Parte 1

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E aqui estava eu neste lugar. Um prédio antigo com dois andares mas muito bem localizado. Ouvi dizer que o Dr. Jorge Camargo tem um talento admirável e por isso o dizem ser o melhor e mais conhecido psicólogo da cidade. Essa era, de fato, a primeira vez que eu frequentava seu consultório, porém, fazia uns quatro ou cinco meses que eu comecei a ter sonhos estranhos e era o motivo pelo qual estava aqui.

Nesses sonhos, sempre aparece uma criança, a mesma criança em todos eles, sem o rosto visível. Ela não fala absolutamente nada, o que é óbvio levando em conta a ausência de uma boca, mas provoca alguns ruídos estranhos parecendo risadas; apenas corre descontrolavelmente. Eu tento segui-la, mas ela se esconde e então, eu acordo.

— É sempre assim... eu não sei explicar o porquê de isso estar acontecendo, mas eu receio que esteja se tornando algo fora do normal! — Descrevi para o doutor Camargo.

— Acalme-se, senhor Simons, não se precipite tanto. Eu lhe garanto que pensar dessa forma não é a solução que você procura. O nosso trabalho aqui, o meu trabalho com você melhor dizendo, é guiá-lo para que obtenha as respostas acerca do seu problema, só assim poderei ajudá-lo. No entanto, eu preciso que você se concentre nos fatos... você falou que esses sonhos duram pouco tempo, mas é o necessário para que essa criança apareça e faça o que faz todas as vezes, sem nenhum motivo aparentemente.

— Sim, é exatamente isso.

— Ótimo. Então, você poderia me dizer como é estar nesses sonhos? O que você sente, como é o ambiente, descreva-o para mim em detalhes... — Ele pegou um caderno de anotações em cima de uma mesinha com uma jarra de água e algumas taças; a caneta de aparência antiga estava prestes a entrar em contato com a página em branco.

— Eu... eu sempre estou na minha casa, mas ao mesmo tempo é como se eu estivesse em outro lugar; tudo parece igual e tudo parece irreconhecível, e então eu me sinto perdido como em um labirinto no meu próprio inconsciente... parece fazer sentido? O que sua opinião de profissional diz? Certamente que eu estou ficando maluco! Na verdade, isso está me deixando louco! — Minha euforia era sem dúvidas um sinal de desespero, mesmo que não indicasse.

— São apenas sonhos... — Ele levantou-se, encheu uma taça com água e me ofereceu. Ao pegar, nossos dedos se tocaram e isso o fez mudar de expressão. Agora, ele me encarava com um certo interesse, eu diria. Bebi toda a água, me tranquilizando. — Não há mais nada que queira me contar? — Não entendi sua pergunta. Seu olhar estava fixado em mim e seu comportamento que há pouco fora de uma forma, não era mais. Existia uma frieza em suas últimas palavras.

— Não... isso é tudo. — Falei desconfiado. Eu não estava me sentindo bem. Um frio estranho me invadiu de repente, senti como se estivesse na presença da própria morte ou sei lá o quê.

— Você está bem? — Indagou, dando voltas ao redor de mim. Isso me intimidava.

— Sim... eu estou bem. — Menti. — Mas... — Olhei a hora no meu relógio de pulso para disfarçar. — Eu preciso ir agora.

— Mas nós ainda não terminamos. — Eu o encarei sem falar nada. — Tudo bem. — Ele ficou me analisando novamente por um tempo. Isso me causou calafrios. Logo depois pareceu sair do seu "transe". — Eu quero que você volte outras vezes para podermos conversar mais. Em breve, perceberá o seu progresso com a terapia.

— Eu voltarei. — Respondi. — Até mais! — Saí do consultório. Não sei o que me deu dentro daquela sala, mas quando finalmente eu estava respirando o ar das ruas, a sensação simplesmente desapareceu. Era difícil pensar em qualquer coisa que explicasse o que aconteceu. Talvez eu acabei por descobrir que não gosto de ficar na presença de psicólogos, vai saber.

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