Capítulo 1

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O ônibus seguia pela estrada de terra, naquela manhã ensolarada, vencendo com os limites de sua capacidade, cada lance de serra.

A paisagem de vegetação densa e irregular que se seguia em lenta rotina, era o pano de fundo dos pensamentos, por trás daqueles olhares tristes, profundos, perdidos em reflexões e idéias confusas e sombrias.

Jason deixava para trás o único mundo que conhecera. Jason Augusto Santino, Santino como era conhecido pelos raros amigos que fizera até então.

Também pudera, vivendo numa roça remota nos confins da Serra do Cipó, não era comum ver ali gente nova, muito menos fazer novos amigos.

Via passar ao longe, grupos de caminhada em excursões ecológicas, adentrando a serra em inóspitas aventuras. Algumas vezes prestara serviços para alguns daqueles grupos, como guia ou carregador de bagagens.

Seu velho jumento "Capetinha" sofria nestas empreitadas, levando, valentemente serra acima, pesos quase insuportáveis.

Jason pensava que afinal fora feliz ali. Contava agora com 18 anos e vivera naquela roça desde que nascera, só ouvindo falar sobre o mundo lá de fora pelas conversas jogadas fora, nas noites que frequentara com o pai, a venda de seu Joaquim.

Entre copos de cerveja, tira-gosto de carne seca e jogos de sinuca, ouvia desconfiado e incrédulo sobre as coisas que os visitantes da serra contavam.

As cidades gigantes, as estradas lisas e sem fim, o mundão de gente andando prá lá e pra cá, a profusão de carros, a violência, tudo parte de um mundo distante que ele achava que nunca iria conhecer, e para falar a verdade, nem gostaria.

Dois de seus irmãos haviam ido embora, quando ele era ainda criança, em busca de um melhor futuro, e ficaram ele e seus pais para cuidar e viver da pequena roça.

Um dia, no entanto, tudo mudou de repente.

Seu pai fora vitimado por uma queda, num grotão na descida da serra, e morrera, enquanto era transportado para o posto de pronto atendimento mais próximo, que ficava a alguns quilômetros dali.

Ficaram ele e sua mãe, já bem velhinha e agora seu trabalho dobrara. Tinha que cuidar da pequena roça e das necessidades básicas de sua família, como provedor e mantenedor.

Continuou frequentando a escola rural onde aprendia a ler e escrever em aulas de dias alternados. A escola ficava a alguns quilômetros da sua roça, o que o obrigava a sair, ainda escuro de casa e caminhar pelas trilhas e grotões desertos.

Adorava escrever, e já esboçava alguns trabalhos de contos e poesias, em um caderno grosso, de espiral, já bem sujo e molambento.

Sua mãe, desde a morte do marido, vivendo sozinha boa parte do tempo, entrara em depressão e definhava rapidamente.

No outono daquele ano veio a falecer e foi enterrada numa encosta da serra, com a presença de alguns poucos amigos e vizinhos.

Jason já sabia do litígio daquela propriedade, como de muitas outras da serra, com o Estado. O terreno, (seu pai alertara), fora desapropriado pelo governo, que se negava a indenizar seus proprietários e que, quando ele e sua mãe morressem, Jason não mais teria direito a nada, mesmo tendo vivido ali toda sua vida.

Alguns dias depois da morte da mãe, juntou seus parcos recursos, vendeu Capetinha para Mauricio da Pousada Bem Viver, e foi para o ponto de ônibus perto da venda de seu Joaquim.

Carregava no bolso da jaqueta uma carta amarelada de sua tia Maria, única parenta viva de quem ainda tinha alguma informação.

A carta fora postada no posto rural dos correios de uma cidade chamada Santa Rita do Rio Açu, no sul do Estado.

Tia Maria era irmã mais nova do seu pai, a única ainda viva, e Jason esperava com ela, recompor uma nova família.

Só que a carta estava com eles há alguns anos, e não se podia ter certeza sobre a situação atual da tia.

Maria das Dores Santino Carvazi, era seu nome de casada e dizia na carta sobre as maravilhas do local onde morava e da vida boa que o casamento lhe trouxera, convidando seu pai e a família para visitá-la um dia, e passar algum tempo em sua chácara.

Jason estava esperançoso que uma nova chance de vida e prosperidade o esperasse em Santa Rita do Rio Açu.

Chegou à movimentada rodoviária da capital, comprando a passagem para Santa Rita, no primeiro horário.

Não gostou da confusão da cidade grande, e não queria ficar ali muito tempo.

Seguia viagem, para o que pensava ser uma nova oportunidade de vida. O ônibus chegaria ao seu destino tarde da noite, e Jason pensava no que fazer quando chegasse lá.

Estava em duvidas se fizera bem em abandonar a roça por algo desconhecido.

Encontraria sua tia Maria? Se a encontrasse seria bem acolhido? Conseguiria estudar e trabalhar na nova cidade?

Tentou se livrar daqueles pensamentos olhando a paisagem à sua volta. Era muito diferente da que estava acostumado. Estradas lisas e sem fim, carros e mais carros passando e ultrapassando o ônibus, as cidades na beira da estrada, os campos de pastagem planos, tendo ao fundo serras baixas e continuas.



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⏰ Last updated: Feb 11, 2018 ⏰

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