Era uma noite fria, a lua cheia estava encantadora e cintilante como nunca, era dezessete de abril de dois mil e quinze na cidade de Recife, para um espetáculo completo, o céu encontrava-se repleto de estrelas e o orvalho fazia os pelinhos do corpo de qualquer um que não estivesse devidamente agasalhado subir, Laura contemplava exatamente a esta cena enquanto desempoeirava a vitrine da loja de brinquedos em que trabalhava, o sofrimento de muitos desprovidos de algo para se aquecer e que padeciam a mercê de um relento sem fim. Ao olhar para seus pequenos olhos castanhos, a dor era nítida, o semblante da meiga menina havia sido apagado, seu sorriso já não era tão largo e contagiante como outrora. Sua face emanava um pedido de amparo que só era possível ser visto para quem vê a vida com os olhos do coração, a verdade absoluta de sua história naquele momento é que inúmeras vezes nos perdemos buscando nos encontrar. Por volta das dezenove horas, já saturada de seu trabalho, observava o relógio a todo instante, parecia estar com uma espécie de tic nervoso, quando na realidade só estava preocupada com o horário da faculdade de literatura que cursava e por sinal iria se atrasar como sempre, porém continuava lá, limpando a vitrine incansavelmente na esperança de terminar antes do horário, terminou deixando-a impecável, agora tinha que correr para os estudos, elevou seu rosto aos céus perguntando para si; Até quando? não gosto de meu trabalho, da minha faculdade muito menos... não sinto necessariamente vontade de morrer, só de me desligar dessa vida infeliz por uma semana, anos, décadas, sei lá. Seguiu mais uma vez, afinal, duas irmãs pequenas e uma mãe alcoólatra dependiam dela, não deveria de forma alguma pensar em desistir, respirou fundo tentando abrandar a dor que afligiam seu peito e contudo novamente falhou. A adorável jovem de cabelos negros guardou todo seu material de trabalho e caminhou rapidamente ao banheiro onde trocou de roupa escolhendo para faculdade, um vestido modesto azul, que por sinal gostava muito. Saiu cumprimentando a todos da loja os desejando uma boa noite,e especialmente a uma senhorinha muito amável, Dona Maitê, proprietária do estabelecimento. Se aproximou dela, abaixou um pouquinho para alcançar a mesma que estava sentada e envolveu seus braços lhe dando um abraço apertado.
- Tenha uma boa noite Dona Maitê, nos vemos amanhã. Disse isso e sem demora depositou um beijo em sua face enrugada e cansada de lutar seus setenta anos, os cabelos cor de neve comprovavam fielmente.
- Boa noite minha filha, disse ela, um sorriso largo se formou sem demora ao sentir o beijo que lhe era dado, pois de fato, nunca encontrou alguém que lhe tratava tão bem quanto Laura, ela a impressionava em sua maneira de ser única e especial, sua essência apaixonante demonstrava o quanto é forte mesmo em meio aos dilemas, Dona Maitê a conhecia bem, por muitas vezes foi a salvadora de sua vida, a tirou das ruas ainda com nove anos de idade, levou a sua casa, lhe deu tudo que uma criança necessita, cuidados básicos e muito amor, já que a mãe não podia, pois estava sofrendo com as consequências do alcoolismo e drogas, perdeu tudo que tinha. A senhora levou suas doces mais ao rosto de Laura e fixando o olhar em seus olhos disse preocupada, filha, você vai se atrasar.
Laura soltou um riso ao ouvi-lá , balançou duas vezes a cabeça para baixo declarando que sim. - É, vou mesmo, mas não vou desistir. Pode confiar. Dizia isto, porém todos os pensamentos se voltavam para o contrário. Se despediu, saiu apressadamente e foi de encontro a estação de metro mais próxima com a mente como um turbilhão, em seu interior as dúvidas e medos roubavam a paz, não sabia mais o significado de estar bem, a confusão era tamanha que em um certo momento seu corpo também parou dando sinais de que algo estava errado, ficou lá no meio da estação, paralisada, o ar fugiu de seu corpo e ela buscava o encontrar,nem o dedo se quer conseguia mexer, parecia estar em outra dimensão, seu coração ficava cada vez mais acelerado junto com seus pensamentos, até que um susto lhe deixa atordoada e faz cair em si, despertando, viu as crianças que haviam acabado de esbarrar nela a observando com o olhar meio torto comentar com sua mãe; - Mamãe, aquela moça lá congelou! - Vamos embora crianças, deve ser mais uma maluca. A observar de cima abaixo, puxou seus filhos pelos braços e apressou o passo. Laura sorriu, e tomou uma decisão, iria sumir. - vou pegar o ônibus pra qualquer cidade ai e me mandar, não agüento mais viver aqui, viver assim. Começou a caminhar lentamente, saiu da estação e as lágrimas logo tomaram conta de seu rosto ao recordar lembranças de sua infância que passava como um filme -Mamãe, posso passear com o chocolate hoje? Dizia isso com um olhar meigo fitos em sua mãe. - Por favor, hoje é sábado! Meu dia preferido, tenho que ir, deixa vai...
Sem demora sua mãe Beatriz esboçou um sorriso e respondeu; Tá, tudo bem... Mas tome cuidado, viu? Você e esse cachorro, sei não. Quero você aqui antes das oito, e lembre-se nada de conversa com estranhos. Flores finalmente começam a resplandecer encantando qualquer um que apreciasse a bela arte da natureza, era primavera, a manhã estava radiante e bela como nunca, havia mais cor em tudo, cada detalhe, se olhássemos direito, até na pena de uma simples ave. Era sábado, dia da criança feliz correr livremente. Respirou fundo mais uma vez tentando conter suas emoções, ou ao menos aparentar. A garota que estava na estação, agora se encontrava no meio do transito, entre carros e motos, buzinadas e gritos do tipo; ''Sai daí o estranha'' a multidão estava ao redor, até jornais locais vieram fazer a cobertura do acidente, Laura havia sido atropelada por um caminhão. Ao abrir seus olhos, não era possível enxergar nada, mas de longe ouvia a voz de Dona Maitê embargada, estava ao lado da maca entrando na ambulância. - Por que não consigo enxergar? O que está acontecendo? O desespero tomou conta de seu interior, e ela ansiava por respostas, não sabia o porquê de estar ali e nem como chegou ali, será que havia de estar cega? Pensou ela, o medo a dor e solidão aumentavam a cada segundo. Tentando lhe acalmar, a senhora segurava sua mão e pedia para que confiasse nela e assim o fez. Fechou seus olhos e seguiu para o hospital.
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O encontro
SpiritualLaura é uma jovem depressiva que decide desistir de tudo, mas após um acidente que lhe faz perder a visão, mal sabe ela o encontro decisivo e transformador que lhe aguarda. De triste, ela passa a espalhar e contagiar pessoas com sua alegria por onde...