A Casa da Bruxa

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    É claro que nós já tínhamos ouvidos falar sobre a casa da bruxa. Era uma das lendas que havia em nossa cidade, e as pessoas falavam sobre ela, assim como falavam sobre o Seu Roberto, o dono da padaria que supostamente virava um lobisomem nas noites de lua cheia, ou então o Velho do Saco, que sequestrava crianças desobedientes.

Era uma cidade pequena e uma criança contar histórias assim para a outra era quase um ritual. Dito isso, sim, nós conhecíamos as histórias sobre a casa da bruxa, só não esperávamos ir até lá.

    Era uma tarde bem fria e meus amigos e eu estávamos voltando da escola. Uma das vantagens de se estudar de manhã era que tínhamos o resto do dia para fazer o que quiser.

Mateus ia alguns passos a frente, jaqueta de couro preto, calça jeans e uma atitude descolada. Todo mundo gostava do Mateus. Ao lado dele estava Raquel, que caminhava segurando as alças da mochila, o cabelo ruivo preso em um rabo de cavalo balançava de um lado para o outro. Eu não sabia o motivo dela estar andando com a gente, mas fazia algumas semanas que ela passava o recreio conosco. Era bem verdade que ela falava bem mais com o Mateus do que comigo, mas mesmo assim era legal ter uma garota no grupo.

    Caminhamos pelo bairro, até que Mateus indicou uma trilha, que levava à um matagal que circundava nossa cidade. Nós seguimos ele e quando estávamos longe de onde poderia haver adultos, ele tirou um maço de cigarro do bolso.

– E aí, alguém quer? –  perguntou, colocando um na boca.

Raquel pegou um e com um isqueiro zippo, ele acendeu os dois.

– E você, não vai querer?

– Acho que não.

– Você nunca fumou antes, né?

– Fumei sim – respondi, mas com a voz tão hesitante que nem eu mesmo acreditaria na minha resposta.

– Ah é? – Mateus me estendeu o seu e receoso, dei uma tragada. A fumaça desceu pela minha garganta e de repente, pareceu que eu não sabia mais como respirar, minhas narinas estavam tapadas e tudo o que eu sentia era ao gosto horrível da nicotina.

    Coloquei as mãos no joelhos e comecei a tossir com força. Raquel e Mateus riram da situação e eu queria que um buraco surgisse e me tragasse desse mundo de tanta vergonha.

                         ***

    Nós ficamos mais algum tempo lá conversando, sentados em um local em que a grama era rasteira, até que ficamos entediados. Raquel perguntou o que poderíamos fazer. Eu tirei meu Walkman da mochila e perguntei se ela queria escutar música. Estava com uma fita do Ramones.

– Ah, pode ser – acabou respondendo ela.

Raquel pegou o fone e começou a colocar nos ouvidos.

– Ei, por que a gente não vai na casa da bruxa?

– Que? – perguntou Raquel.

– A casa da bruxa. Vocês não conhecem a história? Ela fica aqui pertinho – explicou Mateus, com um sorriso enorme e empolgado.

– Legal, vamos lá! – Raquel me devolveu o fone e o Walkman.

– Numa próxima a gente escuta música, tá?

– Tudo bem – respondi com um sorriso forçado e uma vontade imensa de dar um soco da cara do Mateus.

    Nós começamos a caminhar. Eu havia crescido brincando naquele lugar, mas nunca tinha ido tão longe. Aos poucos o mato rasteiro foi crescendo, as árvores foram ficando mais espessas e não pela última vez naquela tarde, senti medo. Eu não conhecia o caminho de volta e se não fosse por Mateus, eu me perderia. É claro que os dois não poderiam saber disso, eu não queria passar mais vergonha na frente deles. Então finge confiança e dei passos firmes. Como sempre, Mateus e Raquel à frente e eu alguns passos mais atrás. Talvez por isso eu tenha sido o último a ver a casa. Raquel e Mateus haviam parado de andar, não percebi, então acabei me chocando contra os dois. Achei que eles iam me xingar, mas só quando vi o que eles estavam observando eu entendi o motivo deles terem parado.

A Casa da BruxaOnde histórias criam vida. Descubra agora