Avada Kedavra

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Ela caminhava pela pequena estrada de terra de Petit Village quilômetros ao norte de Londres. Seu corpo magro e desnutrido era pequeno demais para o roupão, que escondia quase tudo. O capuz, que além de lhe dificultar a identificação protegia das primeiras gotas de chuva que caiam ali, caia até a altura da franja. As folhas secas eram atiradas contra o rosto pelo vento frio vindo nórdico, aquele cheiro de mato úmido que ela conhecia bem.

Ela ouvira muitos boatos a respeito do que estava acontecendo ao Sul. A igreja trouxa matara muitos na fogueira, vários até sem registro mágico. Trouxas matando bruxos, trouxas matando trouxas. Todos falavam nisto... os boatos eram muitos...

Não era isto que a preocupava tanto, não mais do que a solidão e o anonimato de ser a última de sua linhagem. Sua família não mágica não teve a mesma sorte ao tentar deixar a capital três anos antes. Quiseram protege-la, mas foram delatados a troco de um prêmio em ouro, muito antes que o ministério pudesse contatá-la.

Ela sobreviveu... fugiu...

Ela sempre fugia...

Tudo a sua volta era silencioso e mórbido. Tateou com os dedos até tocar a varinha por dentro da roupa. Estava ali... ela sentia com a ponta dos dedos. Podia ser necessário utilizá-la a qualquer momento, ela sabia, eles podiam estar em qualquer lugar: os silenciadores de bruxos.

Em algum ponto da trajetória as casas já não eram visíveis, ela era só mais uma garota indo a caminho da floresta, uma sacola de compras na mão que pendia em direção ao chão. Suprimentos. Fazer magia era arriscado demais, eram dias tenebrosos mesmo para um animago.

Calculou se dali algum dos idosos poderia alcança-la com a visão: A garota que morava com a avó na floresta. Uma ilusão que reforçava diariamente quando ia ao centrinho, ela era só, nada ali era real a não ser ela. Se bem que... fraude... ela se sentia uma verdadeira fraude.

Hogwarts...

Ela sabia que havia uma outra criança bruxa no pequeno vilarejo. Duas vezes ela percebeu o garoto desengonçado fazendo alguma mágica. Era filho de uma tradicional família de bruxos, os Morgan. Ela os temia. Estava apavorada com a ideia de que soubessem que era bruxa, tinha medo de ser delatada. As pessoas faziam isto umas com as outras pra se proteger... entregavam umas às outras...

Seu pai fora um grande médico de guerra, e a mãe uma professora de Francês formidável. Ambos trouxas. Ambos religiosos demais para conceber que a filha fosse uma coisa ruim...

— Você é uma benção, querida! – A mãe lhe confessou um dia. Mas foi bem clara sobre ela não poder falar isto com ninguém.

Anos depois ela morreria em nome da própria fé. A mãe e o pai se declararam bruxos quando o eclesiástico local soube de traços mágicos em sua família... ela havia se descuidado... ela havia deixado alguém da vizinhança ver o que podia fazer. Ela custou a vida dos próprios pais, mortos na fogueira para que pudesse partir.

Fugir...

Ela sempre fugia...

Hogwarts...

Ela ouvira certa vez... Hogwarts... Kevin Morgan havia recebido uma carta. Ele fora convidado na semana passada. O pai e a mãe estavam orgulhosos. Ela ouvira tudo, todos eles, bruxos. Ela vira pela janela, empertigada como uma doninha selvagem enquanto assistia o menino, feliz, comemorando aquilo. Os pais... os presentes...

Henry Morgan se deteve tempo demais a observando. Ela temeu, suas penas congelaram e os olhos pareceram invadidos, sondados. Voou para longe como uma doninha qualquer faria.

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