Tarde monótona, silêncio de cidade fantasma. Quadro assim não era nenhuma novidade no seu bairro, refletiu o jovem estudante, enquanto caminhava, distraído, pela calçada. Todos os dias eram iguais aos outros: ruas desertas, pessoas enfurnadas dentro de suas casas, um ou dois carros circulando, ocasionalmente, pela via principal, apenas para informar a quem passasse que no lugar existia civilização.
Contudo, havia um toque de excepcional na monotonia rotineira. O cenário todo parecia mais aprimorado. Vento não existia, a atmosfera estava morna e abafada. O silêncio era sepulcral. Até o sol parecia ter desistido do lugar, preguiçoso por trás de uma camada de nuvens cinzentas. O dia estava estranhamente sonolento, mesmo para os padrões do local.
O jovem deu uma olhada em volta e viu que era a única pessoa na rua. O panorama modorrento que o cercava era desanimador. Já ouvira dizer que tudo sempre piora muito antes de melhorar, que a noite é mais escura pouco antes do amanhecer. A letargia do seu bairro nunca estivera tão acentuada como naquela tarde; se o que ouvira era mesmo verdade, então que tipo de evento radioso estaria por vir junto com o entardecer?
Essas divagações o acompanharam até o seu destino ─ a padaria que ficava na esquina de sua casa. Uma vez no local, deixou as ponderações em segundo plano para se concentrar na sua tarefa.
Ele foi recebido pelas duas atendentes habituais. Os rostos enfadados esboçaram débeis sorrisos à sua chegada, articulando cumprimentos e puxando um assunto passageiro, ao mesmo tempo em que elas o atendiam. Ele teve de reconhecer o esforço que as duas fizeram para atender-lhe com a mesma simpatia com a qual teriam atendido o primeiro cliente do dia. Essa diligência, ponderou o estudante, devia ser fruto da relação de afinidade construída pelo contato vespertino, na padaria, e pela convivência diária, na vizinhança. Havia algo de especial no relacionamento entre os moradores de um bairro pequeno. A rotina semelhante e o convívio uterino geravam um senso de humanidade e de acolhimento entre as pessoas. Mais do que civilidade, era uma disposição sincera para a cooperação, uma gentileza autêntica. Devia justificava-se nessa ligação a disposição das duas mulheres, que moravam apenas a um quarteirão de sua casa, para sorrir-lhe e puxar conversa, ainda que sufocadas pelas tribulações de um longo dia de trabalho.
Ele recebeu o seu pedido e, em meio a uma última troca de brincadeiras, pagou o que devia. No momento que se seguiu, algo novo, inesperado, tomou forma; a mesmice de todas as tarde se rompeu. Ele dava meia-volta para ir embora quando viu, entrando na padaria, uma moça que não deveria ter os seus quinze anos completos.
Se houvesse um dia, em seus devaneios juvenis, idealizado a mais bonita adolescente do mundo, com traços de uma graciosidade etérea delineados em seu semblante, com um intenso, cândido e agradável sorriso, com a glória dos anjos no olhar, com todas as dádivas divinas nela como um todo, ainda assim teria chegado a uma idealização de beleza inferior a dessa moça.
Ela estava acompanhada de algumas amigas, mas ele quase não podia registrar a presença das outras garotas. Estava paralisado na figura dela, o último passo para fora da padaria interrompido no meio do caminho. Sentia-se acometido por uma força descomunal, que suscitava nele um sentimento arrebatador. Era como se um raio de primavera tivesse entrado pela porta do monótono estabelecimento, trazendo sol, claridade, calor e alegria para o mundo, guarnecendo de cores a tarde cinzenta. Seus olhos fitaram com arroubo aquela criatura sublime, que poderia ter acabado de descer dos vastos campos celestes.
Ponderou que deveria falar-lhe, mas uma força desconhecida o emudecia. As palavras haviam fugido do seu conhecimento; de repente, ele não dominava mais a língua. Os ruídos da tarde enfadonha já não existiam, a pressa de voltar para casa e se livrar da tarefa de comprar o pão, também não. Talvez tivesse recomeçado a andar involuntariamente, retomando o seu caminho. Podia também ter parado de respirar. Não saberia dizer. O ar estava em suspensão, as coisas estavam em suspensão, as amigas coadjuvantes e as atendentes entediadas estavam em suspensão, a própria vida estava em suspensão: nada mais se movia, apenas aquele anjo de olhar vigoroso e terno, e o seu coração, que batia violentamente em seu peito.

YOU ARE READING
Atemporal
القصة القصيرةVocê já perdeu o fôlego ou teve os batimentos cardíacos acelerados ao cruzar o olhar com uma pessoa nas calçadas da vida? Não apenas por causa da beleza dessa pessoa, mas por aquele algo a mais que você não sabe o que é, nem pode explicar. Você está...