Todas as vezes...
Paro para pensar em minha vida e me lembro de quando eu era apenas uma criança e ouvia as vozes alteradas dos meus pais, que em quase todas as noites, brigavam como se não houvesse amanhã. Eu não entendia bem o que significava àquela gritaria, mas me sentia triste sempre que presenciava minha mãe chorando. Até que meu pai nos abandonou, e desde então, comecei a admirá-la. As suas lágrimas se transformaram em força, determinação, motivação e principalmente amor, o que foi essencial para a minha criação.
Minha mãe costuma dizer que sentiu desejo de mudar por mim, e eu sou grato a ela por isso.
— Se continuar pensando na morte da bezerra, a comida vai esfriar antes mesmo da primeira garfada – disse ela, me tirando o foco do pensamento. — No que você está pensando?
— Nada demais. – Eu sorri e continuei a jantar. Minha mãe me olhou desconfiada, enquanto guardava os legumes que eu trouxe do hortifrúti.
— Tudo bem. – Ela se levantou — Quando terminar guarde as panelas na geladeira. Eu vou descansar um pouco, meus pés estão inchados e doloridos.
— A benção, mãe – ela se virou para mim.
— Deus te abençoe – ela beijou minha bochecha e foi para o seu quarto.
Terminei a minha janta e lavei o pouco de louça que havia na pia.
Tomei um banho quente para aliviar o stress do dia inteiro de trabalho e fui para a minha cama, me entregando ao sono.
Ouvi o despertador e o desliguei rápido, não queria acordar minha mãe, mas eu lembrei que ela já havia saído para trabalhar. Olhei, preguiçosamente, para o despertador; 05:40h.
Fui ao banheiro e percebi que a resistência do chuveiro havia queimado.
— Ah, que legal, banho frio pela manhã! – disse em voz alta, encarando o chuveiro.
Terminei meu banho e fiz o café, rapidamente. Fiz meu desjejum e peguei minha mochila, que estava na cadeira ao meu lado.
Saindo de casa e trancando a porta, respirei fundo, tomando coragem para enfrentar mais um dia de estudo e trabalho.
Depois de ter pegado dois ônibus, cheguei à Thanicia High School, já sendo recepcionado por Jackson, meu primo. Na verdade, ele é filho do meu padrinho, que também é melhor amigo do meu pai.
— Que cara é essa? – Ele perguntou, já rindo — Aposto que tomou banho frio, de novo.
— Se quer saber, nem é tão ruim assim.
— Ainda mais no inverno, né?! – Eu rolei os olhos e ele chacoalhou o meu braço — Ah cara, não esquenta com isso, não. Uma hora ou outra, essa situação vai passar.
— Eu sei – joguei o meu braço em seu pescoço — Mas agradeço pela força.
— Sua intenção é me agradecer ou me matar? – Apertei ainda mais o meu braço em seu pescoço, mas ele conseguiu sair, me fazendo rir de sua face, agora vermelha.
— Quando é que as crianças irão crescer? – Malu, a gêmea má, perguntou.
— Quando você, finalmente, entrar na minha vida. – Meu primo respondeu esperançoso.
— Nem sonhando, Jackson! – Ela saiu caminhando de um jeito que só a mesma consegue, me deixando com meu primo, ainda esperançoso.
— Por que ela? – Perguntei, tentando entender.
— Por que não ela? – Ele respondeu perguntando e eu olhei à minha frente, a gêmea boa passava com todo seu encanto e doçura. Diferente da irmã, era mais reservada e não gostava dos holofotes, além de ser mais gentil com quem se aproxima dela.
— Porque há meninas menos complicadas, eu diria – Jackson seguiu o meu olhar e também ficou observando Mila.
— Ou não. – Desviei meu olhar para ele, franzindo a testa e ele me olhou, dando de ombros — Toda menina é complicada, mas apesar disso, são diferentes.
— Olha, eu não sei, não entendo de garotas.
— Ah, mas o papai aqui entende. – Ele sorriu largamente e eu franzi ainda mais a testa. — Que foi?
— Papai? Sério que agora você está usando esse apelido?
— Não gostou?
— Meu amigo, você já foi mais criativo! – Fui andando na frente, o deixando pensativo e paralisado.
— Aí Hope – ele veio correndo — Papi é melhor?
— Ah – fiquei sem resposta, nada o decepcionava mais que a não aprovação de suas gírias e apelidos ruins. Nem mesmo os foras que ele sempre recebia da Malu. — Melhor a gente ir logo para aula. – Saí andando na frente.
— Me espera, cara!
Tivemos uma aula cansativa, mas proveitosa, como sempre. Sinto que preciso fazer jus à ajuda que meu tio me dá, pagando as despesas da escola. Muita generosidade da parte dele e muita gratidão da minha.
Fomos caminhando rápido até ao trabalho, saíamos mais tarde na aula, devido aos exercícios complexos de Matemática.
— Hoje foi muito puxado, nossa! – Reclamou Jackson, se espreguiçando.
— Como todos os dias, o ensino aqui é mais pesado.
— O professor Choi hoje amassou até os alunos mais inteligentes. – Eu ri um pouco — Cara, se eu que moro e trabalho por aqui já acho complicado conciliar tudo, imagino você que ainda precisa de dois ônibus para vir e voltar.
— A vida que levo é muito cansativa, eu confesso. Mas preciso me esforçar, não posso desperdiçar o dinheiro que seu pai investe em mim. – Ele assentiu pensativo — Que foi?
— Nada. – Estava mentindo, eu sabia — É que o meu pai se orgulha muito de você.
— Cara, meu tio também se orgulha, e muito, de você! – Ele me olhou, incrédulo — Você poderia largar isso tudo e viver à custa do seu pai, já que ele tem condições de te bancar. Mas não, você estuda tanto quanto eu, trabalha tanto quanto eu, e quer ter a sua renda tanto quanto eu independente, da situação.
— É, acho que você está certo – ele riu fraco — Até porque, meu pai jamais me bancaria.
— Ah, tenho certeza que ele jamais faria isso. – Nós rimos forte — Enquanto você tiver saúde, vai trabalhar com ele.
— Você também, bonitão – Jackson bagunçou meu cabelo e eu o abracei de lado.
— Os bonitões vão continuar se pegando ou vão me ajudar com essas caixas de frutas?
— Qual é, pai?! – Tio Joe ergueu uma sobrancelha — Hoje a aula terminou mais tarde.
— Ou o raciocínio de vocês estava mais lento?
— As duas coisas. – Nós rimos, pegando as caixas — Levamos para o armazém ou colocamos logo à venda?
— À venda, quanto mais frutas e legumes frescos, mais dinheiro fresco no nosso caixa. – Tio Joe disse, retirando o seu avental.
— Vai sair? – Perguntou Jackson, um tanto preocupado.
— Sim, preciso resolver alguns problemas de avarias nos alimentos com os nossos fornecedores. – Respondeu simples, fazendo eu e Jackson nos entreolharmos desesperados. — O novo contrato que fechei com a Bodmills Alimentos LTDA está me dando um pouco de dor de cabeça, preciso resolver isso de uma vez.
— Tudo bem, mas vai me deixar sozinho com Jackson?
— Como assim? Eu sou o melhor funcionário da WestFruit, daria conta de tudo, sozinho.
— É bom saber disso – tio Joe disse num tom medonho — Porque o Hope vem comigo.
— O quê?
— Que foi? Preciso de alguém tão eficiente quanto você para dar conta de tudo em minha ausência.
— Eu sei que você consegue, papai. – Eu disse ao Jackson, enquanto saí do hortifrúti rindo dele.
— Papai?
— Coisa do Jackson.
— Só podia ser!
Tio Joe dirigiu por longos minutos até sentir dor em seu ombro direito e me deixar dirigir por ele.
— Sabe que eu não gosto de fazer isso, né?!
— É por uma boa causa, o senhor precisa descansar um pouco. – Ele bufou, segurando o seu braço.
— Como está a sua mãe?
— Tirando as dores nas pernas e o cansaço do trabalho, muito bem.
— Você sabe que se eu pudesse...
— O senhor pode!
— Hope, vocês são a família do meu melhor amigo.
— Um canalha que nos abandonou. – Respirei fundo. — Não deveria ter tanta consideração por ele.
— Eu entendo o seu ressentimento e não tiro a sua razão.
— Tio, a minha mãe gosta do senhor e sei que o senhor gosta dela, aonde há problema nisso?
— Seu pai mesmo de longe, sempre pergunta por vocês – bufei — E quando fala sobre sua mãe, eu sinto que ele ainda...
— Eu não vou deixar o senhor terminar essa frase. Não vou mesmo! – Neguei com a cabeça, freneticamente — Eu me recuso a ouvir isso.
— Filho – suspirei, eu não queria brigar com meu tio, ainda mais por causa do meu pai — Você entende a minha situação?
— Eu não entendo como o senhor se permite viver nessa situação por um homem como ele. – Tio Joe suspirou — Meu pai já se casou de novo, tem a sua nova família... Se ele tivesse amor por minha mãe ou por mim, jamais teria feito o que fez. – Minhas lágrimas escorreram involuntariamente e eu respirei fundo, mais uma vez. — Depois que ele nos deixou, nossa vida foi muito mais sacrificada. Minha mãe luta até hoje para termos um pouco de conforto.
— E você faz o mesmo por ela.
— Mas ainda não é o suficiente.
— Por enquanto, Hope. Por enquanto. – Ele deu duas tapinhas em meu ombro.
— Não faz sentido o senhor se privar dos seus sentimentos para não magoar os do meu pai. – Sentia o meu sangue ferver toda vez que eu falava sobre o meu pai — Quando foi que ele pensou nos nossos sentimentos? – Engoli o seco — Apenas se permita amar e ser amado.
— Você tem razão, garoto. – Ele respirou fundo — Me arrependo por não ter vivido essa paixão antes. Na verdade, eu só uso o seu pai como desculpa para não encarar a nossa realidade hoje.
— O senhor nunca foi covarde, tio.
— Todo mundo é, em algum momento da vida. – O olhei rápido — E comigo não seria diferente. – Arqueei as sobrancelhas, me surpreendendo com suas palavras.
— Certo, mas o senhor ainda pode resgatar o tempo perdido. – Ele deu uma breve risadinha, típica dos poucos momentos em que se sentiu envergonhado. — O senhor está sem graça?
— E-eu? Claro que não, Hope. – O olhei, rindo de sua mentira descarada e ele ergueu as sobrancelhas — Eu não sinto vergonha de nada e ninguém! – Tentou manter a sua expressão firme de sempre, mas acabou cedendo e riu junto comigo. — Olha logo para sua frente e vire à direita, o sinal já abriu.
Depois de mais um tempo...
A caminho do escritório da Bodmills Alimentos LTDA, me surpreendi com a confusão que fiz.
— Chegamos. – Tio Joe disse, já saindo do carro.
— Não estou entendendo, aqui não é Bodmilss, é a loja Party 99.
— Eu sei, tive que mentir para Jackson, faremos uma festa para ele neste sábado.
— Uma festa surpresa no sábado, muito legal – o acompanhei, saindo do carro — Mas, nós não temos tempo suficiente.
— Então teremos que nos apressar! – Disse simples, já atravessando a rua — Pensei em contar com a ajuda da sua mãe também.
— Ela ficaria muito feliz, se tivesse tempo mais ainda.
— Deixa de ser rabugento, Hope, o velho aqui sou eu. – Ele ergueu as sobrancelhas — Sua mãe é rápida em organização, vai ser mais fácil para ela fazer isso do que lidar com você e Jackson pelo resto da vida. – Franzi a testa, confuso e estendi os meus braços.
— Qual é, tio?! – Ele saiu rindo à minha frente e eu fiquei estático, o seguindo logo após e rindo junto.
Olhamos com cuidado alguns artigos para a festa, mas estávamos tão perdidos quanto tio Joe mexendo no computador.
— Nossa pesquisa está sendo um sucessão, hein. – Ele disse irônico, e eu ri.
— O senhor devia ter falado com a minha mãe antes de vir aqui.
— Está certo, sabichão, mas vamos tentar – caminhou até alguns painéis e ficou os observando — Por que não fazemos a festa com o tema do Superman?
— Não seria melhor uma festa à fantasia?
