Muralhas de Gelo

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Mais uma vez a noite de Natal se aproxima. Os preparativos para o grande baile que acontece anualmente no Palácio de Grimmord correm a todo vapor.

Alguns, que cuidam da decoração, passam de um lado para outro com guirlandas e laços enormes nas mãos. Outros se empenham para que a mesa de doces fique ainda mais atraente e bem organizada. Há também aqueles que montam o pequeno palco para a orquestra, certificando-se que todos os instrumentos funcionarão de forma perfeita.

Por fim, em um canto escondido do corredor, apenas observando-os sem ser notada estou eu. Acompanhada apenas pela solidão e pela certeza de que nunca poderei participar de uma festa como essa que está sendo preparada. 

Decido voltar ao meu quarto.

É bom saber que as pessoas ainda se divertem nessa data, que a tradição milenar mais apreciada por meus pais sobreviveu ao duro peso dos anos.

A Véspera de Natal sempre foi comemorada com um baile grandioso em Grimmord. Salvo uma única exceção, na qual toda a festa se transformou no luto mais profundo. O ano que destruiu minha família e toda minha vida. O ano do acidente com a carruagem, na nevasca que levou a vida dos meus pais .

Todos os anos eu volto a me perguntar: por que eu sobrevivi? Nunca encontro uma resposta.

É tão doloroso relembrar como mamãe estava animada quando saímos da casa de minha tia; a duquesa de Clemont, que havia acabado de dar a luz ao pequeno Julian e por isso havíamos saído mesmo com o mal tempo para visitá-la. Ela e o marido insistiram para que ficássemos lá até a tempestade de neve cessar, porém mamãe tinha que terminar os preparativos para as comemorações natalinas.

Daí em diante eu lembro de pouquíssimas coisas sobre aquele dia. Mas principalmente que a neve jamais me parecera tão fria como naquela tarde.
Passei longos meses em um hospital, todavia jamais estarei totalmente recuperada.

Não posso mais andar, correr ou muito menos dançar. Minhas pernas nunca serão capazes de voltar a se mexer.

Por isso vivo escondida dos olhares curiosos dos nobres hipócritas que me cercam. Além disso meu irmão; Edward, atualmente o governante do reino; não permite que ninguém descubra o que realmente aconteceu comigo. Ele e sua esposa, Lady Catherine, inventaram para todos que após a tragédia eu decidi mudar-me para um convento.

Desde então convivi apenas com os criados, devidamente informados de que punições severas seriam aplicadas caso o fato da minha invalidez e inutilidade se tornasse um assunto público. Contudo, para mim não faz a menor diferença se as pessoas sabem ou não; quem nunca aceitaria os boatos e a falsa compaixão que certamente iam surgir é meu irmão.

Edward é demasiadamente orgulhoso; não suporta a realidade de que em nossa família exista um exemplo tão grande de fracasso. Por isso deixou-me aos cuidados de uma governanta e, mesmo morando na mesma residência, nos últimos anos praticamente não tive contato com ele ou com a esposa.

Enquanto as recordações passeiam por minha mente, a vista das janelas permite que eu observe os flocos pequeninos e brancos que caem do céu como inofensivas gotas de algodão. Porém, sinto até minha alma se arrepiar diante de toda a tristeza e angústia que permanecem dentro de mim. As lágrimas já banham meu rosto e o frio que praticamente congelou meu corpo a cinco anos atrás é idêntico ao que começa a tomar conta de mim nesse momento.

 As lágrimas já banham meu rosto e o frio que praticamente congelou meu corpo a cinco anos atrás é idêntico ao que começa a tomar conta de mim nesse momento

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