Amarílis (02/05/2014)

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     Aquele vestido havia presenciado vários momentos da vida de Clara, como o ultimo momento com o seu marido, após pega-lo traindo-a com uma garota qualquer. Ela não era uma mulher burra e sabia que Renan não seria capaz de se conter com uma traição, a sua safadeza escoria pela sua boca como um cachorro sedento.
     A garota que debruçou-se sobre o corpo de seu marido e deixou aquela fragrância barata de morango entre sua virilha não tinha culpa sobre o ocorrido, para ela, a garota só era uma pobre coitada em busca de uma aventura, sem saber que um homem que trai nunca ira se satisfazer com uma amante, a sua aventura só duraria alguns minutos e depois ela se sentiria quebrada novamente, ela merecia mais uma garrafa de vodka.
     A culpa da amante não estava no fim daquele relacionamento e sim na obrigação de Clara vestir aquele vestido novamente. As coisas não estavam fáceis, ela não tinha mais emprego e seu salário de sua aposentadoria por invalidez não lhe dava o luxo de comprar roupas novas, talvez se aquela garota guarda-se sua aventura para outra família ela não estaria tentando apertar o vestido.
     Tentava pegar a caixa de costura em cima do guarda roupa. A caixa não pesava mais de um quilo mas para uma pessoa em seu estado era como carregar um saco de pedras. Escolhia a agulha mais grossa, pois seria mais fácil de segura-la em seus dedos finos e trêmulos.               Passava sua cabeça pela parte inferior do vestido e observava-se no espelho.Ela havia batido seu recorde de perder peso, se sentia dentro de um saco de lixo, mais para um saco de ossos.
      Segura-lo para não cair e costurá-lo era uma tarefa difícil, mas não queria incomodar Amarílis, sua filha já gastava muito tempo cuidando de sua mãe. As vezes Clara desejava morrer a continuar sendo um fardo para sua filha.
      Seu dedos tremiam cada vez mais a cada descida e subida da agulha, ate que perdeu o controle e perfurou a pele. Com o susto, o vestido caiu no chão e Clara desceu junto a ele, mergulhando as lagrimas no velho tecido.
-Mãe o que foi?-pergunta batendo na porta.-Tudo bem?
    Ela não respondeu, tinha vergonha por se mostrar frágil, tornar a filha frágil ou acabar com sua felicidade.
     Carregando o oxigênio portátil da mãe, a garota abre a porta e corre para acolhe-la em seus braços.
-Esta tudo bem!Podemos arrumar dinheiro até o dia da formatura!
-Não, não, não aquento mais, quero que tudo acabe!
     Amarílis se partia toda vez que sua mãe havia uma dessas crises, e sabia que não só os ossos que apareciam em sua pele eram um cronômetro que estava perdendo tempo, cada segundo se aproximando da morte, as crises deixavam sua mãe mais fraca e ela não podia deixa-la cair neste poço, mas a cada vez que acontecia ela dava um pouco de sua sanidade mental para a mãe.
     Havia dias que não suportava e chorava junto a mãe, estes eram seguidos de dias em que as janelas da casa não transmitiam luz solar, permanecendo fechadas e as plantas murchavam perdendo sua coloração.
     Este não seria um desses dias, Amarílis não deixaria mais uma de suas pétalas cair, a tristeza não merecia nada daquela flor, mas sua mãe sim, a garota seria capaz de morrer por ela.
-Olha pra mim.-Amarílis segura a cabeça da mãe, fazendo-a fitar diretamente em seus olhos.-Prometa para mim que vamos viver daqui em diante como se fosse nosso ultimo dia juntas, seremos as loucas mais felizes desta cidade!
-Prometo.-diz a mãe com o rosto molhado de lagrimas salgadas.
     Se apoiando na filha, Clara deita na cama, Amarilis cobre o corpo dela até o busto, assim pega seu livro e vai para a sala de estar. Cerca de meia hora ela volta para o quarto, carregando uma fita métrica, tirando as medidas da mãe.
     Pega o vestido e fecha a porta com todo o cuidado. Sentindo um molhado no tecido, soube que sairia mais caro que o esperado, pois sua mãe havia tossido sangue no tecido.

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