— É uma boa ideia! – Ele me olhou surpreso. — Vamos dar uma olhada em mais algumas coisas.
Passei a tarde pesquisando artigos de festa com tio Joe, mas não conseguimos resolver nada e eu sabia que não conseguiríamos sem a ajuda da minha mãe.
Voltamos para o hortifrúti e nos deparamos com um Jackson, muito seguro de si, sorrindo até para as paredes. Nos entreolhamos, desconfiados.
— Está bom, comece a contar agora que merda você fez. – Tio Joe ordenou, já colocando o avental.
— Na verdade, eu só consegui dar conta de tudo mesmo.
— E por que você está sorrindo assim? – Perguntei, colocando o meu avental.
— Porque eu sabia que vocês não estavam levando fé em mim, mas agora veem que se lascaram. – Jackson sorria vitorioso e satisfeito.
— Eu acho que não – olhamos para tio Joe — Acabo de ver as imagens das câmeras, você dormiu durante 5 minutos aqui no caixa, o que deu tempo suficiente para duas crianças entrarem aqui e levar algumas frutas.
— Eu estava cansado, o dia foi puxado. – Jackson se justificou.
— Eu te entendo, mas o seu descuido podia ter causado uma perda muito maior de produtos, por isso, vou descontar essas frutas do seu salário.
— Mas pai...
— Não Jackson, você errou.
— Não é culpa minha se você me deixou sozinho aqui no hortifrúti. – Ele deu de ombros.
— Como é? – Tio Joe o olhou e eu já estava rindo, internamente — Quem estava dizendo que é o melhor funcionário da WestFruit e que daria conta de tudo, sozinho?
— Foi um momento de delírio, devido ao sono forte que eu estava sentindo. – Ele se defendeu e eu ri alto.
— Você é muito descarado, cara! – Eu disse.
— Jackson, você sabe onde está o Óleo de Peroba? – Tio Joe perguntou.
— Não, por quê?
— Para eu poder passar nessa tua cara de pau – tio Joe bagunçou o cabelo dele, rindo junto comigo. — Vamos fechar mais cedo hoje, todos nós estamos muito cansados.
Peguei minha mochila, me despedindo deles, e fui para o ponto de ônibus. Chegando lá, presenciei alguns meninos, mais ou menos da minha idade, dançando em uma rodinha. Lembrei os tempos em que eu dançava, na Pracinha dos Gulosos, perto da minha casa, até que meu pai me viu e me proibiu de dançar. Mesmo depois do abandono, quando me via na rua dançando, mandava eu voltar para casa.
Minha mãe que sempre me apoiava, mesmo com a proibição do meu pai, me deixava ir dançar à noite, quando ele saía para trabalhar.
Quando dei por mim, o ônibus já tinha chegado e já estava cheio, como sempre. Fiz meu percurso até o ponto final e peguei outro ônibus, um pouco mais vazio, porém sem bancos desocupados.
Finalmente, consegui chegar ao meu bairro e desci no ponto mais próximo da minha casa. Passei pelos meus amigos de infância e os cumprimentei, mas não fiquei curtindo a onda com eles. Era triste não poder me juntar a eles como fazíamos antes, pois a qualquer momento poderia começar um tiroteio ali e eu estaria no meio disso, mesmo sendo inocente, sairia morto ou como culpado. Mas, apesar das escolhas que tomaram sempre trataram os moradores com respeito.
Destranquei a porta e joguei minha mochila na cadeira, ascendi às luzes da varanda e as de dentro da casa. Minha mãe sempre falava que quando a gente volta da rua a mão está suja, então lavei minhas mãos e abri a geladeira, ainda tinha feijão cozido, mas teria que fazer arroz.
Tomei um banho rápido e ainda frio, porém refrescante e voltei para a cozinha. Enquanto deixei o arroz cozinhando, fui para o quarto e peguei o meu caderno, terminei o exercício de História que enrolei para fazer na aula. De repente, veio à mente a imagem de Mila, a gêmea boa. Nunca tive coragem de falar com ela, não porque sou covarde... Ou sou? Bem, de qualquer forma, eu não quero assustá-la.
Mila é mais reservada e ela sempre está com pessoas mais estudiosas e menos extravagantes à sua volta. Não que eu seja tão extrovertido quanto Jackson, mas não sou tão inteligente quanto ela. Mila foi aluna do ano por três anos consecutivos.
Apesar do que muitos dizem sobre Malu, ela está sempre entre os três mais inteligentes da turma. Sabemos que ela tem essa personalidade mais forte, mas a verdade é que Malu não é má pessoa, só é difícil de lidar. Porém, gosto de diferenciá-la da irmã como a gêmea má.
Ri sozinho, lembrando as minhas aventuras de infância com ela e Jackson.
Os pais das gêmeas eram separados, por isso Malu foi criada pela mãe e Mila pelo pai. Mas, depois de anos, seus pais decidiram reatar o relacionamento e as duas só passaram a viver juntas, um ano antes do colegial.
Quem dera eu pudesse ter vivido a minha infância com Mila também.
Lembrei que deixei o arroz cozinhando e corri para vê-lo, encontrei minha mãe apagando o fogo.
— No que é que você está pensando que até esqueceu do arroz? – Perguntou um tanto irritada — Vai me ajudar ou não com estas sacolas?
— Desculpa, eu estava terminando um exercício – respondi, omitindo os meus pensamentos em Mila e tirando as sacolas de suas mãos.
— Ah, tudo bem, acontece. – Ela se sentou um pouco — Como foi hoje na escola?
— Difícil, como sempre, mas eu tenho me esforçado.
— Faz muito bem – assenti — Quero que você tenha um futuro muito melhor do que o seu presente!
— Mãe, não se culpe por...
— Filho, eu parei de me culpar por isso, mas parei de culpar o seu pai também. – Arregalei os olhos, incrédulo com o que acabara de ouvir — A melhor coisa que nos aconteceu foi aquele homem ter saído de nossas vidas. E eu sei que isso te afetou muito, mas hoje penso que foi melhor assim.
— Eu entendo o que a senhora quer dizer, mas...
— Nós estamos bem melhor sem ele. – Suspirei forte, concordando com minha mãe. — Vem, me dá um abraço. – Me ajoelhei para ficar na mesma altura que ela e fechei meus olhos, sentindo os seus braços se apertarem a minha volta — Eu sei que você já sabe, mas não me canso de dizer que eu faria tudo de novo, por você. Quando aconteceu, eu quis mudar o meu modo de pensar por você, eu quis me tornar uma mulher mais forte por você, eu fui à luta nessa vida por você. E, apesar de saber que a partir daqui você toma as suas próprias decisões, não me arrependo de nada. Sei que fiz um bom trabalho, porque você me dá essa certeza todos os dias.
— Como eu posso te agradecer por tudo que fez e ainda faz por mim? – Me afastei um pouco para olhá-la.
— Continue sendo esse menino estudioso, trabalhador, educado, responsável, lindo, esfor...
— Já entendi! – Ela deu uma gargalhada gostosa e beijou minha bochecha. — Eu te amo, mãe.
— Eu também, filho. Muito. – Me abraçou mais uma vez. — Agora vamos jantar. – Ela se levantou e mexeu nas sacolas. — Eu trouxe nuggets, frita alguns enquanto tomo banho?
— Claro, vai lá. – Ela pegou sua roupa de dormir e foi para o banheiro — Seu banho será bem refrescante...
Fritei os nuggets e fiz um suco de laranja, da fruta, aprontei os nossos pratos, deixando já postos sobre a mesa e me sentando, à espera de minha mãe.
— Uma pergunta apenas – ela passou por mim e pendurou sua toalha na corda, voltando com uma expressão meio tensa — Por que não me avisou que a água do chuveiro está fria?
— Eu disse que o seu banho seria refrescante – ri um pouco.
— Refrescante? – Ela arqueou uma sobrancelha — E eu lá preciso de banho refrescante no inverno? Eu quero é me esquentar, relaxar.
— Desculpa então. – Pedi ainda rindo.
— Palhaço! – Ela riu fraco. — O cheiro do arroz está ótimo. – Se sentou à mesa. — Faça a oração de agora.
— Senhor Deus, te agradecemos pelo alimento que está em nossa mesa e te pedimos que nos abençoe, para que nada nos falte. Agradecemos também pelas nossas vidas e pelo dia que tivemos, em nome de Jesus, amém. – Dei a primeira garfada na comida e saboreei com gosto, apesar do descuido com ele, meu arroz estava delicioso.
— Seu arroz está muito bom!
— Obrigado. – Ela assentiu em concordância. — Mãe, eu estava pensando em voltar a dançar.
— Eu super apoio, você sempre dançou muito bem. Não devia ter parado.
— Sim, mas eu fico...
— Não fique. Seu pai não está mais aqui para te ofender e proibir. – Ela me olhou — Sou eu que estou aqui contigo e você sabe que eu te apoio desde sempre.
— É que as pessoas costumam dizer...
— Filho, você acha que alguém vai deixar de viver algo que sonha muito porque você vai comentar sobre?
— Certamente, não. – Respondi óbvio.
— Então por que você faria isso? – Ela me olhou erguendo as sobrancelhas e eu fiquei boquiaberto, sem resposta. — Você executando a sua função bem ou mal, as pessoas sempre irão fala, então não dê importância a isso.
— Entendi.
— Entendeu mesmo? – Franzi a testa — O que o resto do mundo vai dizer não tem importância. — Então?
— Sim, você pode voltar a dançar. – Sorri ao ver minha mãe tão convicta. — Mas me prometa que não vai deixar de se empenhar na escola e no trabalho.
— Ah não, eu jamais faria isso! – Eu disse firme e ela assentiu — Eu levo os meus estudos a sério, e o meu trabalho também.
— Faz muito bem, seu tio investe pesado em você e no Jackson, não o desaponte.
— Por falar em Jackson, tio Joe quer dar uma festa a ele e conta com sua ajuda.
— Ah, que legal. Diga a ele que pode contar comigo. – Ela se animou. — Quando será?
— Sábado. – Minha mãe quase cuspiu o suco em minha face. — Foi ideia do tio Joe.
— Mas amanhã já é quarta-feira, como faremos?
— Eu não sei, nós olhamos uma loja de artigos para festa hoje, mas não sabíamos o que fazer.
— E por que não me ligaram?
— Mãe, foi coisa do tio Joe. Repetindo: foi coisa do tio Joe. – Me defendi com a verdade, a culpa não foi minha, nem eu sabia.
— Tudo bem, amanhã eu falarei com ele e iremos à Party 99. – Assenti, tomando um gole do suco — Mas a lista de convidados fica por sua conta, e não perca mais tempo, amanhã mesmo já comece a convidar esse pessoal.
— Eu só conheço a galera do colégio e da pracinha perto da casa dele, mas o pessoal da esgrima eu não sei quem são.
— Então entra nas redes sociais e faça uma pesquisa, envie o convite por lá mesmo. É até mais econômico. – A olhei surpreso e ela me encarou — Que foi?
— A senhora está bem esperta, hein!
— Sou mãe e tia de adolescentes, tenho que estar atualizada, se não assim, vocês me enrolam fácil. E eu não vou dar esse mole para vocês, mas não vou mesmo. – Ela deu uma risadinha macabra. — A comida estava ótima, filho.
— Fiz o que pude. – Fui sincero — Bem, eu vou começar a fazer essa lista e depois vou dormir.
— E não se esqueça de me entregar para eu comprar tudo na medida certa. – Assenti — Boa noite, filho.
— Boa noite, mãe – beijei sua testa — A benção.
— Deus te abençoe.
Escovei os meus dentes e fui para o quarto. Segui o conselho da minha mãe e pesquisei pelos amigos de Jackson da esgrima, me surpreendi com o número de pessoas, eram tantas. Sabia que meu primo fazia amizades facilmente, mas tantas assim?
Finalmente:
Terminei a lista e desliguei o notebook, me arrastei até a cama e fiquei por ali mesmo.
— Hope, levanta logo! – Despertei com a voz da minha mãe — Você está atrasado.
— São que horas?
— 06:30h – ela puxou a cortina para o lado e abriu as janelas.
— O quê? – Dei um pula da cama, tirando a minha camisa. — Mãe, me dá licença.
