O fogo crepitava enquanto os jovens reunidos ao redor assavam marshmallows, um dos celulares estava conectado via bluetooth a uma pequena caixa de som que reproduzia um rock alto. Eram quatro ao todo, reuniam-se constantemente fazia alguns anos. Amanda – responsável por reunir todos ali, tentava encontrar um sentido para a vida. Sempre se pegava pensando o que faria depois de terminar o colegial, seis meses a separavam dessa decisão.
Caio, Vanessa e Eric não compartilhavam da mesma preocupação. Caio era um esportista e se envolvia com todas as atividades relacionadas a isto na escola, Vanessa tinha uma banda de rock e sonhava em ser cantora e Eric desejava ser policial.
Vale do Sussurro não era uma cidade muito grande. Eles sempre tiveram um apreço especial pela floresta, os encontros alternavam entre isto e o famoso Bar Café Expresso 23 – que possuía este nome por servir café grátis às 23h todos os dias.
Todos riam e cantavam, brandindo seus doces torrados como bandeiras ao vento, quando um clarão no céu anunciou que teriam que mudar de plano.
— É sério isso? — Perguntou Caio, abrindo os braços enquanto questionava as nuvens.
— Uma chuvinha não será problema, podemos ficar mais um pouco. — Sorriu Vanessa, que já havia ingerido algumas latas de cerveja.
— Acho melhor irmos pro café — comentou Amanda esfregando o braço.
— Além do mais, isso foi muito caro e não é aprova d'água — disse Eric enquanto enfiava o amplificador dentro do casaco.
A labareda inclinou-se com o vento, por pouco não se extinguiu. Amanda se levantou, incomodada com algo que não soube dizer o que era. Pensara ter visto alguém transitando entre as árvores.
— Gente, vocês viram aquilo? — Apontou para a direção que achava ser a correta.
Todos olharam, mas Vanessa interrompeu o suspense.
— Eu que bebo e você que vê coisas? Algo errado não está certo! — Brincou.
— Não se preocupe eu vou dar uma olhada — disse Eric, segurando uma lanterna.
— Eu vou com você, cara — completou Caio.
— Não, Caio. Melhor ficar aqui com as meninas — retrucou se afastando.
— Nossa, vocês estão tão estranhos — acrescentou Vanessa enquanto tentava se levantar.
— Vamos indo para o carro? — Sugeriu Amanda enquanto ajudava a amiga.
O céu clareou mais uma vez acompanhado por uma corrente de raios.
Amanda retesou todos os músculos, de olhos fechados torcia para que nenhum raio os atingisse. Já era hora de Eric estar de volta, a sensação de que algo dera errado só aumentava o desespero.
— Caio, vai lá ver. Já era pro Eric estar de volta — preocupou-se Amanda.
— Ele não é mesmo de fazer brincadeiras, se fosse eu pensaria em alguma forma de assustá-las ainda mais. — Sorriu tentando não transparecer sua preocupação. — Vão andando pro carro que eu vou até lá buscá-lo.
Caio não tinha o costume de temer as coisas, era conhecido por ser corajoso e proteger os amigos, havia se metido em uma série de brigas por conta disto – na verdade arrumava um pretexto para socar a cara de alguém.
À medida que avançava floresta adentro sentiu que não deveria estar ali, os pelos se arrepiaram acompanhados de um frio na espinha. Engoliu em seco no momento em que avistou a lanterna de Eric jogada no chão. A luz mal projetada criava um cone em uma das árvores, não havia indícios de um corpo.
— ERIC! — Gritou por cima da chuva que se iniciava. — ERIC!
— Não se preocupe, eu jamais deixaria o seu amigo sozinho. — Sentiu um hálito doce sussurrar em seu ouvido de maneira sombria.
A voz parecia estar se divertindo com aquilo tudo.
Sentiu quando algo perfurou seu pescoço, mas não era doloroso, sentia cada parte do corpo formigando de prazer. Era quente e frio ao mesmo tempo, queria cada vez mais, embora a força estivesse esvaindo do corpo. Os joelhos cederam sem que ele pudesse enxergar o seu algoz. As mãos repousaram sobre o rosto de maneira delicada e então com um estalo o mundo desligou.
Encharcadas dos pés à cabeça Amanda e Vanessa apressavam o passo. Um trovão estalou nos céus no mesmo momento em que algo duro acertou Amanda na lateral da cabeça. A dor provocou um choque fazendo com que perdesse os sentidos.
Com a vista embaçada, notou a forma feminina que se aproximava. Sentiu quando ela se abaixou e mordeu seu pescoço. Havia uma batalha em sua mente entre o que deveria temer e o que deveria permitir, o prazer era algo inenarrável. Não era algo simplesmente sexual, seu corpo todo gritava desejando mais daquela sensação, a nuca arrepiava suplantando a dor da pancada. Por um momento nem mesmo recordou-se onde estava, era tão somente o prazer dos caninos a lhe perfurarem a carne.
Em seu último suspiro lembrou do aroma das rosas, embora elas não crescessem naquela região.
Acordou no meio da chuva como se alguém houvesse lhe privado o ar por toda a existência, estranhamente sua última lembrança era a de estar com seus amigos. Acompanhando esta confusão emergia uma fome voraz, as mãos tremiam e a sede aumentava. Algo queimou dentro dela, arrancando urros de dor. Sem entender, foi ao chão, contorcendo-se de um lado para o outro. Era como ter o corpo ralado por uma lixa e depois ser mergulhado em um tanque de álcool, não parecia real.
Ainda trêmula, avistou o corpo de Vanessa caído a poucos metros, os olhos vidrados contemplando o nada. Arrastou-se até ela usando toda a força que tinha. O cheiro do sangue chegou à sua cavidade nasal antes de qualquer outro: ela não pensou, apenas afundou os caninos recém-adquiridos na carne macia daquela que um dia fora sua amiga. Sorveu todo o sangue que podia. Nada no mundo possuía um gosto tão saboroso, não precisava sair em busca da sensação para saber, seu corpo sabia.
Ele sempre saberia.
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Sob o Manto da Noite (Degustação)
VampireUma inocente, perseguida por um crime que não cometeu. Intrigas políticas manchadas de sangue marcam o período mais conturbado entre as Côrtes. Amanda, uma jovem que só queria curtir uma noite tranquila entre amigos, perde seu direito de escolha no...