcionasse.
A última década foi crucial para ela. Ana construiu sua identidade a partir do que viveu nos últimos anos. Não foram tempos fáceis. Havia perdido seu melhor amigo de infância há pouco tempo, e desde então, carregava um medo absurdo de perder as pessoas, e o medo que todos vocês humanos carregam, o medo de se sentir só. E por isso, como disse mais cedo, ela acaba se apegando além da conta e toda despedida é muito dolorosa para ela. Apesar de ser uma garota muito sorridente, positiva e feliz, ela é extremamente machucado por dentro, e em alguns momentos essas feridas parecem que vão sufoca-la.
Eu estou aqui, tento ajuda-la. Ah se eu pudesse falar com ela de verdade. Não posso, faz parte das regras de ser cupido, não podemos nos aproximar das pessoas, nem interferir nas suas escolhas. Então se você imagina que voamos por ai de telhado em telhado com flechas nas mãos, prontos para decidirmos o destino das pessoas, esqueça, isso é fantasioso demais e está longe de ser a realidade. Sim, nós voamos e ficamos nos telhados observando a vida alheia – não somos 'stalkers', fique tranquilo – mas apesar de observamos tudo e pensarmos que temos um jeito certo de resolver todas as confusões que você humanos se metem, nós não podemos, não é permitido que um cupido se interfira na vida dos seres humanos. Tudo que podemos fazer é tentar enviar sinais para vocês e torcer para que entendam, mas na grande maioria das vezes nem chegam a perceber.
É meio confuso, mas se você acreditava mesmo que vagamos por aí com flechas encantadas no meio das asas, não vai ter problemas em acreditar no que vou te explicar agora.
Nós enviamos mensagem, sinais a vocês, por meio de outdoors, filmes, músicas, é a única forma de comunicação que é permitida. Por exemplo, se eu sei que você marcou um encontro com alguém ruim que vai te machucar lá na frente, e a melhor opção seria você nem sair de casa para ir ao tal encontro, eu sintonizo a sua TV no canal em que está passando seu filme preferido, ou o show exclusivo da sua banda favorita, na tentativa de que você avalie melhor se vale mesmo a pena sair de casa para conhecer um desconhecido de alguma rede social.. As vezes funciona. Você não percebe que foi de alguma forma "manipulada" a ficar em casa e desmarcar o encontro. Escrevendo assim parece bem errado não é mesmo? Mas é a única maneira que encontramos de fazer com que vocês se livrem de magoas futuras. E acredite, não dá certo nem em 20% dos casos. Você deve estar achando tudo isso estranho demais, e é, mas é tudo verdade. Cupidos não mentem. Tudo bem que não falamos com os humanos e tecnicamente não precisamos mentir porque nosso superior saberia se fizéssemos, mas enfim, você entendeu o ponto.
Voltemos para Ana, ela está no bar, a irritação e o turbilhão de emoções foi embora por enquanto, no momento ela quer aproveitar a companhia das pessoas e não pensar muito no futuro.
Ela terminou um relacionamento recentemente, nada muito sério, mas como você já sabe, despedidas à machucam muito. Dizem que quando vocês humanos completam idade, ficam meio melancólicos e acabam agindo por impulso, é a tal necessidade de se sentir vivo talvez.
- Quais são os planos para a nova idade, Ana? – perguntou sua amiga Luíza.
- Aí amiga, nem pensei nisso ainda. – mentira, ela só pensava nisso. – Mas tô pensando em não fazer planos por agora e começar a deixar as coisas acontecerem sabe? – Mentira novamente, ela não é do tipo que deixa as coisas acontecerem, é alguém que precisa planejar tudo, se não enlouquece.
Outra coisa, vocês humanos tem uma mania estranha de se 'auto-enganar' de mentir para vocês mesmos. Isso nos confunde muito, não entendemos como isso pode ajuda-los.
Lá pelas tantas da madrugada, o dia do seu aniversário já havia terminado. O peso da realidade começava a pesar em seus ombros. Ela não queria voltar a pensar sobre aquilo, então decidiu fazer algo estúpido, algo jovem, algo para "se sentir viva". Ligou o aplicativo de relacionamento – falaremos dele mais tarde – e começou a procurar por qualquer cara que parecesse interessante. Só queria sair dali acompanhada e despreocupada. Conseguiu. Foi pra casa com um moço alto e de cabelo encaracolado. Não era uma decisão muito sábia. Ambos estavam bêbados e nem lembrariam seus nomes na manhã seguinte. E apesar de Ana acreditar que nesse novo ano de vida seguiria a linha desapagada, era mentira.
Quando clareou, Ana abriu os olhos e não reconheceu o cara que estava ao seu lado. Antes que pudesse fazer qualquer movimento para sair da cama, Ana se lembrou do pedido de aniversário de dez anos atrás.
"Eu quero ser a pessoa mais feliz do mundo." - Suspirou. Percebeu o quão longe estava de realizar aquele desejo. Sentiu seu estômago embrulhar, e antes que pudesse se levantar e correr para o banheiro, vomitou toda bebida da noite anterior nas pernas do desconhecido que dormia em sua cama. Eu disse que não era uma decisão muito sábia ter um encontro bêbada e irritada com a própria vida, mas como comentei mais cedo, Ana não pode me ouvir e infelizmente isso complica muito as coisas para nós.
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O cupido de Ana
General FictionAcho que todos nós gostaríamos de receber ajuda de um ser superior que soubesse guiar melhor nosso caminho e nos ajudar a encontrar a tal pessoa certa. Nesta história você poderá conhecer um pouco sobre a vida de Ana, uma jovem um pouco complicada...