Existe vida após a morte?
Bom, isso depende. Depende do que você considera “vida”. Depende do que a morte significa em sua vida. Para mim, dependia do fato quase incompreensível de que, para me dentir viva, tudo que eu mais desejava era estar nos braços da minha morte. Uma morte personificada na figura de um rapaz cheio de cicatrizes, de fulgurantes olhos azuis-turquesa e um rosto tão perfeito e atormentado quanto as suas atitudes. Uma morte que poderia me tirar a
vida com um simples sopro, porém, vil e inescrupulosa, resolveu fazer isso com requintes de crueldade, reduzindo meu coração em pedaços.
— Aguente. Só mais um pouco, só mais um pouco — implorava o sussurro. A sensação era de que haviam incendiado meu corpo, eletrocutado e o mergulhado em ácido, tudo ao mesmo tempo.
Liberei um gemido de dor ao sentir uma corrente elétrica trespassar meus músculos e contrair meu esqueleto. Uma substância gelada entrou em contato com minha pele em chamas. Escuridão, agonia, sufocamento.
— Fique comigo, Nina. Por favor, reaja — tornou a pedir a voz distante. — Por favor. Meus pulmões ardiam. Manchas negras bloqueavam a luz. A dor cedeu um pouco e, naquele instante, tentei reaver meu cérebro ou sentir meu coração, encontrá-los, entender quem
eu era, onde estava, mas me vi perdida, abandonada dentro de um corpo inerte. E escorregando... Não havia onde me segurar. — Me perdoe. — A voz parecia desesperada. — Por favor, reaja, Tesouro — Soluços. — Eu... eu não posso perder você.
Aquela voz... A sombra da intuição me alertava sobre o perigo de tê-la por perto. Eu deveria odiá-la, rechaçá-la, mas, por uma razão inexplicável, minha alma regozijou-se, feliz. Finquei as unhas no chão. Eu não podia escorregar.Subitamente, uma sensação revigorante rasgou meu peito, como se tivessem injetado oxigênio em meus pulmões. Eu precisava
suportar.
— Argh! — Outra descarga elétrica desceu por minha coluna e incendiou minhas veias. O fogo ainda lutava contra aquilo que parecia querer me arrancar da inércia e do torpor. Ardor e congelamento intercalavam-se sem parar. A consciência ligeiramente mais presente. Água fria abria caminho e invadia uma área carbonizada, que eu já não mais contava que existisse em meu corpo febril. Rosto, barriga,
costas, pernas, partes íntimas, tudo sendo despertado por carícias e gotas d’água geladas.
“Partes íntimas”?
Novo choque. Senti a pulsação atrás do fogo ceder. Os dedos abrasadores das chamas reduziram sua fúria e se abriram, dando espaço para que o bálsamo em forma de gotas geladas amenizassem os danos. Atônita, traguei enorme quantidade de ar e abri os olhos, mas pouco consegui enxergar. O planeta ainda rodava, sombrio e em silêncio.Demorou algum tempo até
que eu conseguisse captar pequenos ruídos e esboçar um mínimo movimento de cabeça e mãos. Atordoamento e emoção. Eu estava viva? As imagens ao me redor eram de um filme sem definição. Panos encharcados em água gelada cobriam minha pele e eram trocados ininterruptamente. Aquele corpo nu e deitado sobre uma manta felpuda à margem de um córrego congelado era meu?
— Nina? Oh, Tyron! — soltou emocionado um vulto de negro, prostrando-se de joelhos no chão ao meu lado. — Tesouro, você consegue me ouvir? Nina? — agoniado, o vulto
colocou outra compressa gelada em minha testa e aproximou seu rosto do meu. — Fique tranquila. Vou cuidar de você. — Sinos de alerta ecoaram em minha cabeça. Senti nova onda
de dor e calor e tornei a apagar.
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— Finalmente, Tesouro! — Abri os olhos e, para me desorientar ainda mais, a primeira coisa que vi foi o sorriso estonteante de Richard. Um ciclone de imagens estilhaçadas rodopiava em minha memória. Meus sentimentos perdidos num nevoeiro de mágoa. Meu
orgulho falou mais alto e me obrigou a desviar o olhar. Não sabia se a dormência que me invadia tinha origem na febre ou na profunda decepção que ele me causara. — Já era tempo.
— Você?! Onde estou? — indaguei atordoada, as emoções embaralhadas dentro do peito: medo, alívio, dor, ódio, amor. Não conseguia pensar direito. Chequei ao redor e não havia
sinal de um ser vivente sequer. Para onde ele havia me levado? O que havia acontecido?
Seu sorriso se fechou um pouco, e, como de costume, ele não respondeu.
— Não bastou tudo o que você fez comigo? — questionei amarga, e, tomando coragem, deixei meus olhos encontrarem os dele. Arrependi-me de imediato. No lugar de meus pulmões
senti dois blocos de gelo, e me peguei segurando a respiração.
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Não Olhe! (Segundo livro)
RomanceLivro da FML Pepper Prisioneira de uma sombria dimensão. Possuidora de um dom e de uma maldição. Determinada a encontrar seu caminho e sua identidade. Fugir e sobreviver ou enfrentar seus fantasmas e acabar morrendo? Se justamente a única pessoa que...