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Eu acordei me sentindo estranha. Estranha como nunca antes, parecia que cada veia do meu corpo trabalhava lenta e com dificuldade, carregando um líquido viscoso ao invés de sangue; é, acho que é o que se aproxima mais da sensação.

Fosse por isso talvez que meu cérebro estava preguiçoso -e não atordoado-, mesmo acordando em um lugar completamente desconhecido. Eu simplesmente não estava assustada, porque não tinha forças para ficar. Percebi que por mais que eu me forçasse, meu raciocínio parecia incrivelmente limitado.

Cada célula em mim sentia a gravidade aumentada em muitas vezes, e eu tinha a impressão de que a qualquer momento poderia vir a me desmanchar no chão. Algo me segurava no lugar e eu não sabia o que era. Se dependesse apenas da lentidão de meus pensamentos, não ia descobrir tão cedo.

Tocava meus braços, mas minha pele demorava a responder aos toques. Eu estava, de alguma forma, não funcionando direito. Meio... Quebrada.

_ Você demorou a acordar. - Me surpreendeu uma outra garota atrás de mim. Ela estava vestida como para um baile, mas seu broche floral parecia meio murcho. Levei um tempo para perceber que ela em si era toda murcha. Fúnebre.

Não consegui responder em menos de alguns bons segundos, pois não era possível compreender o que se passa ao meu redor de imediato.

_ Acordar de que? - Minha voz era quase um grasno. Na verdade o que mais me interessava saber era porque eu me sentia tão lenta. Tinha acesso à algumas memórias - e eu não era assim -, mas uma parte delas parecia corrompida. _ Não me sinto bem.

_ Claro, pobrezinha. Depois de dois dias desfrutando do sono da morte, muito de você... - Tocou na minha testa, talvez estivesse falando da minha consciência. _ deve ter sido... Estragado. Por sorte esse efeito para aqui e você não virará um vegetal.

Fiquei quieta, pois não conseguia me lembrar direito do que estávamos falando inicialmente. Reparei que ela tinha um broche floral em seu vestido. Estava realmente feio e velho.

A garota ficou me encarando com uma expressão vazia, decepcionada, e pegou em meu braço para me levar a algum lugar. Talvez ela tivesse assumido que eu queria o que quer que ela esperava ouvir de mim.

_ Vem, vou te levar à alguém muito importante. Quem deu a você uma segunda chance de viver.

Ah, sim. Eu tinha morrido. Não conseguia lidar com aquela ideia de forma alguma. Afinal, como poderia ser verdade? Tudo parecia uma espécie de sonho em que muitas partes eu acabava esquecendo ou se enturveciam na minha mente.

Ao que parecia, reparei que estávamos em um cemitério bem calmo. Reparei nisso porque, enquanto a estranha me guiava, passamos por uma lápide. Esta era prateada e serviu como um tipo de espelho. Eu também estava com um vestido de baile, me dei conta que eu cheirava a flores murchas. É um cheiro vegetal um pouco desagradável.

_ Podia dizer quem é você primeiro. - Falei.

_ Ah sim, pode me chamar de Lily. Sabe, me desculpe, todos nós acabamos perdendo a capacidade máxima do nosso cérebro. Por mais rápido que acordemos. - Explicava. O local tinha árvores que pareciam isolar o som ali dentro, de alguma forma isso me fascinava e eu tinha que me forçar a prestar atenção nas palavras de Lily.

_ Meu nome é Alice.

_ Eu sei, li em sua lápide.

Eu não exatamente acreditava que estava morta, só drogada com alguma coisa ou sonhando. No entanto, quanto mais nos aproximávamos do alpendre meio mofado localizado em uma das extremidades do terreno, mas eu me sentia presa à uma realidade que ainda desconheço. É uma sensação concreta e quase palpável. A atmosfera era pura e simplesmente triste. Como encontrar um pardalzinho dando seu último suspiro num gramado em plena primavera:

RuínaOnde histórias criam vida. Descubra agora