A HISTÓRIA DO MACIEL - Última Parte

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Eu começava a sentir uma pontada no peito. Levei minha mão fechada para bem próximo e apertei bem os olhos. Soltei o ar preso e continuei, enquanto disfarçava a dor e o cansaço; não queria preocupar meu amigo:

– Você, com certeza, já gosta de Adriel e Natiel também. Natiel parece não fazer ideia do que está acontecendo, não sei nem se contaram a ele, mas Adriel está muito preocupado e triste. Nosso pai precisou leva-lo a força daqui. Eu não queria causar dor a ninguém, mas você logo vai aprender que não podemos fazer tudo o que queremos, mas há algo melhor do que isso, podemos querer tudo o que fazemos.

"Além do futebol, eu gosto de música, mas acho que não levo muito jeito. Minhas mãos não são tão coordenadas como meus pés... Ainda assim, faço um bom barulho com a bateria e, principalmente, com as panelas de casa. Dona Verônica enlouquece só de pensar".

"Apesar de incentivado, nunca pensei em fazer coisas tão grandes. Sempre fiz o que quis fazer e gosto de todas as matérias da escola, com exceção de pintura, afinal, como já disse, não sou muito coordenado com as mãos. Quero que você seja assim também! Faça o que quer fazer. Sei que, as vezes, fazer o necessário é necessário, mas procure ser feliz com o que quer que você faça".

"Acho que não conseguirei ter mais tempo para conversarmos. Queria te ensinar a jogar futebol, afinal, estamos com uma zaga terrível. Te ensinaria alguns macetes para ganhar no Tekken e zerar no fliperama. Conversaríamos mais sobre a escola e as meninas, sobre os nossos colegas e amigos, sobre os nossos irmãos e o que temos que fazer uns pelos outros. Ah, sim, isso é importante também; eles não são tão ruins".

"Adriel me encobriu algumas vezes quando passei da hora de voltar para casa, e Natiel nunca me dedurou quando eu esquecia de espera-lo para ir e voltar da escola. Você deve estar curioso para saber o que eu tanto faço, a ponto de esquecer dos meus próprios irmãos. Enfim, quando você tiver a minha idade, embora você ainda vá ser mais novo do que eu, com certeza me entenderá. Além disso, eles até me ajudam a fazer textos para os debates e a comer picolés, pois eu guardo os palitos para as aulas de artesanato".

Olhei, mais uma vez, para a janela.

Eu havia acabado de voltar do jardim, um pedido meu para o médico, e, achei estranho ele ceder. Na verdade, todos estavam estranhos, pareciam compadecidos ao me olhar, tristes até. Bem, não era tão estranho assim, afinal, eu sentia que a noite logo chegaria. Eu estava com uma injeção na veia, com um líquido num suporte... Como eu odiava aquilo! Eu também estava em uma cadeira de rodas. Devia estar mais abatido do que mais cedo, mas já não me importava. Afastei um pouco o suporte com o medicamento, segurei nos braços da cadeira e me esforcei para ficar de pé. Era incrível como, em tão pouco tempo, eu me sentia tão fraco!

Hoje de manhã eu estava com um leve aperto no peito, que me impedia de respirar profundamente. Mas, não dei atenção, achei que logo passaria. Não falei nada para ninguém, senão não me deixariam jogar; eu também não queria causar preocupações... De qualquer maneira, mal comecei a jogar e tive que parar. A dor no peito aumentou e, logo, um mal-estar tomou conta de mim e não vi mais nada. Assim foi até pouco tempo atrás, quando me acordaram...

Com muito esforço me levantei, mas não consegui firmar os joelhos. Também estava tonto, então precisei segurar no suporte de medicamento. Sentir o chão, estando ainda com os pés descalços, estava muito estranho. Ele estava gelado e, não sei bem, senti formigar os pés; não parecia o mesmo chão que eu conheço a tanto tempo... Ele parecia estar me rejeitando e eu sentia que podia cair a qualquer momento.

Contemplei o quarto que estava com vários bilhetes e presentes, alguns para bebê, e as mensagens de felicitações e de boa recuperação. Como as notícias voam nesta cidade!

Com mais esforço me estiquei para pegar um sapatinho de lã azul. Foi apenas um passo que eu dei e quase caí; sorte eu ainda ser forte. Respirei fundo e me aproximei do meu amigo, segurando no suporte, mas logo o deixei. Analisei o sapatinho e lhe apontei, ficando meio curvado, amparado pela cama. Lhe disse, sussurrando:

– Foi dona Verônica quem fez. Foi meu, depois do Adriel, depois foi do Natiel, e agora será seu.

Ele se mexeu de novo!

– Cuide de tudo, pois eu acho que vou me ausentar por um tempo... Fale para a Monique para não se preocupar comigo, pois eu ficarei bem, afinal, eu sei me virar em qualquer lugar. Diga ao Adriel que ele sempre será o meu irmão favorito, mas não precisa ficar com ciúme, nem você, nem o Natiel. Vocês também são meus favoritos, mas ele é a mais tempo. Diga para o Natiel tomar cuidado com o que faz e se concentrar mais, esquecer onde coloca o botão do fogão pode ser perigoso. E quanto a você, já disse tudo o que eu queria e tenho certeza que você me entendeu, afinal, você é inteligente como todos nós somos. Quero que você seja feliz e ajude a cuidar de todos por mim... por nós. Sabe, eu escolhi o seu nome, mas não sei se te chamarão assim...

Senti que a visão estava escurecendo de novo e uma corrente elétrica parecia correr pelo meu corpo. Uma queimação forte no estômago estava para me tomar e me golpeou forte. Inclinei-me para a cadeira, mas caí de joelhos, antes que pudesse dar um passo. Fiquei ali, ajoelhado, diante e apoiado no meu novo amigo. Ainda pude perceber uma movimentação e algumas vozes, mas eu estava com os olhos e ouvidos bem fechados. Com certeza dona Verônica acordara e, talvez, desse a luz naquele mesmo dia. Será uma pena não poder ver isso, mas o tempo que eu tive com você foi demais! Obrigado por me ouvir Daniel – meu amigo, meu irmão.

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O que podemos aprender com a vida? Como podemos aproveitá-la melhor? Como superar as perdas e administrar os ganhos?

Até breve queridos! ;)


[EXTRAS] E ASSIM TEM SIDO... - Trilogia dos Irmãos AmâncioOnde histórias criam vida. Descubra agora