Rodoviária. Enquanto o homem aguardava o veículo, lhe vinha aos pés um panfleto. Um jovem, à sua frente, o havia descartado depois de dar uma risadinha de desdenho, completamente cético.
Zeca, como diz-se de tão tolo de um homem, o levava a altura dos olhos e via-se envolvido nos encantos prometidos do tarô, búzios, leitura de mão, e, é claro, interessado em uma pílula, à qual se havia dado destaque entre o emaranhado de promessas místicas, uma droga capaz de curar a depressão que o atormentava há meses.
Guardou o panfleto no bolso, e continuou o seu dia como sempre, levando o papel às mãos eventualmente, para alimentar a própria obsessão. Não revelou a descoberta à esposa; queria ver se ela perceberia alguma diferença.-----
Beco. Como uma onda vertiginosa e descontínua de visões, sensações e pensamentos, a vida pífia de Zeca lhe era servida. Lembranças concretizavam-se, rápidas como piscares de olho. Triviais ou extraordinárias, antigas e novas que fossem, faziam-no sentir aquilo que o levara a gravá-las, induzindo-o a um estado que era o cumulativo dessas emoções: um desespero ou angústia, que afetava a respiração e fazia o seu coração bater mais rápido.
Neste momento, a verdade passou de incômoda, ainda que reservada ao subconsciente, a inevitável e presente. Ele era incapaz de sentir. A pílula era sua única salvação. Seu fôlego por fim esgotava-se, e seus joelhos íam ao chão. Logo, o desmaio completava-se.Beco. Desmaiado no chão, escorado à parede. Quatro homens baixos e carecas, com pinturas faciais em hábitos laranjas de monges hinduístas correm com intenso vigor, afastando-se de Zeca.
O chão fica coberto de moedas que caem aos montes de pequenas bolsas de lado que os homens usam. Zeca faz questão de recuperá-las; eram parte do dinheiro investido. Logo após, escorava-se sobre feixes que acendiam sob o seu queixo e percorriam da direita a esquerda.------
Rodoviária. Os panfletos cobriam o chão, a maioria em preto e branco e outros poucos em tinta azul. O gari enchia a sua pá destes e os levava ao lixo, cheio deles até a margem. Zeca continuava com a sua rotina assim como fazia anteriormente, ainda com o panfleto dobrado no bolso. Desta vez, entretanto, sorria pelo canto da boca.
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Mais um dia raiava. O sol agraciava os vastos campos que rodeiavam outros campos, com mais fazendas e vacas contentes.
Mal eram cinco e meia, e o calor oprimia Zeca. O suor escorria pelo seu pescoço, e a luz parecia tão clara quanto aquela de uma bomba nuclear. Os pássaros cantavam como martelos, e as três tigelas que quebrara por ele eram como uma brisa azul e refrescante em um mar de estresse. Se tornara gostoso ser um problema.Chegando à rodoviária, em verdade um terminal rodoviário, como Zeca acabara de gritar ao ler a placa—
Chegando ao terminal rodoviário, em persistente sudorese, Zeca andava com intenso vigor, como fosse cavar um buraco para si próprio no pavimento do terminal. Andava com uma bolsa de lado, azul como seu uniforme de mecânico, da qual caíam algumas moedas no chão.Escorava-se sobre o balcão. "5000 cópias e vá rápido". Agora caíam não moedas, mas panfletos aos montes da bolsa. Enquanto Zeca esperava o veículo, lhe vinha aos pés um panfleto que o mesmo jovem de antes descartara. Zeca, como passou-se a dizer de tão bravo homem, levou o papel à altura dos olhos e o amassou, distorcendo a própria imagem impressa.
Dá passos furiosos em direção ao jovem, e o ergue pelo pescoço. Dá uma sucessão de golpes até ele cair, e o chuta até ele se tornar inconsciente. O sangue escorre pelo canto da boca e enrubesce o rosto, da vítima como do agressor.Zeca decide, por fim, pegar o panfleto que o levara a tudo. Desdobra o anúncio, impresso em cores laranjas, para dar uma olhada no que foi escrito sobre a pílula. Encontra uma foto do monge, com o canto da boca ensanguentado e o dizer "curou minha depressão", o qual Zeca completa "e me tornou obcecado".