Dia 27 de Janeiro de 1890

65 8 3
                                    




           

Ainda não acredito que fomos expulsos de nossa terra por aqueles republicanos miseráveis! Eu, que sempre fui apaixonado pelo meu país, forçado a abandoná-lo sem quase um tostão furado! Por sorte fui criado pelo meu pai para conhecer várias línguas, dentre elas o inglês, o que me permitiu vir para os Estados Unidos. Mas Deus! Como esse país é diferente!

            Meu irmão mais velho sempre foi um homem do campo, logo conseguiu trabalhar para um fazendeiro de algodão no Arkansas, recebe até bem por isso. Mas eu não me adaptei por lá. Segui andando sem rumo até o Alabama, procurando algum emprego onde não precisasse cavar a terra. Não demorou muito para eu encontrar. Afinal, em qualquer lugar do mundo tem um trabalho que ninguém quer fazer, e sempre tem um idiota disposto a fazer esse trabalho. Nesse caso, o trabalho era manter o Farol de Old Dawn, e o idiota era eu.

            Era um trabalho que ninguém queria pois o faroleiro fica o tempo todo da semana em seu farol, sai apenas aos domingos, e trabalha o dia todo. De manhã deve sinalizar para os navios, pela noite deve se assegurar que as luzes estão acesas. E são vários lances de escada para isso.

            Assim que descobri a natureza do trabalho vi que ela combinava comigo. Mesmo sendo jovem, o contato humano nunca me foi uma necessidade. A solidão foi uma cara amiga de minha infância. Escrever no mais profundo silêncio me relaxa mais que beber um conhaque numa mesa de bar, e os únicos sons que preciso são os de minha gaita e da natureza.

            Procurei pela cidade por quem era responsável pelo emprego, e me apontaram a prefeitura. Assim que informei que queria a posição, o prefeito, de imediato, foi a meu encontro.

            "Deseja mesmo trabalhar no farol, senhor?", ele disse em sua língua

            "Sim, de imediato se possível. Fui expulso de minhas terras por um bando de revolucionários idiotas e agora quero viver por aqui, com um mínimo de dignidade."

            "Mas o senhor é tão jovem... A vida no farol para alguém na sua idade é um aborrecimento."

            "Pelo contrário. É tudo o que eu busco."

            "Se tem tanta certeza, bem, não vejo problemas em contratá-lo. Receberá um salário de 600 dólares anuais, certo? Receberá comida às onze e depois às dezessete e trinta."

            "Café incluso?"

            "Posso incluir."

            "Ótimo. E pago algo por morar no farol?"

            "Nada."

            "Então praticamente não terei custos?"

            "Não, praticamente não."

            "Nesse caso me parece o emprego dos sonhos. Bem, só mais uma dúvida, se porventura eu me casar..."

            "Sua esposa pode morar no farol."

            "E domingo será minha folga?"

            "Sim."

            "Muito bem. Estamos acertados, e quando eu começo?"

            "Tenho um barco para nos levar para a ilha de Old Dawn depois do almoço, se quiser."

            "Adoraria."

            "E tem onde almoçar?"

            "Onde me sugere?"

            O prefeito me apontou um pequeno restaurante com aparência rústica. Andei calmamente até lá. Uma neve fina caia, e eu não era adaptado ao frio. Estava um tanto quanto trêmulo, e usava meu fraque para me cobrir. Pensei em meu irmão. Devia estar na plantação a essa hora, vestido com um terno bom e um casaco, olhando os trabalhadores. Do jeito que era, talvez até estivesse plantando e colhendo. E eu aqui, passando frio.

O FarolOnde histórias criam vida. Descubra agora