Capítulo 1.1

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VINAGRE

j o a n n e
Filadélfia, PA
treze anos atrás

Sentava-se num banco desconfortável, de plástico. Era nova demais para entender o que estava acontecendo, o que estava prestes a acontecer. Seus pés, quando sentada, nem alcançavam o chão. Balançava as pernas, chutando o ar em movimentos nervosos. Não sabia que lugar era aquele, mas havia outras crianças por ali, também. Perguntou-se por onde andava a sua mamãe. Sentia fome, mas preferiu ficar quieta. Era tímida demais para pedir comida a qualquer adulto desconhecido e, de qualquer maneira, não podia falar com estranhos. E todos ali pareciam muito estranhos. Mal conseguia lembrar-se da última refeição que teve. Sentiu o estômago contorcendo-se num ronco audível. Abraçou o próprio corpo, escondendo a barriga com as mãos.

Uma menina, ao lado, implorava para voltar para casa, aos prantos. A garota devia ter a sua idade; tinha mais ou menos a mesma altura que Joanne. Os choramingos cresceram para soluços ressentidos. O choro era contagioso, ali. Bastava uma das crianças começar a lacrimejar que todas as outras uivavam em resposta. Menos Joanne. Joanne não chorava. Já era uma garota crescida. Nunca chorava, nem mesmo quando a sua mamãe e Ray brigavam com ela. Nem naquela vez que Ray apertou o seu braço com tanta força que deixou uma imensa marca roxa. Ela nunca chorava. Nunca, nunca mesmo.

Joanne brincou com as mangas gastas do seu casaco, enquanto a sinfonia de berros e gemidos a cercavam. Queria ir embora daquela sala cheia de crianças catarrentas. Mas, ao mesmo tempo, não queria voltar para casa. Ela gostaria de sumir. Ficar invisível, ou pequenininha do tamanho de uma mosquinha, e fugir para um Reino Muito Muito Muito Distante dali. Fechou os olhos. Mentalmente, cantarolou a música Hakkuna Matata, do filme Rei Leão da Disney. Costumava cantar essa música, em sussurros, toda vez que a sua mamãe e Ray brigavam e gritavam um com o outro. Ela se escondia dentro do armário, tampava os ouvidos com as mãos e cantava baixinho.

Os seus problemas você deve esquecer

Isso é viver

É aprender

Hakkuna Matata

Quando abriu os olhos, novamente, notou a presença de alguém que passou-lhe desapercebido antes. Um menino, que também devia ter a sua idade, sentava-se numa cadeira à sua frente. As pernas dele, dobradas, também ficavam flutuando pelo ar. Os pés dele também não alcançavam o chão. E ele também não estava chorando.

Joanne analisou o menino, por rápidos segundos. Ele possuía os cabelos lisos, cortados de forma que a sua franja rondasse a sua cabeça como uma auréola. Estava ocupado demais prestando atenção no seu video-game portátil, alheio à fixação minuciosa de Joanne. Ele não aparentava ser o tipo de garoto que herdava roupas, ou que as comprava de segunda-mão. Ele usava tênis novinhos, brancos, que estampavam o logotipo de uma marca cara. Seu suéter e calça jeans deixaram evidente que ele era um garoto rico.

Joanne nunca tinha visto um garoto rico, antes. Observou-o como se fosse um animal exótico, enjaulado no zoológico, ou como se fosse um alienígena. Até a forma como o menino sentava-se era sofisticada, demonstrando superioridade e um pouco de desdém. Ele, com certeza, era um garoto rico. Joanne perguntou-se qual seria o brinquedo que ele tinha ganhado de Natal. Devia ter custado o aluguel do apartamento que ela morava com a sua mamãe e com o Ray.

Joanne Ventura continuou encarando-o, até que ele percebeu o quanto era observado. Tarde demais, ela não poderia desviar o olhar para o canto oposto. Ela não poderia fingir que interessava-se pela parede, atrás dele. Ele a pegara no flagra. Sentiu suas bochechas aquecerem, tinha certeza que estavam coradas. Quis esconder o rosto nas mãos, mas conteve o impulso. Desviou o olhar para os próprios pés, embora sentisse os olhos do garoto rico queimando contra o seu perfil. Tentou ignorar que, agora, era a sua vez de ser observada. Sentiu o exame detalhado do garoto rico em si. Estava envergonhada, desconfortável.

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⏰ Última atualização: Mar 10, 2018 ⏰

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