— Está com vergonha da sua mãe, garoto? – Ela ergueu uma sobrancelha e descansou uma das mãos na cintura. Apenas bufei, tirando as meias e a calça.
— Mãe, por favor, agora não.
— Eu vou te dar um desconto porque você está atrasado. – Ela saiu batendo a porta.
Coloquei meu uniforme e corri para escovar os dentes, lavei o rosto e joguei perfume no corpo todo. Odeio ter que sair sem banho, mas nesses casos, não tenho escolha.
— O seu café está na...
— Não vou tomar – beijei a testa da minha mãe e já ia saindo.
— Esqueceu sua mochila – ela me entregou e eu sorri em agradecimento. — E a lista de convidados?
— Está em cima do meu notebook. – Saí antes que a minha mãe ficasse me fazendo perguntas e eu me atrasasse ainda mais.
— Não se esqueça de convidar os amigos do Jackson da escola – ouvi sua voz de longe, mas segui meu caminho o mais rápido que pude.
Cheguei à escola mais atrasado do que tinha imaginado, mas consegui assistir o final do segundo tempo de aula.
As aulas anteriores ao intervalo foram mais leves, o que me ajudou bastante, acordei tão acelerado e preocupado em não me esquecer de convidar a galera da escola que não conseguiria raciocinar bem.
— Você parece preocupado. – Disse Jackson, se levantando do banco ao meu lado.
— Estou normal, cara.
— Ok, eu preciso ir ao banheiro. – Assenti tranquilamente e esperei que ele saísse para começar a convidar o pessoal.
— Aí Luke, sábado vai ter uma festa para o Jackson, mas é surpresa. Apareça na casa dele às 19:00h.
— Valeu, maninho – ele disse sorridente.
— Repasse para o resto da galera e não se esqueça, vai ser à fantasia.
— Deixa comigo! – Assenti — Aí Han, o Hope está chamando a gente para a festa do Jackson.
— Maneiro, pode contar com a gente.
— Sábado às 19:00h, vão pensando na fantasia de vocês – eles já iam se virando — E não se esqueçam, é surpresa, não deixem que ele descubra.
— Confie na gente, cara.
Assenti desconfiado, mas dei uma relaxada, quanto mais ajuda melhor. Malu ia desfilando até à sua irmã, quando eu dei uma corridinha parando à sua frente.
— O que você quer, Hope? – Ela ergueu as sobrancelhas e ficou mexendo no cabelo, enquanto mascava chiclete.
— Que você vá à festa do Jackson, sábado.
— Sem chance! – Ela me empurrou e continuou seu desfile. Fui atrás dela, a parando novamente.
— Ah, qual é?! Isso nem é um sacrifício para você, sei que gosta de festas. – Ela fez uma bolha de chiclete, me olhando desinteressada. — Pela amizade que um dia tivemos, apareça lá no sábado. Você sabe o quanto o Jackson ficaria feliz em te ver.
— Tudo bem. – Continuei a olhando esperançoso — Mas pela amizade que um dia tivemos.
— Ah, obrigado Malu. A festa vai começar às 19:00h, e será à fantasia. – Ela assentiu, suspirando — Não se esqueça da sua irmã.
— Mila não gosta muito de festas, mas tentarei levá-la. – Assenti sorridente — Por que o interesse na minha irmã?
— E-eu só estou convidando a galera da escola e ela está incluída. – Suei um pouco depois de gaguejar.
— Sei... – Malu se virou e continuou seu desfile até sua irmã.
— O que você estava falando com a minha garota? – Jackson se aproximou de mim, cruzando os braços.
— Jackson, ela não é nem sua amiga.
— Cara, isso magoa. – Se fingiu de ofendido e eu ri — Mas você ainda não me respondeu.
— Eu só tentei fazer umas perguntas sobre a Mila, mas não deu certo.
— Precisamos de algumas aulas sobre como conquistar uma garota. – Olhei para Jackson.
— Somos tão ruins no assunto a ponto de precisarmos de aulas?
— Hope, você nunca namorou, quer prova maior que essa? – Ele saiu à minha frente com olhar de tristeza e eu fiquei rindo da cara de pau dele.
— Cara, isso também magoa. – Corri atrás dele, o alcançando — Além do mais, eu nunca encontrei uma menina como a...
— Mila? – Me olhou curioso.
— Eu ia dizer Tinashe.
— Sei... – Disse dando uma risadinha desconfiada e eu dei uma tapa na nuca dele. — Olha, não me faça partir para a agressão, hein. – Eu ri de sua expressão séria.
Terminamos todas as aulas do dia e fomos para o hortifrúti. Não encontramos tio Joe, porém eu sabia que ele estava com minha mãe fazendo as compras para a festa do Jackson.
— Você está meio distante hoje, irmãozinho. – Jackson disse, voltando do armazém.
— É impressão sua, eu estou normal. – Comecei a lavar algumas alfaces. — Você que está sério hoje.
— Eu sou sério. – O encarei, revirando os olhos — Pelo jeito, as minhas piadas não estão surtindo efeito nem comigo mesmo – ele bufou, se sentando no caixa.
— O que está acontecendo? – Meu primo estava me preocupando.
— Eu não consigo parar de pensar em minha mãe.
— Jackson – fechei a borracha d'água e me aproximei dele.
— Hope, eu já sei o que você irá falar, mas eu estou bem – suspirou forte — Só sinto falta dela.
— Eu não sei o que é isso, porém posso imaginar a falta que ela te faz – Jackson me olhou, assentindo. — Mas você tem a minha mãe e ela te considera como um filho.
— Eu sei, tia Ravina é uma mãe para mim.
— Como poderia ser diferente se eu te amo como filho? – Minha mãe apareceu no hortifrúti junto com tio Joe — Eu sei o quanto sua mãe faz falta, também sinto saudades dela, mas eu estou aqui para você até o meu fim.
— Obrigado, tia. – Minha mãe o abraçou e me puxou para o abraço também.
— Vocês são as pessoas mais importantes da minha vida. – Tio Joe pigarreou — Você também, Joe.
— Obrigado pela parte que me toca. – Ele disse entredentes e nós rimos um pouco.
— Bem, vocês precisam de ajuda?
— Na verdade... – Jackson já ia falando, quando meu tio o interrompeu.
— Não se incomode com isso, Ravina.
— Deixe o menino falar, Joe – minha mãe pediu.
— Eu e Hope temos que limpar o armazém. – Ele disse sem remorso — Estamos atrasando essa tarefa há tempos, pois meu pai nunca fica aqui no caixa para fazermos algo que está atrasado.
— Joe, está escravizando os meninos? – Minha mãe arqueou uma sobrancelha e meu tio arregalou os olhos.
— Não, eu jamais faria isso! – Jackson me olhou, rindo — Os garotos só precisam ser mais ágeis e eu estou dando uma forcinha a eles.
— Sei... – Minha mãe pendurou seu agasalho atrás da cadeira no caixa e colocou o avental.
Retiramos do estoque algumas frutas que apodreceram e alguns legumes que estavam prestes a ir para o lixo. Tivemos que limpar também as gôndolas, já que a poeira, os resíduos de frutas podres e o mau cheiro haviam impregnado as mesmas.
Descansando um pouco, para depois terminar de limpar o chão, parei com o meu serviço por alguns minutos.
— Pensando em Mila? – Jackson me olhou desconfiado.
— Eu não, mal a conheço.
— Isso não quer dizer nada, não precisa conhecer para se apaixonar.
— Precisa sim.
— Qual é, Hope?! Você tem um crush por ela, assume logo.
— Vou assumir que agora você me impressionou com seu inglês. – Ele revirou os olhos e eu ri de sua cara.
— Engraçadinho, não vai conseguir esconder seus sentimentos por muito tempo.
— Ah, eu vou sim! – Joguei um pano sujo em cima dele, que se esquivou e voltei a limpar o chão.
— Sei...
De alguma forma me lembrei de Malu quando perguntou sobre meu interesse em sua irmã. A verdade é que eu estava torcendo para Mila ir à festa de Jackson, e mais ainda para eu descobrir uma forma de me aproximar dela.
— Tudo limpo no armaz...
— O quê? – Tio Joe e minha mãe estavam se beijando, quando foram surpreendidos por nós e se desgrudaram rapidamente.
— Meninos, vocês terminaram o trabalho tão rápido, parabéns! – Minha mãe sorriu forçadamente.
— Desde quando? – Jackson tirou as palavras da minha boca.
— O que? – Tio Joe se fez de desentendido.
— Desde quando vocês estão juntos? – Reforcei a pergunta do meu primo.
— Bem, nós não estamos juntos – minha mãe nos surpreendeu com sua resposta — Não ainda.
— Nós estamos apenas aproveitando o início disso que ainda nem chamamos de relacionamento. – Vez de tio Joe.
— Olha, me deem licença, eu preciso de um tempo. – Jackson pegou sua mochila e foi para casa, que fica no segundo andar da WestFruit.
— Eu levo vocês para casa.
— Não Joe, fique e converse com Jackson. – Minha mãe disse preocupada — Não perca tempo, vá atrás dele.
Tio Joe assentiu, esperando que saíssemos para fechar o hortifrúti.
Fomos para o ponto e por um milagre, o ônibus já estava lá, como se estivesse nos esperando e o milagre maior, vazio.
A viagem me pareceu mais rápida que de costume, logo já estávamos passando pela Pracinha dos Gulosos. Cumprimentei a galera e segui meu caminho com a minha mãe.
Chegando à nossa casa, ela destrancou a porta e eu acendi as luzes da varanda até a cozinha.
— Filho, o seu silêncio está me matando – ela me sentou à sua frente — Diga algo.
— O que quer que eu diga?
— Você ficou calado desde a hora em que saímos do hortifrúti. – Assenti, engolindo o seco. — Está se sentindo mal com o que viu?
— Não, eu não estou bravo e nem nada do tipo. – Ela fechou seus olhos e respirou fundo, estava aliviada — A verdade é que eu sempre desejei isso, só que pela resistência de vocês, aconteceu mais rápido do que eu esperava.
— É um alívio imenso que sinto agora ao ouvir suas palavras. – Passou sua mão sobre meu rosto. — Mas quero que saiba que ainda estamos conversando sobre tudo isso, porque é tudo novo para nós. E apesar de conhecer o Joe há anos, estamos sendo cautelosos em relação ao sentimento de cada um, inclusive ao de vocês.
— Tudo bem, eu respeito isso – ela sorriu docemente — Mas parece que o Jackson não se agradou muito dessa história.
— Ele só está sensível, filho. Sempre fica assim quando a data de seu aniversário se aproxima. – Assenti — Ele sente falta da mãe, é compreensível.
— Mas conhecendo bem Jackson, depois que essa semana passar, ele vai se sentir melhor.
— Vai sim – minha mãe sorriu mais uma vez — Todos nós.
— A senhora sempre me apoiou em tudo, agora é a minha vez de fazer o mesmo.
— Oh, meu amor – ela me abraçou forte — Eu te amo demais!
— Também te amo, mãe. – Ela se afastou, olhando para dentro da geladeira. — Que tal se eu fritar hambúrguer com ovo e colocar no pão para nós comermos?
— Ótimo, eu já estava mesmo sentindo falta dessa comida.
— Tudo bem, vai tomando banho que eu ajeito tudo aqui. – Me levantei.
— Não vai querer ajuda?
— Não, não. Hoje eu estou mais disposta – Ela cantarolou sorridente.
— Já até sei o porquê – sussurrei para mim mesmo e fui para o banheiro.
Tomei meu banho, que para minha surpresa estava quente e corri para me agasalhar no quarto.
Voltei para a cozinha, encontrando o meu prato com dois pães recheados com bastante molho 3 em 1; ketchup, maionese e mostarda.
— Faz o suco para mim enquanto eu tomo banho?
— Claro – tirei a jarra de dentro do armário — Por falar em banho, a resistência não estava queimada?
— Comprei uma nova hoje e Joe veio aqui trocá-la.
— Ah, bendito seja o tio Joe, esse banho quente alegrou minha noite fria. – Minha mãe deu uma risada alta e foi para o banheiro.
Separei alguns limões e usei o antigo espremedor, não acrescentei muito açúcar, mas também não aguei demais o suco. E depois de mexer um pouco, estava pronto.
