Prólogo.

24 1 0
                                    

Num galpão desativado, em algum lugar afastado do centro do Rio de Janeiro, Pedro acerta suas contas com Marcos.

- Enfim, sós...

Diz sádico.

Alcança o maço de cigarros em cima de uma mesa de madeira empoeirada e acende um, enquanto encara o oponente um pouco distante amarrado de qualquer jeito numa cadeira também suja que antes compunha a mesa. Desfaz as abotoaduras da elegante camisa social, trocando o cigarro de mãos vez ou outra, e arregaça as mangas evidenciando as tatuagens que preenchem a pele bronzeada do pulso até o ombro do braço esquerdo. Novamente a nicotina vai à boca. Caminha até Marcos e se acomoda na cadeira vazia, estrategicamente posicionada a frente da já ocupada pelo rapaz sangrento que se contorce tentando desfazer as amarraduras.

- Aonde é que nós estávamos?

Sorri de canto de boca e cruza as pernas.

- Eu já disse que não fiz nada! – Marcos diz aos gritos, irritado, tentando inutilmente se defender. – Porra cara, isso não trará o Henrique de volta. O Diego sabe que eu não fiz nada.

O de cabelo ondulado e castanho, levemente caído nos olhos cor de mel, mantém o sorriso sacana estampado no rosto.

- Ah, sinceramente...

Desdenha. Solta a guimba do Marlboro vermelho (adora essa marca de cigarros), levanta, e anda calmo até um balcão acoplado a parede. O galpão já foi um bar, fica no andar de baixo de um bar em funcionamento por isso ainda há alguns móveis. Procura pelo recipiente de soda cáustica que tem certeza estar ali, ele mesmo o havia colocado. Acha. Mistura um pouco de água no produto, diluindo-o, e se aproxima novamente do antigo parceiro, o obrigando a ingerir o líquido.

- Você não deveria falar do chefe com essa sua boca imunda.

A voz grave soa calma, como se o que estivesse fazendo fosse algo casual, natural, que faz parte da sua rotina. Segura sem qualquer delicadeza as bochechas do loiro de olhos azuis fazendo com que abra a boca por mal. Amarrado até os pés, Marcos não pode fazer nada além de mexe-se desesperado ao sentir seus lábios, língua, bochechas, tudo corroer. E assim que o moreno solta seu rosto, tenta cuspir o que foi depositado com tanto esmero em sua boca, mas é inútil, somente sangue e pelotas do que parece ser sua própria carne encontram o chão.

O corpo de Pedro novamente relaxa na cadeira, cheio de satisfação ao assistir a cena de pura dor que protagoniza Marcos, que tem seus lábios antes carnudos e rosados, tão desejados na comunidade, corroídos pela soda.

- Puta que pariu. Olha aqui, – Pedro observa os pés, indignado. – Você cuspiu no meu sapato.

O caro tênis branco que usa está completamente manchado.

Não podendo sequer argumentar contra as crueldades feitas a ele, ao menos suplicar por sua vida, Marcos chora.

- Escuta, eu não vou enganar você, - Fixa os olhos nos avermelhados pelo choro do que costumava comer junto com ele as refeições diárias. – o Diego vai te matar de qualquer maneira, eu não precisaria estar fazendo isso. Mas, – Solta um sorrisinho debochado e pega um canivete na mesinha em que antes pegou cigarro. - eu vou fazer mesmo assim. Não me leve a mal, - Finge uma expressão inocente. - gostaria que soubesse que foder traidores como você é até divertido. – Rodeia o refém, nunca deixando de observa-lo. – Agora tudo o que você pode fazer é rezar por uma morte rápida, a qual, - Sorri simplista agora encarando-o de perto no rosto. - você não terá.

Pega um pano velho qualquer, que estava pendurado na cabeceira da cadeira, e veda a boca ferida de Marcos. Pedro prefere evitar chamar a atenção com possíveis ruídos. Após veda-lo, vai até o rádio. Livin' On A Prayer do Bon Jovi preenche o ambiente. Pedro, dançante, cantarola voltando para próximo do que ele considera um traidor.

InfiltradaOnde histórias criam vida. Descubra agora