dear papa and depression

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você que é boa em fazer esse tipo de coisa, desculpe-me

nós somos bagunça, causamos confusão e ao passarmos na rua, sentimos os olhares pesados em nossas costas.

sofremos julgamento em nossas casas, de nossos pais e irmãos, aprendemos a lidar com a dor.

ela faz parte de nós agora, como um membro invisível, mas que sempre te dá um lembrete que está lá.

até um dia que você não consegue mais sair pelo peso que tal membro faz, e desistimos.

o recreio não é mais divertido como antes, os amigos não passam de um borrão na nossa frente e só pensámos na dor e voltar para a cama.

quando chegamos em casa, ele está lá, nosso pai.

sentado no sofá, com o mesmo short de ontem, ele olha para nós e faz um comentário ácido, afetando nosso coração em cheio, mais uma vez o partindo, o deixando ainda mais doente.

e de novo, de novo, de novo, o nosso coração já não é mais um só, são várias partes, pequenos fragmentos de algo que não voltará a ser.

nos agarramos em algo, seguramos nos braços de alguém, tentando não afundar na dor.

resistir é nosso único pensamento.

até ela ser tudo. 

até não conseguirmos mais dizer o que é eu e o que é ela.

e nosso pai ainda está no sofá, e toda vez que passamos por ele, é o mesmo comentário, mescla entre roupa e corpo.

começou como uma piada, depois suavizava.

até nos afetar.

gorda, inútil, vergonha da família, o que você vai fazer da vida? eu te sustento, ein?

mas na frente dos amigos ele nos ama, ele nos abraça e diz que somos perfeitas.

mas ele não acha isso, certo?

nosso pai entregou duzentos reais na nossa mão, e o que faremos com isso? comer? pagar contas? comprar?

ele diz que sustenta, mas não pagou a luz, mas não comprou nosso remédio, mas a psicóloga não quer mais nos atender por falta de pagamento, e continuamos tentando.

resistir.

a dor já não é mais um membro invisível, ela já é tudo. nossos cabelos, nossa pele, nossos órgãos, ela consumiu tudo.

e paramos de viver.

juramos melhorar, juramos seguir em frente.

trabalho, séries, amigos.

mas estamos vivendo?

nós ajudamos todo mundo, sorrimos, estamos bem.

mas quem está nos ajudando?

ajude-nos.

queremos a atenção dele, o amor dele, precisamos do abraço dele.

e ele está lá no sofá, agindo como se o nosso mundo não estivesse queimando. 

eu e minha depressão nunca fomos diferentes, somos nós.

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⏰ Última atualização: Jan 21, 2018 ⏰

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