A ligação

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Lucas quis me encontrar às duas da manhã, parecia ansioso. Recebi sua ligação minutos antes, depois de quase não atender; sentia angústia. Disse que me esperava naquele bar da última rua à esquerda, seguindo pela avenida da minha casa. "Se eu ainda te conheço, sei que vai vir", sua voz escorregou pelo telefone soando como uma ameaça emocional, parecendo que ele tinha em mente um bocado de significados, talvez bons para se eu fosse, e outros significados certamente ruins para se eu não fosse. 

Confessou, por insistência minha, que me esperava com a resposta atrasada há seis dias sobre a relação que começamos em meados de novembro; é fevereiro. Queria saber como estávamos nessa história de amor nosso. Pediu também que eu levasse sua encomenda que chegou ao meu endereço por engano. Antes disso, reclamou da minha constante demora em recebê-lo quando me visita e toca a campainha, pois, por essa razão, vê-se obrigado a encarar a placa no muro com o nome da rua e o número, memorizando-os. Quando foi preencher o formulário da compra virtual, confundiu os endereços e digitou o meu, explicou-me.

Ao encerrar a ligação, tudo o que escutei pareceu distante, como se não tivesse sido comigo. Eu não tinha assistido a um filme parecido com isso? Andei até a cozinha e tomei o máximo de água gelada da garrafa que aguentei, as mãos suavam. Escorado na pia fitei a caixa marrom largada no canto pelo entregador, não sabia o que tinha dentro dela. Mentalmente percorri o trajeto e o encontrei na calçada do bar me esperando com a feição séria. Eu não conseguia imaginá-lo sorrindo, embora adorasse seus dentes à mostra. Nada sobre nós me parecia certo e havia algum incômodo sobre ter sido chamado para sair do meu conforto naquele horário. Todo o esforço por nós caía somente sobre mim. Eu não sabia se o amor tinha diminuído ou se era apenas mais um dos meus dias de velho rancoroso aos vinte e tantos anos.

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