3/3: estrelas são ordinárias

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Quando meu coração pulsava em inocência e sanidade, costumava brincar no meio daquela mata com meus pais e irmãos. Gostava de catar galhos compridos como um cetro, fazendo-me de todo poderoso rei da selva mesmo sabendo que nunca seria um leão. Mas acontece que, na minha  cabeça, domava a vida selvagem, tinha controle de tudo. Lee Taeyong, o Rei da Selva.

Mas a floresta parecia tão morta e triste naquela noite que talvez leões quisessem abortar de seus tronos.

Caminhei em passos silenciosos com os fones nos ouvidos, mãos no bolso e coração pulando percentualmente mais rápido ㅡ não gostava de matemática ou qualquer coisa que se referia à escola, mas apreciava comparações do tipo, porque pareciam mínimas e, quanto menor a diferença, melhor.

Quando parei de caminhar, visualizei as árvores e o lago, o mesmo onde brincava com meus pais e irmãos, o lugar onde fazia minha selva, minha posse. Parecia tão divertido para um menino de doze anos, mas agora penso na crueldade selvagem, em cadeias alimentares: parece tudo tão despropositado, afinal.

Os bancos de madeira ainda estavam lá, as lixeiras encostadas perfeitamente ao lado, cheias. A floresta era bastante frequentada, apesar dos raros casos de desaparecimento. Mesmo que nunca presenciara a violência de um rapto, parecia ter me acontecido de pior ou igual modo. Como se tivesse entregado minha alma à crueldade da floresta e deixado que um Taeyong cheio de palavras se perdesse entre os galhos. Sinto-me falho, um sujo altruísta, porque poderia ter evitado, Afinal, eu era o Rei da Selva, certo?

Caminhei em direção a um dos bancos vazios. Ergui minhas sobrancelhas em surpresa, perguntando-me sobre o significado fútil daquilo tudo, ainda que por pouco tempo.

Na beira do banco havia um par de sapatos ajeitados um ao lado do outro perfeitamente. Eu sabia, e então meu coração acelerou. Lembro-me de querer acertar minha própria cabeça, refazer o trajeto, procurar melhor cadarços vermelho vivos, como uma premonição. E sei que deveria ter sido. Eu deveria ter tomado o coração nas mãos, chacoalhado para que trabalhasse direito, batendo com mais força, significando desde o primeiro avistamento.

Retirei as mãos do bolso e peguei um dos sapatos pelo cadarço, o par direito. Olhei ao redor, procurando a garota, mas não enxergava, e nem era por conta da escuridão. Se assim fosse, talvez tivesse medo do desconhecido, o pouco que falta para que ele me engolisse. Movi minha cabeça de um lado para o outro, procurando uma resposta, um pedido de socorro, uma conversa profunda ou dois curativos coloridos.

Nada.

Analisei o sapato com curiosidade, virando a sola para cima, sem saber exatamente o que procurava. Simplesmente queria achar algum vestígio do que aquilo tudo significava, embora meu coração já soubesse.

De repente, um pedaço pequeno de papel caiu de dentro do par direito, voando no ar um pouco antes que eu pegasse. Desdobrei-o cuidadosamente, continuando a procurar a garota com os olhos pela floresta ao meu redor. Perguntava-me se ela resolvera correr pela mata descalça, como uma forma de desestressar dos atuais problemas em sua vida ou se resolvera os largar ali simplesmente por um motivo desconhecido.

Desdobrando-o, ali havia uma citação:

"Para nós, que compreendemos o significado da vida, os números não têm tanta importância".
Pequeno Príncipe

Embora os pelos da minha nuca tivessem se arrepiado, não entendi de primeiro momento. Apenas o sentimento paralisante tomando forma nos pensamentos de monotonia, substituindo-os pela ansiedade crescente. Não era pra ser assim, e eu sabia.

Não hesitei em pegar o outro sapato, tremendo dos pés à cabeça. E só de pensar que tudo por conta de uma maldita música, fazia meu coração pesar não apenas de encontro ao centro da terra, mas em direção ao céu; em todas as direções possíveis, desafiando as leias da física.

Havia um papel no par esquerdo. Ah, merda, mas é claro que havia.

"Hoje eu vim em segredo para um lugar rodeado de árvores e a comtemplei belas estrelas. 148 no total. Parece-me importante."

Caindo de joelhos, permiti que essa sensação desesperadora deslizasse sob a raiva e a irritabilidade. Lágrimas solitárias e silenciosas escorrendo pelo rosto, pintando uma tristeza profunda, em camadas. Deixei que o egoísmo dissolvesse minha alma, permiti um altruísmo humano, renunciei o dever. Eu não sabia. Eu poderia ter feito algo.

Poderia.

Palavras nunca me pareceram importante, engavetadas no fundo da mente, distensionadas. E, pelo profundo escárnio de saber que algumas delas poderiam ter salvado um passado pra lá de pretérito, eu a ouviria pelo resto da noite, seja o banal, seja o intrínseco, do rude ao delicado.

Sei que nunca saberei as razões pelais quais a amargura a levou ao fundo do lago, ou à beira da árvore mais alta da floresta.

Mas, talvez, as palavras importassem, afinal.

Não em quantidade, somente o dizer.

Para nós, que compreendemos o significado da vida, os números não têm tanta importância.

Eu eu não sei se entendo completamente o significado da vida.

Mas ela contou estrelas.

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ㅡ sapatos que escondiam 148 estrelas. rv + nct | seulyongOnde histórias criam vida. Descubra agora