— Terminou? – Minha mãe se sentou à mesa.
— Sim. – Peguei a jarra e coloquei sobre a mesa, assim como os nossos copos e também me sentei.
— Farei a oração de agora. – Assenti, fechando os meus olhos — Senhor Deus, agradeço pelas nossas vidas e pelo alimento que está nos concedendo. Agradeço também pelo dia que tivemos e peço que nos direcione em tudo que fizermos. Por favor, peço que acalme o coração dos meus meninos, em especial o do Jackson. E peço também que os abençoe e os direcione na vida, em nome de Jesus, amém.
— Amém. – Tomei o primeiro gole do suco e quase o cuspi, no mesmo instante.
— Pega gelo – minha mãe disse e eu peguei a forma, colocando alguns cubos dentro da jarra e a mexendo rápido. — Melhorou.
— Menos mal – guardei a forma no congelador.
Terminamos de nos alimentar e eu lavei a louça, era pouca coisa. Eu me virei para ir ao quarto e encontrei minha mãe me olhando.
— Ainda está por aqui? – A olhei surpreso.
— Você está meio aéreo hoje.
— Impressão sua – forcei um sorriso e peguei minha garrafinha de água na geladeira. — Estou do mesmo jeito de sempre.
— Se você não consegue enganar o Jackson – tomei alguns goles da água — Acha mesmo que vai conseguir enganar a mim?
— Bem – ela me olhou curiosa, esperando pela resposta e eu me sentei à sua frente — Se lembra da Malu?
— Sim, a menina nada humilde que vivia brincando com vocês, na infância – ela assentiu — O que tem ela?
— Malu também estuda na Thanicia High School.
— Que legal!
— Ainda nos falamos, mas não temos a mesma amizade de antes, digamos que ela prefira os alunos mais...
— Bonitões e populares?
— Eu diria menos esquisitos para a realidade doer menos, mas suas definições também são boas. – Eu ri fraco — Ela morou grande parte da vida dela com a mãe, enquanto a sua irmã gêmea viveu com o pai.
— Espera – minha mãe ergueu as sobrancelhas — Ela tem uma irmã gêmea?
— Sim, só soubemos depois que seus pais reataram o casamento e as duas passaram a morar juntas.
— Nossa – minha mãe estava realmente surpresa — Eu consigo imaginar a reação de vocês!
— Foi uma surpresa total, as duas começaram a estudar juntas e desde então, Malu não é mais próxima de nós.
— O que é uma pena. – Minha mãe disse melancólica.
— Ainda mais para Jackson, que gosta dela.
— Ah, coitado do meu menino.
— Pois é, nós a chamamos de gêmea má.
— E por que a outra é a gêmea boa? – Perguntou curiosa, até demais.
— A Mila é o contrário da irmã, a gentileza dela não tem igual. – Sorri ao lembrar — Já nos trombamos por algumas vezes, mas nunca tivemos uma oportunidade a mais de aproximação.
— Você terá essa chance na festa do Jackson.
— Bem, se ela for à festa, né?! Malu disse que ela não gosta de festas.
— Só saberemos mesmo no sábado. – Minha mãe se levantou — Por falar na festa, já pensou em sua fantasia?
— Ainda não, mas vou pesquisar por uma que não seja tão cara.
— Se quer algo legal, não pense tanto em economizar. Não quero que você fique se privando tanto de ter as suas coisas, pensando em mim e na casa. – Ela disse firme — Nós daremos conta de tudo independente, da situação. Apenas escolha uma fantasia bem bonita e aproveite a festa no sábado.
— Vai ser difícil, mas eu vou tentar. – Eu me levantei — Vou dormir.
— Eu também.
— Droga, eu esqueci minha mochila no hortifrúti.
— Saia mais cedo amanhã e pegue antes da aula.
— Farei isso – me aproximei de minha mãe, depositando um beijo em sua bochecha — Boa noite.
— Boa noite, filho.
— A benção.
— Deus te abençoe.
Fomos para o nosso quarto. Deitei o mais rápido que pude e dormi um sono tranquilo e suave.
Acordei:
Um pouco mais cedo que de costume e tomei um banho não tão rápido. Antes de sair do banheiro, deixei meus dentes brilhando e voltei ao quarto, já vestido com o uniforme e passando o perfume.
Segui para a cozinha, sabia que minha mãe já tinha feito o café, pois ela sempre deixava pronto antes de ir trabalhar. Misturei um pouco de leite em pó no café e comi algumas bisnaguinhas. Pronto, estava alimentado.
Saí de casa, o céu ainda estava meio trevoso, mas sem perigo de caminhar pelas ruas a essa hora, muitas pessoas já haviam saído para trabalhar ou estavam voltando.
Peguei o primeiro ônibus e para a minha surpresa, estava mais cheio do que quando eu pego no horário rotineiro. Vi algumas criancinhas vestidas com roupas de balé clássico e outras com roupas mais contemporâneas, estavam frente à um ônibus de turismo, provavelmente viajariam para competir. Meu coração se apertou ao lembrar de quando deixei de dançar, foi muito difícil para mim. Foi como se o meu pai estivesse tirando a única coisa que me fazia esquecer das discussões dele com a minha mãe e ainda me causava alegria.
Quando dei por mim, quase passei do ponto que eu costumo descer, então saltei do ônibus rapidamente e corri para subir no outro que já estava parado. Isso é um milagre? Sim, é um milagre. Obrigado, Deus!
Cheguei em frente ao hortifrúti, tocando a campainha que tocava diretamente na casa de tio Joe, autorizou a minha entrada e o portão se abriu automaticamente. Entrei, logo pegando a minha mochila que ficou na cadeira do caixa e subi, encontrando tio Joe tomando café.
— Bom dia, tio – o cumprimentei, achando estranho a ausência de Jackson ali.
— Bom dia, garoto. Madrugou para valer hoje, hein! – Disse num tom brincalhão e eu ri.
— Esqueci minha mochila aqui ontem, então tive que sair mais cedo para busca-la.
— É nisso que dá ser cabeça de vento. – Ele me olhou, bebericando o seu café e eu ri novamente.
— Por falar em cabeça de vento, por que o Jackson não está aqui à mesa?
— Ele não está bem, não. – Ergui as sobrancelhas — Ficou chateado com o que viu ontem e disse que não está com cabeça para ir à escola hoje.
— E o senhor vai deixa-lo fi...
— De jeito nenhum. Já o avisei que se não levantar até eu terminar o café, vou jogar um balde d'água na fuça dele. – Eu prendi a risada que quase soltei — Quer tentar algo menos antes que eu termine o café? Pode ir lá.
— Ele está vindo – sussurrei.
— Vou sacanear ele como presente de aniversário, entre na pilha também. – Dei uma piscadela, assentindo.
— Tio, acho que Jackson sente que o senhor não se importa tanto com ele. – Vi meu primo se aproximando.
— Bobagem, eu que pago as contas dele e todo o resto.
— Isso não é verdade – Jackson apareceu na cozinha, com a cara toda amassada e cabelo ao estilo "Jackson mal-amado". — Pago as minhas coisas com o meu salário e quando te peço dinheiro emprestado, sempre devolvo.
— E tem que devolver mesmo, tem sorte de eu não pedir com juros. – Meu irmão parecia realmente chateado — Você só paga com o seu dinheiro as besteirinhas que compra para uso próprio, mas as contas e despesas da casa é tudo do meu bolso.
— Ah, me desculpe ser um fardo para você. – Ele disse sério e eu fiquei preocupado. Meu irmão leva tudo na esportiva, até mesmo com as brincadeiras mais pesadas de tio Joe.
— Sem problemas, já me acostumei com ele há 18 anos. – Tio Joe disse indiferente, enquanto bebia seu café. — Se passasse pela mesma situação do Hope e ajudasse em casa como ele faz, eu te daria um desconto. Mas, como você tem uma vida boa onde só estuda e trabalho um pouco, eu não vou aliviar as coisas para você enquanto eu viver. Precisa saber dar valor ao meu trabalho duro.
— E o senhor, dá valor ao meu trabalho duro de todos os dias?
— Trabalho duro de todos os dias? Qual? – Tio Joe o olhou debochado e eu engoli seco, não queria me intrometer, mesmo sabendo que tio Joe estava pegando pesado e desta vez, não era brincadeira. — Hope enfrenta dois ônibus para ir à escola, depois trabalha até a noite, encara mais dois ônibus na volta para casa e faz seus trabalhos pela madrugada. E no dia seguinte precisa acordar cedo de novo e continua a sua rotina. – Meu irmão estava prendendo o seu choro, nunca o vi dessa forma — E você, o que faz? Acorda cedo, mas nem tanto, vai para a escola e depois volta para trabalhar, depois faz seus trabalhos e perde a madrugada de sono jogando no notebook ou videogame. Que dureza de vida, né?! – Continuou bebericando o seu café.
— Tio – chamei sua atenção em um sussurro, mas ele levantou a mão para eu esperar, sabia que Jackson teria alguma reação.
— Por que você age assim comigo? Eu não te fiz nada de ruim durante toda a minha vida. – Jackson começou a chorar e eu me senti mal pelo meu irmão — Já que se orgulha tanto de Hope, faça a troca com tia Ravina, aposto que ela não me trataria como você. – Tio Joe fez uma expressão de surpresa e desta vez, eu não sabia se era encenação ou se realmente estava surpreso. — Eu não pedi para vir ao mundo, muito menos pedi para perder a minha mãe e ser tratado como um lixo por você. Só ela me entendia e você nem se esforça para tentar o mesmo. – Tio Joe parecia emocionado — Eu sinceramente não sei o que fiz para você, mas não mereço que você desdenhe de tudo que eu faço só porque não tenho a vida difícil que o Hope leva. Aliás, tenho certeza que você preferia que ele fosse o seu filho no meu lugar.
— Filho – tio Joe se levantou, indo em direção a Jackson que estava inconsolável — Eu não sabia que você se sentia dessa forma, eu jamais faria algo para te magoar propositalmente. Eu tenho as minhas falhas, sim, mas tento errar o menos possível com você, porque você é a melhor coisa que já me aconteceu. – Jackson o olhou espantado — Eu sei que você não pediu para nascer, mas eu e sua mãe escolhemos te trazer ao mundo e não foi para desdenhar de você, jamais! Você me traz muito orgulho e eu admiro tudo em você, tudo que você faz, principalmente o seu bom humor. Você é um garoto que leva alegria aonde for. O que seria da minha vida sem você? Eu realmente não sei porque não imagino a minha vida sem você fazendo parte dela. E me corta o coração te ver assim tão sensibilizado, tão triste, eu jamais imaginaria que você estava guardando esse sentimento tão ruim dentro de você, que é a mágoa. – Ele abraçou meu irmão, que continuava chorando alto — Meu filho, me perdoe por errar tanto contigo. Eu te amo, garoto, não duvide disso.
— Eu não queria que o meu dia começasse assim tão emotivo, mas acho que acabei despejando em você a minha tristeza por não estar com a minha mãe em mais um aniversário. – Ele disse, já se recuperando — Me desculpa, você não tem culpa de nada.
— Não, desculpa eu por ter feito essa brincadeira como presente de aniversário – Jackson franziu a testa.
— Brincadeira?
— Sim, até os meus olhares debochados, enquanto eu bebericava o café que já deve estar até frio.
— Não acredito! – Ele me olhou. — Você sabia disso?
— Sim, mas depois fiquei arrependido.
— Você é um frouxo mesmo, hein. – Disse, nos fazendo rir.
— Quem estava chorando feito bebê há poucos minutos não era eu.
— Eu só estava dando a vocês a única chance de me ver chorar agora na minha vida adulta. – Nós rimos alto, que garoto fingido!
— Não foi por isso, não. Na verdade, tudo que você disse era o que você acreditava e guardava para si, mas agora já te esclareci tudo e repito: eu jamais faria algo para te magoar propositalmente. – Tio Joe o apertou no abraço — Você e Hope são os meus filhos e eu amo os dois demais, sinto muito orgulho de vocês e não duvidem disso, nem de brincadeira.
— Podia ter pegado mais leve, hoje é o meu aniversário. – Meu irmão fez sua expressão de afetado e tio Joe beijou o topo de sua cabeça.
