no dejo de sentir.

1000 segredos.

"Vocês agora são ROUGE."

Gritos e choros de euforia ecoavam pela sala, as meninas se abraçavam e se cumprimentavam. Na minha mente repassava o momento em que fui anunciada uma das integrantes do grupo, a ficha ainda não tinha caído e a minha falta de reação fez as meninas rirem de mim.
– Fantine, comemore, você é uma Rouge! –
A voz estupidamente alegre de Luciana me fez cair na real, e mesmo que nossos santos não batessem e ela fosse a última das minhas escolhas como uma colega de grupo, eu a abracei apertado e compartilhei dos gritos estridentes de felicidade. Estava extasiada demais pela alegria para conseguir odia-la naquele momento.

..............................................................

Esse foi o começo da nossa história. Durante meses eu e as outras garotas passamos juntas dançando, cantando, dando entrevistas, viajando pelo Brasil afora. E a cada dia eu perguntava a Deus "porra, tanta gente para estar conosco, porque escolhestes logo ela?". A felicidade exacerbada de Luciana me irritava, ainda mais quando ela tentava forçar uma amizade que só existia na mente dela; procurando por mim em abraços e beijos falsos, assim como sua exigência nas gravações, sua vontade de mandar nas garotas do grupo, enfim... São inúmeras razões pelas quais eu não era muito fã da loira. Passamos por isso durante muito tempo, as discussões, descontentamentos e mágoas acumuladas cresciam a cada dia. Em um dia comum de trabalho, Luciana pediu que todas se reunissem no estúdio e anunciou o inesperado.
– Meninas, eu as reuni aqui para contar a vocês que eu tomei a decisão de deixar o grupo. –
Seus olhos azuis estavam marejados, a tristeza em seu olhar era evidente, mas sua voz era firme e decidida. Nem eu nem as meninas conseguimos esconder o espanto, tudo bem que durante os meses que se passaram Luciana não se demonstrava contente com muitas coisas, mas jamais imaginaríamos que chegaria a esse ponto.
– Como assim, Lu? Porque essa decisão? O que houve?  – A bateria de perguntas veio de Patrícia.
– Vocês sabem que ultimamente eu tenho andado descontente com o meu desempenho em particular, eu não estou dando o meu melhor e acho que isso não é justo com vocês. –
As lágrimas rolavam pelo seu rosto pálido. Por um instante eu passei o olhar pela sala e as reações eram as mesmas; surpresa total. Eu sabia que precisava dizer algo, mas não sabia exatamente o quê, já que mal conseguia entender o que estava acontecendo. Com muito custo consegui formular alguma coisa em meu cérebro. Será que ela está saindo por minha causa? Será que eu peguei pesado com ela? Será que eu posso fazer algo para evitar isso?
– Lu... você sabe, se for algo que possamos mudar entre nós para poder evitar essa decisão, nós faremos. –
– Não podemos mudar os nossos sentimentos, Fantine. – Ela olhou fundo em meus olhos e um arrepio percorreu meu corpo. Eu realmente não entendia o que estava acontecendo, mas acenei em sinal positivo. Se aquela era realmente a sua vontade, não haveria nada que pudesse faze-la voltar atrás.
Momentos depois Luciana me procurou e disse que precisava falar comigo a sós, a acompanhei até a sala de gravações e a vi fechando a porta atrás de mim, olhei ao redor e vi que estávamos a sós. Minha face apresentava um grande ponto de interrogação que ela tratou de logo retirar.
– Fan... Eu te chamei aqui para que eu pudesse te dizer o verdadeiro motivo da minha saída. Durante muito tempo eu escondi esse sentimento, eu me envergonhei e me reprimi. Isso me levou a ser uma pessoa infeliz, no meu trabalho e na minha vida pessoal. Eu poderia simplesmente ir embora mas não seria justo com o meu coração enterrar essa sensação sem ao menos dar uma chance. – Suas mãos tremiam, seu olhar fugia do meu e sua respiração era ofegante. Eu estava começando a ficar preocupada mas não queria deixá-la mais desconfortável do que ela claramente já estava então apenas acenei com a mão para que ela continuasse a falar depois de uma pausa dramática. – É o seguinte, Fantine... eu amo você. Eu tentei esmagar esse sentimento dentro de mim, tentei fingir que a sua existência não me causava arrepios, tentei não me apaixonar pelas suas implicâncias, seu jeito durão, seus olhos... Ah, seus olhos... Eu tentei, Fantine, mas os dias se passaram e o sentimento apenas cresceu dentro de mim. É algo que eu prefiro enterrar do que levar adiante. Afinal, eu namoro, e você é uma... garota. Imagine a loucura que isso seria na minha vida? Ninguém jamais aceitaria. Então eu prefiro desaparecer, prefiro ser apenas parte da sua memória e que você seja apenas parte da minha. Eu não sei como você vai reagir a isso, mas só quero que você saiba que eu te amo. Meu coração sempre vai te amar. Adeus, Fan. – Ela se aproximou e deu um beijo demorado em minha testa, pegou em minhas mãos, olhou no fundo dos meus olhos e sorriu. Depois disso, ela partiu. A última lembrança que deixou foi a do seus olhos marejados me encarando profundamente e o toque suave de suas mãos nas minhas. E o meu coração batendo mais forte do que nunca.
................................................................
Meses se passaram desde a saída da Luciana e algo que pensei que fosse me deixar mais alegre acabou me deixando com uma áurea pesada, um sentimento de solidão. É engraçado como sua presença, que costumava ser tão irritante, me fez uma falta enorme. Até mesmo seus abraços com força excessiva me faziam falta, eu que sempre me perguntei da onde veio tanta força de alguém tão pequeno. Durante todos os dias, antes de dormir, eu me pegava com o pensamento nela, pensava sobre o que ela estaria fazendo, quem seria a companhia dela nas horas de rock n' roll... Passaram-se meses, e ela não saiu do meu pensamento nem mesmo por um dia. Me perguntava se eu não poderia ter feito algo diferente, algo que fizesse ela mudar de ideia, mas afinal... O que eu poderia ter feito? Ela se declarou e foi embora, eu ao menos tive a oportunidade de processar tudo o que ela tinha me dito e poder responde-la devidamente. De repente, alguém que eu nem mesmo gostava se tornou uma saudade apertada, um carinho que doía e um amor impossível.