Eu me rendo

Capítulo Único

Tem misericórdia de mim, ó Deus, segundo a tua benignidade; apaga as minhas transgressões, segundo a multidão das tuas misericórdias.

Lava-me completamente da minha iniquidade, e purifica-me do meu pecado.

Porque eu conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim.

Salmos 51:1-3

   Andei por caminhos tortuosos, por tantos anos, que a escuridão aos poucos foi invadindo todos os cantos de meu corpo, manchando a mim e minhas vestes, com as cores das transgressões que cometi.

   O mundo pode parecer um lugar maravilhoso, quando se está observando de longe, mas lá dentro, caminhando ao lado da própria maldade, percebe-se que tudo o que ele oferece não passa de uma grande ilusão.

   Convites tentadores. Luxúria, gula, ganância, era para essas três coisas que todas as oportunidades apontavam.

   Caí dentro de um poço escuro e frio, antes de me dar conta de que já estava bem longe de casa e dos braços protetores de meu Pai.

   A dor que me assolava, é indescritível, tampouco posso falar sobre as noites de agonia, em busca de algo que me fizesse sentir que ainda fazia parte deste plano. Meu espírito estava morto, e me encontrava prestes a sucumbir materialmente também.

   Mas sua misericórdia e seu amor incondicional me alcançaram, quando a luz já tinha sido engolida pelas trevas e tudo que me restava era esperar o momento de partir.

   Encolhida, no fundo daquele lugar escuro, prestes a entregar meu corpo ao pó da terra que ele foi formado, uma chama em meu peito se acendeu.

   Em questão de segundos eu pude sentir meu coração arder como se estivesse em chamas, e então eu me dei conta do que estava acontecendo.

   Ele estava ali. Em algum lugar, perto de mim.

   Senti-lo novamente me fez cair de joelhos. Eu não conseguiria erguer meus olhos em sua presença nem se quisesse. Lágrimas escaparam violentamente de meus olhos, jorrando todo o arrependimento que me consumia.

   Eu estava tão feliz e ao mesmo tempo tão envergonhada.

   Seus pés surgiram em meu campo de visão e Ele estendeu-me uma de suas mãos, não parecia enojado com minhas vestes sujas, e ajudou-me a levantar. Envolveu meu corpo pequeno em um abraço acolhedor e secando meu rosto falou:

   ― Minha filha, há quanto tempo? Por onde andou, para manchar-se de tal forma?

   O pranto voltou e não consegui responder, estava tão triste por ter partido, por tê-lo deixado.

   Ele me conhecia tão bem que imediatamente percebeu que eu não tinha forças para dizer qualquer coisa.

   ― Não precisa responder minha filha. Conheço os caminhos que tomou, e as decisões que fez longe de minha presença, mas saiba que ainda te amo, talvez ainda mais do que antes. Podes voltar para casa se quiser, pode se juntar ao rebanho novamente, eu sou a porta, só precisa atravessar. Diga que aceita, que se arrepende e então poderemos ir para casa.

   ― Eu quero voltar Senhor, eu quero voltar para casa, mas tu sabes que não sou capaz de caminhar, sabes que não conseguirei acompanhar a marcha de meus irmãos. Eu não sei se consigo fazer isso. ― respondi ainda envolvida por seus braços, entre soluços insistentes.

   ― Vou te ajudar. Não te preocupes. Carregar-te-ei em meus braços se preciso for e te cobrirei com minhas asas se necessário. Eu sou o teu pastor e nada deixarei te faltar.

   A cada palavra doce que sua boca santa proferia, o peso em minhas costas diminuía.

   ― Então eu aceito, meu Pai. ― me rendi. Não era capaz de viver mais um dia longe dEle. Sabia que sua promessa era verdadeira, que céus e terras poderiam se passar, mas sua palavra continuaria firme como um monte.

   ― Chega de chorar agora, já são passados os dias de dor.

   E dizendo isso, sua imagem se esvaiu, deixando-me a só com um coração novo, que de tanto amor transbordava felicidade, felicidade em ter uma nova chance.

   Não havia palavras capazes de expressar a gratidão que eu sentia ou os sentimentos que me inundavam.

   Eu o amava, disso tinha certeza, e isso era e ainda é o suficiente.