— E eu ia adivinhar que você acordaria com toda essa sensibilidade? – Tio Joe o olhou engraçado, nos fazendo rir. Ele fez sinal com a mão para eu me juntar a eles. — Ah moleques, o que seria da minha vida sem vocês? Um vazio total. Vocês são a própria alegria na minha vida.
— Para não te deixarmos sozinho aqui nessa casa grande, vazia e silenciosa – Jackson começou e tio Joe logo o olhou desconfiado — Podemos faltar aula hoje?
— Claro que não! – Ele nos soltou e tomando mais um gole do seu café — Não vou entrar em depressão só porque você foram estudar.
— Mas hoje é o meu aniversário.
— Pare de apelar Jackson. – Eu ri da cara de pau do meu amigo — E se atrasarem mais do que já estão atrasados, você não ganha nem um pedaço de chocolate.
Jackson lembrou que ainda estava de pijama e correu até o quarto para se arrumar.
— Tio, como vamos fazer para comprar a fantasia dele? – Indaguei num sussurro.
— Você vai ir com a sua mãe, porque ela tem noção do tamanho da roupa dele e você de uma fantasia legal.
— Ah tio, eu amo a minha mãe, mas fazer compras com ela eu detesto.
— Problema é seu, você vai mesmo assim. – Bufei, rolando os olhos já pensando no tédio que seria ir às compras com minha mãe. — Enquanto vocês estarão na Party 99, eu vou estar com ele no T7s Park. – Ele riu para me irritar e eu reclamei.
— Isso não é justo!
— Lamento, mas eu preciso que você vá, Hope – Resmunguei novamente e ele ergueu as sobrancelhas.
— Tudo bem.
— Aproveite e traga uma fantasia para mim também. – Ele pediu animado — E eu quero uma bem legal, hein.
— Você pode se vestir de policial.
— Gostei. – ele apontou para mim, com um sorriso largo — Gostei mesmo da ideia.
— Qual ideia? – Jackson perguntou desconfiado.
— De não abrir o hortifrúti hoje. – Menti descaradamente.
— Boa, irmãozinho – ele deu um soco em meu braço e eu ri de sua reação animada — Agora vamos logo, porque quando eu voltar quero mais que um pedaço de chocolate.
Depois das primeiras aulas:
Que foram Geografia e Biologia, fomos para a quadra, teríamos aula de Educação Física.
— Meu irmãozinho, parece que hoje a Malu não vai participar da aula – Jackson disse, apontando para a arquibancada.
— Ela deve estar nos dias vermelhos. – Meu primo me olhou confuso — Você sabe, mensamente as garotas passam pelos dias vermelhos.
— Ah sim, eu entendi. – Ele retornou o olhar para Malu — Eu queria que ela...
— Te desejasse um feliz aniversário? – Assentiu dando de ombros. — Cara, o que está acontecendo contigo? Ultimamente você está se importando com as coisas mais banais?
— Não é um motivo banal, Hope. Eu realmente gosto da Malu.
— Tudo bem, eu entendo. Mas, ela te trata tão mal que...
— Ela só não me dá uma chance porque tem medo de se apaixonar por mim. – Pensei um pouco, fazia sentido — O que as amigas dela diriam se ela namorasse o bonitão aqui?
— Você quis dizer esquisitão? – Ele me olhou rindo e dando um soco em meu braço.
— Não engraçadinho, eu quis dizer bonitão mesmo. O esquisito aqui é você. – Franzi a testa na mesma hora. — Não lembra que o meu pai vive nos chamando de...
— Cara – o interrompi incrédulo — Você realmente acredita em tio Joe quando ele nos chama de "bonitões"? – Fiz sinal de aspas.
— E por que eu não acreditaria nessa verdade? – Ele ergueu as sobrancelhas, me fazendo gargalhar.
— Ok, bonitão. – Levantei os braços em sinal de rendição — Se você quiser, eu falo com a Malu e...
— Não cara, assim não tem graça. – Ele respondeu indignado e eu prendi a risada. Jackson se amansou aos poucos e ficou sorrindo sozinho enquanto olhava para Malu — Não quero que ela faça isso só porque você pediu.
— Ei vocês – o treinador nos chamou — Chega de moleza, venham.
— Como assim? – Eu perguntei confuso.
— Nós somos reservas. – Jackson disse por nós.
— Não mais, Max e Steve se machucaram.
— Mas o senhor disse que...
— É, eu sei o que eu disse, mas até que vocês não são tão péssimos. – Nos entreolhamos incrédulos. — Estão esperando que eu traga os bonitões no colo?
— Ouviu isso? – Jackson me olhou satisfeito e eu rolei os olhos, já sabendo ao que ele se referia — Bonitões. –¬ Ele deu uma piscadela, enquanto corria ao centro da quadra e eu ria alto, o acompanhando.
Terminamos o jogo e fomos direto para o banho. Os garotos da nossa turma ficaram nos elogiando, não fizemos um mal jogo realmente. Já os caras do time adversário ficaram furiosos, mas eu não os culpo, também ficaria irritado se tivesse pensado o mesmo, mas o plano falhasse.
— Você está querendo dizer que foram eles que colocaram os cacos de vidro dentro do nosso tênis? – Steve perguntou incrédulo.
— Cara, pensa bem. – Eu comecei — Você e Max são os melhores jogadores do nosso time, não é estranho que se machuquem ao mesmo tempo?
— Ainda mais da forma que foi. – Disse Han.
— E então, de repente, o treinador tira dois bonitões do banco reserva que destroem todos os adversários, durante toda a partida. – Jackson disse empolgado.
— Você quis dizer esquisitões. – Max disse fazendo os outros rirem.
— Tanto faz – Jackson respondeu sem se afetar — Mas isso explica a raiva que eles estão sentindo.
— Galera, eu também pensei nisso e faz sentido. – Vez de Luke.
— Faz sentido? Desde quando você pensa, Luke? – Max disse o provocando.
— Desde que ele ficou com a Eve na biblioteca. – Han o entregou e Max só não avançou em cima de Luke porque estava com o pé machucado e Steve o impediu.
— Nós só estávamos estudando, qual é o problema?
— O problema é você, então fique longe da minha irmã. – Max o avisou novamente e Luke bufou desapontado.
— Cara, você é fofoqueiro, hein. – Jackson disse a Han, fazendo os caras concordarem.
— Galera, vamos voltar ao foco que é o time adversário. – Todos me olharam — Tenho quase certeza que foram eles que colocaram esses cacos de vidro em seus tênis, mas só as câmeras poderão dizer.
— Não temos câmeras aqui no vestiário. – Luke disse confuso.
— Mas temos na parte externa do vestiário. – Han disse e os garotos ficaram pensativos.
— E o que isso quer dizer? – Steve perguntou.
— Que se assistirmos as gravações, poderemos saber em qual horário vocês calçam o tênis na quadra e se machucam. – Respondi simples.
— E poderemos ver o que eles estavam fazendo neste mesmo horário. – Disse Han, mais uma vez.
— Isso não quer dizer nada. Eles estavam com a gente na quadra. – Vez de Max.
— Será? – Jackson deixou a pergunta no ar e todos se entreolharam.
Fomos até a sala de áudio e vídeo, pedir para Scott nos deixar assistir as gravações dos jogos.
— Se vocês estragarem os meus bebês, eu falo com o treinador para não deixar vocês participarem dos próximos jogos. – Ele já ia saindo.
— Até parece que ele vai deixar de fora dos jogos os melhores do time só porque você quer. – Max disse o óbvio.
— Então eu – ficamos esperando Scott responder — Uso a gravação que tenho de vocês jogando ovos podres em um aluno.
— Só para deixar claro, eu não participei disso. – Jackson se defendeu mais que depressa.
— Eu também não. – Disse quase ao mesmo tempo que meu irmão.
— Ah Scott, era aniversário dele. – Steve se justificou.
— Será que o diretor Holt sabe disso? – Scott riu maléfico.
— Todo mundo faz isso no aniversário. – Disse Luke, se tremendo de nervoso.
— Não, Luke. Nem todo mundo. – Scott respondeu se divertindo com o desespero dos garotos.
— Ah, que droga! – Max bufou de raiva. — O meu pai vai me matar.
— Não farei nada a menos que vocês não estraguem as minhas gravações! – Ele disse firme e saiu da sala, nos deixando sozinhos.
— Estou lembrando agora, ainda não fizemos o mesmo com Jackson.
— E nem faremos – Steve disse desanimado.
— Vamos assistir logo a essas gravações. – Eu disse iniciando a reprodução de minutos antes do jogo de hoje.
Depois de quase meia-hora...
Chegamos à conclusão de que não teríamos provas contra os garotos e que não adiantou em nada matar aula.
— Eu sabia que não daria em nada. – Max reclamou, já saindo da sala.
— Espera – Han o impediu — Volta a gravação 10 segundos da gravação e reparem no cara de vermelho.
— Parece que o dedo dele está sangrando. – Luke notou.
— Deve ter se cortado quando colocou os cacos no nosso tênis. – Disse Steve.
— Também pode ter mandado alguém executar o plano, não necessariamente foi ele. – Eu fiz a observação.
— Mas o que não pode ser descartado é que ele está com o dedo cortado e no chão da quadra podem estar as gotas de sangue. – Han disse pensativo — Precisamos verificar.
— Porque quase no mesmo momento que ele sai do vestiário com o dedo sangrando, entram vocês e pouco tempo depois o Luke corre e fala com o treinador. – Eu disse.
— E então nós somos levados à enfermaria. – Max disse irritado — Foram eles. Só pode ter sido eles.
— Esses caras vão ferrar com a gente. – Luke disse indignado.
— Na verdade, eles já fizeram isso. – Steve comentou, olhando para o seu pé. — Já tinha me cortado antes, mas nunca pensei que levaria tanto ponto.
— Está reclamando do que, Steve? O meu corte foi ainda mais profundo que o seu. – Max contestou e respirou fundo. — Eu vou acabar com eles.
— Seu pai acabaria contigo também, então não vale a pena. – Steve disse sincero.
— Vamos só levar isso ao diretor Holt e depois vemos o que acontece. – Eu disse fazendo uma cópia da gravação.
Mostramos a cópia da gravação ao diretor e ele parecia ainda mais sério que o normal.
— Eu fiquei sabendo sobre o que aconteceu e lamento, garotos. Vocês já venceram muitos jogos para a escola, mas agora precisam de uma pausa.
— Isso quer dizer que...
— Não, Max. Não vou te liberar das aulas, suas mãos estão em perfeito estado e a mente também... Ou quase. – Nós nos entreolhamos, segurando a risada — Quero dizer que vocês precisarão de tempo para se recuperarem por completo.
— Mas e quanto aos outros garotos, não irá punir eles? – Steve perguntou meio alterado.
— Se acalme, garoto. Nós faremos com quem os culpados assumam o que fizeram. – Ele assentiu, ainda chateado — Mas por enquanto, não posso fazer nada por vocês além de desejar que melhorem logo.
— Que enrolação! – Han disse quase em um sussurro.
— O que foi que disse, Han? – O diretor Holt o perguntou e ele arregalou os olhos — Quer ficar na detenção? Ou levar suspensão?
— Só acho que o senhor está aliviando para eles.
— E que tal você ficar para a detenção por contestar a minha palavra?
— Isso aqui agora é um tribunal? – Luke perguntou num tom elevado e o diretor Holt apenas manteve sua expressão séria.
— Se fosse, você seria condenado. – Ele nos olhou tranquilamente — Agora saiam e vão já para a sala. Ou pensam que eu não sei que estão matando a aula de Religiões e Seus Idiomas?
— Nem percebemos que o intervalo já tinha terminado. – Jackson falou rindo bobo e o diretor Holt manteve sua face séria.
— Saiam! – Nos ordenou firmemente e saímos rápido.
— Agora é só esperar para ver o que acontece – eu disse simples e os garotos concordaram.
Fomos para a sala e o professor Harrison nos olhou assustadoramente.
— Os bonitões vão ficar aí parados atrapalhando a aula ou pedirão licença e se sentarão para assistir?
— Com licença, professor Harrison – Max pediu debochado, se sentando no seu lugar de sempre.
