Um bom começo

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"Onde estão suas namoradinhas, Daniel".
Por que eu preciso de namoradas? Será que minha mãe e minhas tias não entendem que eu sou feio pra burro?
E está provado pelo IBGE que todos os meus primos que começaram a namorar antes dos quinze são pais agora, minha mãe deveria agradecer eu não gostar de sair e de casa e preferir assistir novela com ela e com meu pai.
Minha vida pode parecer solitária e triste, e ela é, mas eu gosto assim. Às vezes é bom ser diferente dos caras da minha idade, é bom falar que sou BV, as pessoas agem como se eu fosse de outro mundo e isso é legal.

Dobro a esquina da minha rua, estou vindo da biblioteca comunitária da cidade. Logo avisto em sua cadeira de balanço, dona Eunice, a câmera do Big Brother em pessoa.

- Bom dia.- Falo ao passar por ela. A mesma se inclina para falar que cheguei tarde hoje.
Como eu disse, se quer saber da vida de alguém, é só perguntar a ela.
Passo pela casa dos meus vizinhos, que por sinal está barulhenta hoje, uma musica pop toca aos extremos. Os conheço de vista, sei que se trata de um casal com três filhos aparentemente adultos.

Vou parar de dar uma de dona Eunice e seguir meu caminho para casa ao lado, ou, como gosto de chamar, minha casa.

Entro sem muito ânimo, pois sei que meus pais, como sempre, estão ocupados demais dando atenção ao trabalho deles.
Eu sei, estou fazendo drama, mas é dificil ser filho único e ainda ter pais que trabalham o dia todo. Meu pai é dentista e minha mãe é professora.

Decido fazer meu almoço, já que minha mãe não deixou nada pronto.
Por hora, posso me distrair com uns salgadinhos, sei lá.
Procuro coisas na geladeira e decido fazer um arroz temperado com algum tipo de carne, gosto de inovar de vez em quando.

Estava de boa, ouvindo um rock no meu celular, quando fui interrompido com batidas frequentes na porta.
Franzo a testa, porque é estranho receber visita agora, eu não estava esperando ninguém, como se isso impedisse as pessoas de aparecerem de surpresa na casa dos outros.

Abro a porta e fico surpreso ao ver um dos vizinhos do lado. Me sinto constrangido, o cara está sem camisa e o que tem de músculo no braço dele, deve ser o que tem espalhado pelo meu corpo de codorna.

- E aí.- Digo para quebrar o silêncio. Reparo que o som vindo da casa dele se tornou mais alto.

- Oi, eu sou Enzo...nome comum hoje em dia, eu sei, mas em minha defesa eu digo que ganhei esse nome antes de virar modinha.- Esclarecido.

- Posso te ajudar?- Pergunto sem saber o que dizer.
Ele fica em silêncio por um instante.

- Eu sei que a gente nem se conhece, mas, eu posso ficar aqui enquanto meus pais não voltam?- essa é nova. E agora? O que eu digo?

- Bom...- De repente ele entra na minha casa já se instalando no sofá.

- Valeuzão, velho.- Ele diz, pegando minha pipoca e meu refrigerante que estavam em cima da mesinha de centro da sala.- To cheio de fome. Foi mal.- Ele diz de boca cheia.

- Não tem ninguém na sua casa?- pergunto, fechando a porta, ele ri, cuspindo pipoca no chão.

- Minha irmã está se vingando de mim, eu comi uma coisa dela.- Ah, tá muito explicado.
Passo por ele e vou até a cozinha, verificar o estado do meu arroz.
- Que foda!- Ele vem em minha direção.- Você tem treze e cozinha!

- Eu tenho dezesseis.- digo, olhando para meu reflexo na geladeira. Além de magrelo e feio, agora eu sou anão? Pegue uma faca e me mate de uma vez.

- Ah, então eu posso relaxar em falar putaria perto de você.- Ele deposita sua mão, que mais parece um tijolo, em meu ombro.

- É.- Droga, que antissocial eu sou!

- Tem namorada?- Pergunta, bebendo o resto do meu refrigerante.
Quase reviro os olhos.

- Não.- Acho que falei irritado demais.
Ouço a risada dele.

- Não se preocupa, na tua idade eu também não tinha.- Ele falou como se já tivesse trinta anos e meio.

- Isso é uma boa noticia.- Falo, desligando o fogo do arroz.

- Sim, é.- Ele fala, com um tom estranho, parece sério e brincalhão ao mesmo tempo.

- Vai encarar?- Pergunto, me referindo ao almoço.
Ele vai até a pia e pega o maior prato de lá.

- Nem precisa perguntar.- Ele mesmo se serve. Não fui burro e fui o primeiro a colocar comida no prato, pois ele raspou as panelas. Queria poder ser assim, folgado e bem resolvido da vida.
Sentamos no sofá e começamos a comer assistindo uma série idota de comédia.
Confesso que estava com mais fome que pensei, acabei logo, enquanto a motanha no prato do meu vizinho estava exposta, apesar dele comer como se não houvesse amanhã.
- Quer um pouco de meu?- Ele pergunta, quando me levanto para deixar o prato na pia.
Nego com a cabeça e deixo o prato na louça suja, volto para a sala e lá está ele, por um milagre parou de comer.
- Cara, minha mãe não tem culpa da minha falta de educação, eu realmente estou com muita fome...

- Não estou julgando.- Falo, sentando ao lado dele no sofá.

- Vem comer um pouco daqui.- Ele chama. Digo que não precisa, mas ele insiste.- Estou me sentindo culpado, vem, cai de boca.

- Eu não estou com fome.- digo, na tentativa que ele desista.
Se tem uma coisa que eu tenho um ódio puro e genuino é gente insistente.

- Eu deveria te aplicar um golpe de judô e te obrigar a comer, mas seria surreal demais, então...- ele volta a comer como se nada tivesse acontecido.
Conversamos bem pouco e ele comeu tudo.
Depois de um tempo, a musica alta na casa dele abaixou. Foi quando ele se levantou coçando o saco e apertou minha mão com a mesma mão cheirando a saco coçado.

- A fera foi controlada.- Ele diz, se referindo a irmã, enquanto caminha até a saída da minha casa.- Foi bom te conhecer, Daniel. Você é meu novo amigo.

O Garoto Do Interior (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora