O Preço

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3 da manhã.
Já faz algumas horas que saí de casa depois da nossa discussão. Fiquei andando pela cidade, sem rumo. Não sinto vontade de entrar agora, até porque sei que ela não vai mais estar lá.
Sento na beira da calçada: agora está tudo quieto.
Na mão esquerda, o uísque que havia guardado para ocasiões especiais. Na mão direita, um cigarro.
Os dois alternando idas à mesma boca.
Olho para o asfalto deserto frente a meu prédio.
O negócio é que quando a madrugada chega e você cala, o silêncio começa a falar. Ele me dizia coisas horríveis.
Tudo é triste, frio e monótono: reflexo de mim.
Dou um trago e contemplo a fumaça misturando-se ao céu cinza.
Fecho os olhos, abaixo a cabeça.
Suspiro.
Lembro do tempo em que eu chamaria isso de liberdade.
Quase consigo ouvir, lá de longe, a música que costumávamos dançar juntos - e a lágrima, contida durante horas, finalmente caiu, seguida por outra e depois outra. Aos poucos, todas estavam dançando a triste dança da saudade. Logo já eram incontáveis - todas juntas - fundidas na mesma dor.
Braços apoiados nos joelhos, ergo a cabeça e miro a última janela iluminada do prédio à frente.
Ela apaga.
Permaneço a observar a janela escura e rio nostálgica. Penso ironicamente: "quem diria que, dessa vez, ela não iria voltar amanhã?"
Fito agora a poça d'água formada junto ao meio-fio. Ela reflete um rosto abatido e cético.
Não consigo encarar a mim mesma.
Desvio o olhar.
Quando ela me aconselhou a seguir em frente, eu deveria ter percebido quem ficaria para trás.
E a minha vontade é de seguir em frente. Tão adiante que, ao olhar para trás, não a enxergue mais.
A realidade destoa da minha vontade.
Agora estou no inferno.
Pequei por pensar que só se vive uma vez.

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