— Não estou com paciência para gracejos hoje, Max. – Ele o repreendeu e o garoto ergueu os braços em rendição. — Se sentem logo. – Ele nos ordenou e continuou a aula. — Como eu estava dizendo antes, shalom é um termo muito utilizado pelos hebreus para saudações e despedidas, que significa...
— A paz. – Eu disse quase em um sussurro, mas o professor Harrison escutou e olhou para mim. Droga!
— E quanto a shalom aleichem, que também é o nome de uma canção?
— Que a paz esteja convosco.
— Baruch adonai?
— Bendito é o Senhor.
— Parabéns, Hope. Continue se dedicando assim aos estudos. – Eu assenti e os caras ficaram me zoando. Dei de ombros, rindo.
— Desde quando você sabe hebraico? – Jackson me perguntou em voz baixa.
— Desde quando eu me ferrei na última prova. – Ele reagiu como se tivesse lembrado da nossa nota.
— É, eu tinha me esquecido que também fui mal. – Respondeu preocupado.
— Jackson, quer responder também? Então vamos lá – professor Harrison disse e o meu primo se desesperou — O que significa hallelujah?
— Glórias a Deus? – Ele respondeu com uma pergunta, parecia confuso.
— Louvai ao Senhor, seria o correto, mas percebo que você está se dedicando. – O professor respondeu simples.
— Amen – Max disse, rindo.
— Olha quem resolver nos surpreender hoje. – O professor disse num tom sarcástico, sabia que Max estava debochando. — Qual é o nome do terceiro mês do calendário hebraico?
— Sivã. – Max respondeu sorrindo satisfeito.
— Certo, você está indo bem. – Professor Harrison assentiu, e andou um pouco pela sala, misterioso. — Então me diga, qual é a origem da palavra malakós?
— Do hebraico, ora! – O professor soltou uma risadinha e retornou à sua mesa. — Espere, não é do hebraico?
— Algum de vocês pode responder ao colega? – Professor Harrison olhou ao redor da sala e parou o olhar diretamente em mim. Neguei com a cabeça. — Me tragam a resposta na próxima aula, valendo 0,5 ponto. Estão dispensados.
Olhei para Jackson que ainda estava guardando o material e saímos da sala. Passamos pelo bebedouro, estava sujo de cocô de pombo, então eu desisti de beber a água, mas meu primo foi corajoso.
— Você é nojento! – Malu disse enquanto se aproximava com a irmã.
— Obrigado. – Jackson sorriu bobo.
— Não foi um elogio – ela disse incrédula.
— Eu sei, mas vindo de você é como ouvir que sou bonitão. – Malu me olhou com a testa franzida e eu apenas ri, negando com a cabeça.
— Enfim, eu só queria te desejar um feliz aniversário. – Ela o abraçou rapidamente, olhando ao seu redor preocupada.
— Obrigado. Muito obrigado mesmo. – Ele alargou o sorriso, mas de repente, o desfez — Foi o Hope que te pediu para fazer isso?
— Não, eu fiz isso pela amizade que um dia tivemos. – Respondeu sincera, mas pela expressão de Jackson, ele continuava desconfiado.
— Cara, eu estava contigo o tempo todo, como teria tempo de pedir algo a Malu?
— E eu estava o tempo inteiro com a minha irmã, posso te afirmar que ela foi bem espontânea. Aliás, como eu nunca vi antes. — Mila parecia estar provocando a irmã, já que Malu a olhou torto. — Acredite, ela não é tão má... Só as vezes. – Disse, parando para pensar.
— Não me provoca, Mila. – Malu pediu, fazendo a irmã rir fraco — Não se esqueça que eu sei do seu segredo. – Mila arregalou os olhos.
— Você não...
— Sim, eu teria coragem. Você sabe que eu tenho! – Malu a olhou de sobrancelhas erguidas e a irmã suspirou. — Então meninos, nos vemos sábado.
— Sábado? – Jackson perguntou confuso e eu olhei furioso para Malu, que engoliu o seco.
— Talvez a gente se esbarre por aí, quem sabe – ele forçou um sorriso e puxou a irmã, que se despediu dando um sorriso meigo.
— O que ela quis dizer? – Meu irmão estava intrigado.
— Que tudo pode acontecer.
— Será que...
— Como eu disse: tudo pode acontecer. – Repeti enquanto ainda admirava Mila. — Cara, eu vou para casa daqui mesmo, preciso ir pagar umas contas com a minha mãe.
— No dia do meu aniversário? – Ele parecia indignado — Você vai me fazer ficar chateado? – Perguntou de forma melancólica.
— Desculpa, a gente pode se encontrar amanhã, mas hoje não dá.
O deixei lá parado e agi rapidamente, indo para o ponto de ônibus. Minha mãe já devia estar à minha espera.
— Por que essa demora? – Minha mãe perguntou estressada.
— Eu estava com Jackson.
— O combinado foi o que? – Ela cruzou os braços, estava mesmo irritada.
— Desculpa – pedi, mesmo achando sua reação exagerada.
— Tudo bem. – Respondeu entredentes, já entrando na loja. — Já tenho aqui na lista tudo o que vou fazer, enquanto pego as coisas da decoração, você escolhe as fantasias. – Assenti e fui até a seção de fantasias.
Achei uma do Kick-Ass no tamanho do Jackson, levaria para ele. Até pensei em levar a fantasia do Capitão América, mas não cairia bem, tenho certeza.
Escolhi uma roupa de policial para tio Joe, o problema era o tamanho que eu não sabia. Corri até a minha mãe para perguntar, ela sempre sabia de tudo, mas preferiu me acompanhar para ver a roupa pessoalmente.
— Este tamanho aqui – ela pegou a peça — Joe de policial, que gracinha.
— Ok. – Rolei os olhos, procurando pela minha roupa.
— Por que não se veste de Elvis Presley? – Ela me mostrou a peça de roupa.
— Porque essa fantasia é ridícula e vai acabar afastando as garotas de mim.
— Então é perfeita – ela já ia colocando no carrinho.
— Mãe, me deixa escolher o que eu quero. Você mesma disse para eu escolher uma fantasia bem bonita.
— E esta é feia? – Ela me olhou séria e eu suspirei.
— Sei o que está tentando fazer, mãe, mas dessa vez não vai dar certo.
— Droga! – Ela deixou a roupa de qualquer jeito no cabide e saiu andando com o carrinho.
Deixei ela ficar um pouco sozinha, estava mesmo precisando respirar.
Dei uma olhada em mais algumas fantasias, até que vi a do Flash e meus olhos quase saltaram. Me aproximei da roupa, era peça única e só tinha o meu tamanho.
— Obrigado, Deus. – Disse, sorrindo bobo.
— Por que está falando sozinho? – Minha mãe já estava segurando outra roupa.
— Vou levar esta fantasia – mostrei a ela — E a senhora não vai me convencer a levar essa roupa aí.
— Não era mesmo a minha intenção, essa aqui é para mim. – Eu dei de ombros, olhando mais uma vez minha fantasia — A menos que você queira ir de Mulher-Gato.
— Ah não, obrigado. – Ela riu fraco, já indo para o caixa. — Já estamos indo embora?
— Sim, por que? Quer ficar? – Ela riu novamente.
— Até que não foi tão ruim.
— Só quero que você embale os produtos nas sacolas e leve tudo que está neste carrinho, sozinho. – Me arrependi na mesma hora do que eu disse.
Enquanto Jackson estava se divertindo com tio Joe, eu estava servindo de cabide gigante para a minha mãe. O que a gente não faz por um irmão...
— Estou tão cansada – minha mãe se espreguiçou, ao chegar em casa.
— Eu também. – Coloquei as sacolas em seu quarto e voltei para a sala. — Posso tomar um banho antes de você?
— Filho, eu te amo. Mas não, o meu banho é quase sagrado. – Ela pegou sua toalha e correu para o banheiro.
Fui para a cozinha e abri a geladeira, tirei as panelas de comida, as colocando sobre a mesa. Aprontei os nossos pratos e os esquentei no micro-ondas. Fiz um suco de abacaxi rapidamente e o deixei também sobre a mesa.
Deixei a mochila em meu quarto e já tirei da gaveta a roupa de dormir. Enquanto esperava minha mãe sair do banheiro, fiquei lembrando do sorriso encantador de Mila e de sua voz inconfundível. Não conseguia parar de pensar se ela iria ou não a festa do Jackson, mas estava torcendo que sim.
— Pronto filho, pode ir. – Ouvi minha mãe dizer e peguei minha roupa, levando ao banheiro.
Tomei um banho um pouco demorado, talvez assim eu relaxasse mais. Porém minha mãe ficou me chamando para jantar logo, sabia que ela estava querendo assistir novela.
Vesti minha roupa e segui para a cozinha, pegando o meu prato e o copo de suco.
— Faça a oração de agora. – Ela pediu.
— Elohiym, te agradecemos por mais este dia de vida, estudo e trabalho. Te agradecemos pela vida do Jackson e pedimos que o Senhor continue o abençoando em todos os momentos de sua vida. Yaveh, queremos te pedir também que dê tudo certo na festa dele e agradecemos desde já pelo nosso alimento e por tudo. Em nome de Jesus, amen.
— Amém. – Minha mãe me olhou estranhamente, parecia assustada.
— Que foi?
— Você falou em língua estranha. – Eu ri forte.
— Língua estrangeira, eu diria – ela franziu a testa — É só hebraico.
— E desde quando você se interessa por isso?
— Desde quando comecei a ter aulas na Thanicia High School. – Ela parecia surpresa e eu não contaria que tirei nota baixa na última prova, mesmo que ela ainda fosse saber, de qualquer forma.
— Mas eu só conheço a nossa língua, então por favor, fale comigo através dela. – Eu ri mais uma vez e comecei a comer.
Terminamos o nosso jantar e eu me sentia cansado, mas não como os dias rotineiros. Era um cansaço diferente.
— Mãe, vou dormir. Boa noite.
— Mas já? – Assenti — Está passando um filme tão legal, não quer assistir comigo?
— Tenho escolha? – Ela negou com a cabeça e eu apenas deitei no sofá, me aconchegando a ela. — Se eu dormir em meio ao filme, não me culpe. Estou cansado.
Logo avisei para depois não reclamar comigo, como sempre fazia. E eu realmente apaguei antes do filme terminar.
Finalmente, o dia da festa chegou...
Já estava quase na hora de começar, fizemos toda a arrumação na garagem do tio Joe, ao lado do hortifrúti e deixamos a fantasia de Jackson em cima da cama dele, imaginamos que a sua reação seria colocar a roupa e sair do quarto já vestido, nos mostrando como ficou. Nessa hora, todos os convidados já tinham chegado, só estávamos esperando ele descer.
— Gente, eu amei essa fan...
— Surprise! – Dissemos todos em uma só voz.
— Eu não acredito! – Ele sorriu bobo — Como conseguiram esconder de mim?
— Foi fácil, só precisávamos manter Luke afastado de você. – Steve respondeu brincalhão, quando eu reparei em sua fantasia do Elvis Presley. Agradeci a Deus, mentalmente por estar usando uma diferente e minha mãe me olhou, fazendo careta.
— E Hope, sei que foi você quem escolheu a fantasia – eu assenti — Por que não a do Capitão América?
— Você precisaria de mais músculos para preencher àquela roupa. – Ele me deu um soco no braço e eu ri de sua expressão de magoado — Mas essa ficou ótima em você, aliás, parece que foi feita para você.
— Pare de debochar! – Ele me deu outro soco.
Tio Joe aumentou a música e a galera começou a fazer a festa acontecer.
Olhei ao meu redor, reparando nas fantasias. Algumas eram terríveis, mas outras eram muito legais.
— Quem é aquela de Mulher-Gato? – Ele apontou.
— Minha mãe?
— Agora entendo porque meu pai se apaixonou.
— Cala a boca! – Minha vez de dar um soco nele.
— Aí cara, o diretor Holt expulsou àqueles garotos da escola. – Max disse, e só então, reparei em sua fantasia de George Michael. — Queria ter acabado com eles antes disso, mas nem tive tempo.
— Agora nem vale mais a pena. – Luke disse, observando Eve de longe. Ele estava fantasiado de Prince.
— Para quem você está olhando? – Max o perguntou, destruindo o seu copo descartável.
