EXPERIMENTO - Medusa (parte I)

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Uma pancada forte na nuca o levou ao chão. O corpo fora arrastado desmazeladamente como um boneco de pano por uns vinte e cinco metros, após ser retirado do carro. O piso rústico, mal cimentado, esfarrapou o lado direito de sua face e seus braços descobertos.

A porta de ferro se fechou. Os dois monstrengos amarraram seus braços e pernas, e o vendaram. A tira de tecido amarelado que cobria seus olhos pigmentava-se com gotículas escarlates.

A sala era fria e mal iluminada. Havia apenas uma mesa gasta de madeira, com os pés meio corroídos, provavelmente por ratos. Um terceiro homem, bem vestido e pouco mais franzino, entrou na sala, deixando bater a porta atrás de si de forma a ecoar por todo corredor.

A comunicação entre os três era realizada apenas telepaticamente. Para a transmissão de pensamentos, os olhos deveriam manter contato fixo ininterruptamente. Um dos resultados esperados da "Medusa", uma das drogas novas que, apesar de funcional em seu indispensável intento, resultava em dependência quimicossensorial permanente, além de trazer consigo outro imprevisível estorvo. Com a frequência de uso, a capacidade de comunicação verbal se degenerava, deixando seus usuários à mercê de seu uso constante. Enquanto uma nova fórmula não surgia para corrigir esse pequeno e inconveniente efeito colateral, a substância química era utilizada de forma mais cautelosa possível, por aqueles que alcançavam um nível mínimo de autocontrole.

Atendendo a um sinal, o gigante com uma imensa cobra de metal enrolada em seu braço esquerdo, tatuada das pontas dos dedos ao ombro, se moveu. Agarrou o balde depositado junto ao pé da mesa deteriorada, que transbordava água gélida, enquanto aguardava ansiosamente o momento de servir ao seu momentâneo propósito, e o derramou sadicamente no homem caído, que acordou atordoado e chacoalhando os músculos involuntariamente.

O terceiro homem, de roupa cara, cabelo bem penteado e meio comprido, para esconder o uso do amplificador auditivo, saudou ironicamente o convidado encharcado, com sua fala fanhosa embaralhada. Algumas palavras já não compunham o repertório de seu vocabulário verbal, tornando mais árdua a tarefa de compreendê-lo vendado, molhado, sangrando e com frio. Embora conhecesse o dono da voz.

A venda era apenas precaução, uma tentativa de impedir a possível comunicação mental. Já não havia como quantificar o número de pessoas com aquela substância no organismo, apenas sabia-se que a demanda de óculos escuros crescera inexplicavelmente naquele país, que era coberto por neve a maior parte do ano.

Como já esperava, era o momento da escolha: tomar uma das três possíveis substâncias oferecidas, antes de ser lançado de volta à sua rotina ordinária.

Entre atropelos linguísticos e embolares de língua, ouviu atentamente suas opções. Optou pela segunda. Seus efeitos e defeitos eram desconhecidos. Esse era o propósito do teste. O rastreador subcutâneo instalado voluntariamente há algum tempo era a evidência de sua indefinida servidão.

O franzino (com 1,87m de altura) olhou fixamente para os dois homens, que acenaram com a cabeça e saíram da sala, deixando a porta aberta. Voltaram minutos depois, carregando algo semelhante a uma barra de sabão de cor violeta, com 50x30cm e 10cm de espessura, uma bacia de vidro quadrada esterilizada e cheia de água, um copo de vidro e uma faca, também cuidadosamente higienizados.

Uma pequena lasca foi removida, desfigurando o símbolo que antes se encontrava perfeitamente esculpido na barra, e jogada na água até ser completamente dissolvida. O líquido arroxeado foi derramado no copo e enfiado goela abaixo do convidado ferido.

Ao sentir o último gole, aguardou a dor da pancada.

ANDROVILIWhere stories live. Discover now