— Para a menina fantasiada de Bailarina. – Mentiu, já que Eve estava vestida de Branca de Neve.
— Relaxa e curte a festa, cara. – Han disse, já procurando por comida e Max apenas saiu de perto. Han estava fantasiado de Bruce Lee.
— Nossa, aquela ali é a Malu? – Jackson apontou para uma menina de costas.
— É sim. – A identifiquei pelo cabelo. — Vampira, gostei.
— É hoje que eu viro vampiro, meu irmão. – Jackson gritou e foi dançando em direção a Malu, que o abraçou para a minha surpresa.
Será que Jackson estava certo em dizer que Malu tem medo de se apaixonar por ele?
Fiquei um tempo observando os casais se formarem. Alguns dançavam, outros quase se transformavam em uma só carne ali mesmo, outros apenas compartilhavam sua comida e eu, estava sobrando, como sempre.
— Está sobrando também? – Mila surgiu ao meu lado, fantasiada de Kim Possible.
— Eu achei que você não fosse vir – ela franziu a testa — Quero dizer, a Malu disse que você não gosta de festas.
— Mentira, eu sou mais festeira que ela.
— O quê?
— Mas não do jeito que está pensando – ela riu um pouco — Eu só gosto de dançar.
— Eu não pensei em nada, só fiquei surpreso. – Ela assentiu, ainda rindo — Então você dança?
— Sempre que ouço alguma música legal, o meu corpo é levado por ele mesmo ao centro da pista.
— Eu tenho a mesma sensação. – Eu ri ao lembrar.
— Por que não compartilhamos essa sensação? – Ela ergueu as sobrancelhas.
— Agora? – Perguntei olhando a minha volta.
— Sim, vamos dançar! – Ela puxou o meu braço, e só paramos na pista de dança.
Começou a tocar e eu comecei a balançar o corpo lentamente e ela fez alguns movimentos de Jazz e Sapateado.
— Minha dança é um pouco mais bruta. – Eu disse em seu ouvido e ela me olhou, sorrindo misteriosa — Quero dizer, não sou tão delicado enquanto danço.
— Não seja por isso – ela fez um passo de Hip-Hop e eu fiquei boquiaberto. — Sua vez.
Depois de ver Mila, fiquei ainda mais animado para dançar e não resisti, fui deslizando os pés até ela, então dei um giro rápido e deixei os pés trabalharem sozinhos, pondo as mãos para trás.
Mila ficou à minha frente e eu coloquei uma mão em sua cintura, ela curvou suas costas para trás enquanto mexia os ombros. Me afastei, passando uma perna por cima de seu corpo e a puxando de volta pela nuca. Mila se soltou e deu um salto, começando uma dança ainda mais forte e eu usei o popping e ela fez o mesmo, foi quando alarguei meu sorriso e seguimos dançando como se não houvesse amanhã.
A música terminou.
Só então percebemos que os olhares estavam voltados para nós.
— Você é incrível! – Eu disse sem nem perceber, mas não voltei atrás em minhas palavras, era a verdade.
Ela sorriu confiante e saiu pelo meio da aglomeração de pessoas que me rodeava. Fiquei a observando até sair do meu campo de visão, e não demorou.
— Que isso, meu irmãozinho?! – Jackson me abraçou empolgado — Vocês colocaram isso aqui para pegar fogo, tem noção?
— Cara, acho que estou apaixonado – confessei, olhando ao meu redor tentando procurar por Mila.
— Disso eu já sabia. – Eu o olhei entediado.
— Jackson, vai curtir a sua festa e me deixa. – Ele saiu rindo.
— Desde quando você dança tanto assim, garoto? – Tio Joe perguntou surpreso.
— Sem querer me gabar, mas desde sempre. – Minha mãe assentiu — Meu pai que me proibiu.
— Mas isso já passou e agora mais que nunca, eu te apoio a voltar a dançar. – Minha mãe disse orgulhosa.
— Sim, volte logo a dançar antes que apareça o Flash Reverso para te impedir. – Franzi a testa — Melhor dizendo, o Bruce Lee. – Olhei a minha frente e a aglomeração de pessoas já havia se desfeito, o que me deu uma ótima visão de Han conversando com Mila.
Disfarcei um pouco na mesa de salgadinhos e peguei um copo de suco, levando até Mila.
— Ei Hope, devo dizer que você arrasou naquela pista, não teve para mais ninguém. – Han disse, assim que eu me aproximei — Depois da Mila, é claro.
— Claro, depois de tanta dança pensei que estivesse com sede, então trouxe isto para você. – Mostrei a ela o copo de suco e a entreguei.
— Obrigada, Hope. – Ela sorriu gentilmente, me fazendo sorrir junto — Você dança demais!
— Você acha mesmo?
— Sim, eu ainda estou impressionada!
— Bem, eu vou comer mais um pouquinho. – Han disse, se aproximando da mesa rapidamente. Acho que ele percebeu que estava sobrando.
— Obrigada por aparecer agora, Han já estava me incomodando.
— Ah, não me agradeça por isso. Na verdade, é um prazer ter sua companhia. – Ela sorriu envergonhada.
— Então, eu fiquei sabendo que você, Jackson e minha irmã eram amigos. – Desviou o assunto.
— Sim, na infância.
— É uma pena que vocês tenham se afastado, seria legal convivermos juntos. – Levantei o meu olhar na altura de seus olhos e ela me olhava intensamente. — Eu gostaria de conhece-los melhor.
— Teríamos o maior prazer em incluí-la em nosso ciclo de amizade. – Disse sincero e ela deu meio sorriso, ainda me olhando com a mesma intensidade. — Você quer subir? Aqui está meio barulhento.
— Não que o barulho vá diminuir tanto.
— Mas o suficiente para conversarmos melhor. – Ela assentiu, se locomovendo até a escada.
Ficamos conversando na sala, por muito tempo...
Nem nos demos conta que a hora havia passado tão rápido. Mas eu não estava me importando, só queria mesmo estar na companhia de Mila.
— Acho que meu pai já deve estar vindo nos buscar, ele disse que viria às 23:00h. – Ela se levantou, indo em direção à janela, no corredor perto do quarto do Jackson — Pode me ajudar a procurar por Malu?
— Claro.
Ficamos observando a movimentação dos convidados, tentando encontrar Malu no meio deles, até que avistamos Steve dançando.
— Você está vendo o mesmo que eu? – Ela perguntou.
— Se for o Steve dançando igual uma tripa sendo eletrocutada, sim. – Eu disse rindo alto e ela gargalhou forte.
Conforme nós íamos enfraquecendo a risada, nossos olhares um ao outro se intensificaram e eu me aproximei dela, acariciando o seu rosto.
Sentia sua respiração bater contra a minha boca e eu ficava nervoso a cada suspiro que eu dava. Mila também parecia acanhada, mas demonstrava querer isso tanto quanto eu.
A beijei delicadamente e eu senti seus braços se envolverem em minha cintura, enquanto eu ainda acariciava o seu rosto.
Ouvimos alguns gritos e nos separamos, assustados. Olhamos para a janela e todos nos assistiam batendo palmas. Mila me olhou rindo e puxou meu braço para outro canto, ela me prensou contra a porta do quarto de Jackson e me beijou ousadamente, mas a porta se abriu e nos deparamos com Malu e ele também se beijando.
— O quê? – Gritamos em uma só voz.
— Eu não consigo acreditar que os meus olhos visualizaram essa cena. – Malu confessou, empurrando Jackson e se levantando da cama.
— Muito menos eu, você disse que nunca ficaria com o Jackson.
— Abri uma exceção pelo aniversário dele.
— Malu – Jackson a chamou, mas ela não o olhou — Isso é sério? Você disse que gosta de mim.
— Sempre gostou. – Mila entregou a irmã, que a olhou furiosa — É um absurdo dizer isso a ele, ainda mais agora. Você vai é estragar o aniversário dele.
— Olha só, quem sabe da minha vida sou eu. – Malu se defendeu — E Jackson, você realmente acreditou em minhas palavras? Por que achou que eu gostaria de você?
— Porque eu sou o único que te suporta. – Ele disse sem remorso e eu não vou mentir, gostei. Malu vive o humilhando, ele precisava dar um basta. — Você se acha a absoluta, mas a verdade é que os garotos te acham bonita, e só. É como se você não tivesse conteúdo para eles. – Malu parecia indignada, mas alguém precisava dizer a verdade a ela.
— Então eu sou obrigada a ficar com você porque nenhum outro irá me suportar? – Ela riu debochada.
— Eu não quis dizer isso, mas você não terá as pessoas aos seus pés para sempre. Uma hora isso tudo vai acabar e você ficará sozinha. – Malu engoliu o seco, parecia realmente afetada.
— É por essas e outras que eu não poderia ter você como namorado, Jackson.
— Sabemos disso – Eu me intrometi — Você não o merece.
— Escute aqui...
— Malu, deixa – Mila olhou para a irmã e negou com a cabeça — Vamos para casa.
Elas saíram sem se despedir e depois eu fiquei me perguntando se realmente devia ter falado aquilo para Malu, acredito que tanto ela quanto a irmã ficaram chateadas e com razão, mas o meu primo precisava de apoio moral.
— Cara – olhei para Jackson, que se sentou na cama derrotado — Eu sou um idiota mesmo.
— Isso não é verdade! – Eu disse firme e ele me olhou — A Malu precisa de um pouco mais de humildade. Não importa as suas preferências, seus gostos, ela precisa aprender que do mesmo jeito que ela não gosta de ser maltratada, ela não deve maltratar.
— É – ele respirou fundo — A festa perdeu a graça para mim. – Ele tirou a sua máscara.
— Isso é sério, Jackson? – Ele ergueu suas sobrancelhas — Você está se deixando abater por causa da Malu e ela não merece isso.
— Cara, você não precisa ficar com raiva dela por minha causa, vai acabar se prejudicando com a Mila e isso eu não quero.
— Jackson – ele se deitou, apagando a luz do abajur.
— Só me deixe aqui sozinho, Hope. – Respirei fundo — Espero que você entenda.
— Claro. – Fechei a porta do quarto dele e desci. — Galera, fim de festa.
— Parece que as coisas não deram certo com as gêmeas, né? – Max debochou.
— Suma logo daqui, garoto. – Tio Joe o ordenou e ele ergueu as mãos, saindo com os outros caras. — Vocês ouviram o meu filho, a festa acabou.
O pessoal reclamou, reclamou, mas saíram todos, sem deixar um só docinho sobrando.
— Agora me conta, o que aconteceu? Cadê o Jackson?
— Tio, ele está chateado.
— Foi àquela menina nada humilde de novo? – Minha mãe perguntou preocupada e eu assenti — Eu vou falar umas verdades para ela e...
— Não precisa, Jackson já fez isso. – Eu disse simples e tio Joe arregalou os olhos.
— Ele a destratou? – Perguntou preocupado.
— Não, a indelicadeza foi da parte dela. – Rolei os olhos.
— Isso vai passar.
— Os anos se passaram, mas o sentimento dele por ela não.
— A gente conversa sobre isso amanhã, agora vamos tomar um banho e relaxar. – Minha mãe disse, já entrando.
— Vamos dormir aqui? – Ela assentiu — Tudo bem, amanhã eu ajudo vocês a limpar a garagem.
— Com toda certeza, você vai ajudar! – Tio Joe deu umas tapas em meu ombro e entrou junto com a minha mãe.
Olhei ao redor da garagem vazia, parecia que um furacão tinha passado por ela e já imaginava o trabalho que daria para limpar tudo.
Alguns dias se passaram...
Jackson ainda estava chateado, mas voltou ao seu humor original; pura alegria.
Malu continuava a ignorar a nossa existência, mas isso não me afetava. O que realmente me afeta é a frieza com que Mila me trata.
Estávamos no intervalo, Jackson foi ao banheiro e eu aproveitei para falar com ela.
— Mila – ela me olhou — Me desculpe mais uma vez por ter tratado a sua irmã daquela forma.
— Eu sei que você não se arrependeu, então não peça desculpas.
— Você está tomando as dores dela.
— Do mesmo jeito que você tomou as dores do Jackson.
— Então, tente me entender. – Ela parou para pensar e suspirou.
— Tudo bem, mas não podemos deixar que isso aconteça de novo – assenti — Os problemas de Jackson e Malu não nos pertencem.
— Tem razão. – A roubei um selinho.
— Eu tenho uma novidade para você. – Ela tentou conter o sorriso, tentativa falha. — Minha tia tem uma escola de dança aqui no bairro e deixou você fazer aulas gratuitas lá.
— O que? Você pediu a ela? – Mila assentiu — E o que ela disse?
— Que ela quer te dar as aulas, pessoalmente. – Engoli o seco — Mas eu estarei contigo em todas elas, então fique tranquilo.
— Tudo bem.
— A primeira aula será hoje à noite, me encontre nesse endereço – ela me entregou um papel — Te vejo mais tarde. – Me deu um beijo rápido e saiu.
— Então vocês estão bem de novo? – Meu primo perguntou, pegando sua mochila.
— Parece que sim – me levantei — Agora vamos para a aula.
À noite:
Encontrei Mila em frente à SMAP Wings Dance Company e ela me levou para conhecer todo o lugar.
— Aí estão vocês. – Disse uma mulher alta e de postura impecável, assim que entramos na sala.
— Tia, esse é o Hope. – Mila me apresentou e a mulher não esboçou nenhuma expressão.
— É um prazer conhece-la, senhora. – Ela esticou a mão para que eu beijasse.
— Igualmente, jovenzinho. – Ela aumentou o volume da música — Agora me mostre tudo o que você sabe.
Eu assenti e ao som de , mostrei todas as minhas habilidades, até que ela diminuiu o volume.
— Gostei de como você se expressa, de forma doce e ao mesmo tempo bruta. Gosto das suas expressões faciais, mas precisamos trabalhar a sua postura.
— Tudo bem, eu estou disposto a tudo.
— Daqui a dois dias temos um concurso, já penso em te inscrever em um solo.
— Daqui a dois dias? Apenas dois dias?
— Você não está disposto a tudo? – Ela me lançou um olhar desafiador e eu assenti firmemente — Então, traga mais um prêmio a SMAP Wings Dance Company.
Final do concurso:
Eu havia vencido com o meu solo de em segundo lugar. Inclusive, o meu figurino me ajudou muito a ganhar pontos, pois a calça preta justa e rasgada nos joelhos, contrastou com o branco do meu casaco, e o tênis da mesma cor com o boné vermelho foi o destaque em todo o visual, dando aos meus movimentos um efeito arrepiante.
— Eu sabia que você conseguiria. – Mila disse empolgada e eu sorri ao sentir seu abraço.
— Obrigado. Muito, muito obrigado pelo apoio! – Disse em seu ouvido. — E obrigado por estar na minha vida, em pouco tempo você me trouxe mais felicidade.
— Você também. – A levantei no ar e ela riu forte, me beijando logo em seguida.
— Filho – minha mãe me chamou com tio Joe ao seu lado e eu me aproximei deles com Mila — A apresentação foi linda e eu estou muito orgulhosa de você!
— Obrigado. – Abracei a minha mãe. — A senhora sabe que eu só voltei a dançar pela sua motivação e apoio. E estou aqui hoje pelo incentivo de Mila. – Ela sorriu tímida.
— Obrigada por isso, minha querida. – Minha mãe a abraçou também.
— Você fez um ótimo trabalho esta noite, bonitão. – Tio Joe me olhou engraçado e eu ri, o abraçando. — Jackson não pôde faltar ao seu treino hoje, ele vai participar de um campeonato semana que vem, mas eu gravei tudo e ele vai assistir em breve. – Eu assenti compreensivo.
Olhei para o palco e sorri sozinho com a satisfação em ter feito um bom trabalho.
— Segundo lugar? Isso é ótimo! – A tia da Mila me olhou surpresa — Depois de apenas dois dias de ensaios repetitivos e cansativos, você provou que o quanto quer estar aqui, o quanto quer a dança para a sua vida. Estou orgulhosa. – Ela finalmente sorriu.
— E qual é a próxima? – Mila perguntou curiosa.
— Vocês têm um dueto para o próximo fim de semana, quero ver a química de vocês também no palco. – Nos entreolhamos preocupados. — Yo tengo una danza muy caliente para ustedes; salsa. – Disse empolgada e confiante.
— Estamos em semana de prova. – Eu disse.
— Ótimo, terão de dar duro para ter boas pontuações em provas distintas. – Ela respondeu simples e aumentou o volume do som — Sem perder tempo, façam este movimento. – Ela nos mostrou e nós repetimos. — Hope, estique mais a sua perna esquerda e tente alongar o corpo com mais suavidade.
Sábado, noite da competição:
Mila e eu já estávamos prestes a entrar no palco, cada um de um lado. Mila vestindo uma saia vermelha longa, com um rasgo no meio da coxa até o pé, e a blusa também vermelha, mais parecida com um cropped de mangas compridas e largas, com o cabelo meio preso e descalça. Eu, de camisa vermelha e preta, levemente aberta no peito com uma calça justa, porém meio larga nos tornozelos.
Nos entreolhamos de longe e assentimos com a cabeça, o momento era de concentração. Até que fomos anunciados e Mila entrou já se posicionando, até que começou: ", ooh na na. Half of my heart is in Havana, ooh na na..." e ela foi se movimentando lentamente. Entrei dançando solo, logo me achegando a ela e deixando a música nos envolver, enquanto cumpríamos os passos ensaiados, de forma não robótica, mas com espontaneidade e sensualidade.
— Em terceiro lugar, da SMAP Wings Dance Company, o dueto Havana. – O mestre de cerimônia anunciou, nos fazendo dar um salto de alegria antes de pegar o prêmio.
Caminhamos até o centro do palco e eu abracei Mila, enquanto segurava o prêmio. Olhei para a plateia e encontrei a minha mãe gritando emocionada, meu coração quase transbordou de tanta alegria.
Como se o mundo tivesse ficado em câmera lenta e não existisse mais ninguém além de nós, eu sibilei: "este aqui eu te dedico!" e ela assentiu, alargando o sorriso.
— Terceiro? – A tia da Mila nos abraçou, incrédula — Eu estou muito feliz por vocês, estamos no caminho certo!
— Obrigado por todo ensinamento, senhora. – Eu disse, de coração.
— Não me agradeça ainda, temos muito trabalho pela frente. – Ela disse firme — Me agradeça quando já estiver onde você quer chegar. – Assenti, sorrindo fraco — Semana que vem, teremos uma competição em grupo.
— É sério? – Mila perguntou animada e eu sorri junto.
— Seríssimo! E começaremos o ensaio agora – Ela aumentou o som e abriu a porta — Entrem, pessoal.
Um grupo de dançarinos diversificados e de estilo próprio adentrou a sala e a minha empolgação veio com eles.
Domingo, poucos minutos antes da apresentação:
Estávamos nos aquecendo no camarim.
— E não se esqueçam de passar bastante energia ao público, em cada movimento que vocês fizerem. – A tia de Mila disse — Sei que vocês se sairão muito bem, então não se preocupem com mais nada, apenas sejam confiantes e arrasem!
O grupo estava divido em dois, então ficamos separados em lados opostos. Nossa roupa era bem colorida e expressiva, e todos calçaram o mesmo modelo de tênis; cano médio de cor branca, por cima da meia longa de mesma tonalidade.
Quando começou, fizemos uma breve encenação com um rádio grande antigo que usamos nos ensaios. Logo demos lugar aos movimentos muito ensaiados e quase que perfeitamente sincronizados.
— Em primeiro lugar, da SMAP Wings Dance Company, a dança em grupo Shake Your Pom Pom. – Vi a tia da Mila dar um salto da plateia e abraçar a minha mãe.
— Gostaríamos de agradecer ao incentivo, dedicação e confiança que a senhora Snitram deposita em nós. – Mila disse brevemente — Este prêmio é seu.
Da plateia, ela gritou: "Não, ele é nosso!". E fomos aplaudidos, por pessoas emocionadas, durante um longo tempo.
— Só quero saber uma coisa de vocês – senhora Snitram nos olhou de sobrancelha erguida e eu e Mila nos entreolhamos — Estariam dispostos a viajar para um concurso, com olheiros de empresas grandes de entretenimento?
— Eu iria agora. – Respondi.
— Sem pensar duas vezes. – Vez de Mila.
— Calma, é para o mês que vem – ela riu um pouco — Mas vamos começar os ensaios desde já. Sinto que desta vez, será direto daqui para o estrelato.
Duas semanas haviam se passado...
Estávamos na escola aproveitando o intervalo.
— Hope, aquele não é o Jackson com a minha irmã? – Mila apontou e eu olhei a minha frente.
— Sim, e ela está o beijando na frente de todo o colégio.
— Pronto, agora não é mais segredo para ninguém que eu gosto de você. – Ouvimos Malu dizendo, enquanto pegava na mão de Jackson e vinha em nossa direção.
— Finja que não viu – Mila sussurrou e eu virei o rosto para a árvore.
— Eu sei que vocês assistiram tudo – Malu disse, se sentando — Mas eu não ligo. – Ela beijou meu primo mais uma vez e Mila me olhou, sorrindo satisfeita.
— E você, cara – chamei a atenção de Jackson — Como se sente?
— Sinto como se eu pudesse voar.
— Let me hear you say: "fly" – cantamos em uma só voz, divertidamente.
À noite, depois de mais um ensaio:
Jackson foi comigo para casa e nos deparamos com minha mãe e tio Joe sorrindo à toa.
O jantar já estava posto à mesa e eu estava estranhando tudo.
— Meninos, temos uma notícia para dar. – Olhei para Jackson, que também estava intrigado. — Teremos um novo membro na família daqui a seis meses.
— O QUÊ? – Gritamos em uníssono e minha mãe mostrou uma ultrassonografia, e o que aconteceu eu não sei, pois, eu e Jackson desmaiamos.
Mais duas semanas se passaram...
Eu estava me despedindo de todos para a viagem.
— Mãe, fico inseguro de te deixar agora, ainda mais sabendo que você está com o meu irmãozinho hospedado aí – apontei para a sua barriga.
— Ou irmãzinha. – Jackson ressaltou.
— Já te falei para não falar desta maneira de seu irmão, isso me lembra de hospedeiros, e essa palavra me faz lembrar de bichos nojentos. – Ela fez careta, achei que vomitaria em mim — E além do mais, estarei aqui com Joe e Jackson, não me acontecerá nada de ruim.
— Qual é, bonitão?! Não confia na gente? – Tio Joe disse de um jeito engraçado e eu ri alto. — Você não pode desistir agora, esta é a chance da sua vida.
— E Mila também conta contigo, você a decepcionaria muito se a abandonasse. – Jackson me lembrou e eu dei de ombros, pensando um pouco.
— Hope, olhe para mim agora mesmo se não quiser levar uma tapa nessa tua cara de pau. – Minha mãe ordenou, me fazendo a olhar assustado. — Você está achando que está sozinho nessa? Um monte de pessoas irá contigo, nós estaremos contigo em pensamento, sua namorada estará contigo... Todos nós estamos com expectativa, temos fé que esta oportunidade mudará a vida de vocês para sempre. – Eu assenti, ainda meio assustado — Você decepcionaria a sua namorada a abandonando de última hora, por sentir medo de deixar sua mãe na companhia de dois cavalheiros?
— Está brincando comigo? – Eu perguntei inocentemente.
— Eu estou com cara de quem está brincando, Hope? – Tio Joe e Jackson prendiam a risada — Garoto, eu vou te dar só um aviso, não ouse em machucar o coração daquela menina, eu não criei filho para isso!
Dia da competição, minutos antes da apresentação:
— Hope, tem uma pessoa aqui querendo falar contigo. – Mila puxou meu braço até um corredor e lá me deixou, sozinho e confuso.
— Como você cresceu! – Reconheci a voz, imediatamente — Se tornou um verdadeiro homem.
— O que você está fazendo aqui? – Perguntei furioso.
— Eu vim em paz, filho.
— Agora sou seu filho?
— E quando foi que deixou de ser?
— Responda você mesmo, quem esqueceu da minha existência não foi a minha mãe e nem tio Joe.
— Eu sei que errei muito no passado – concordei, assentindo — Mas eu não posso mais errar no presente, preciso acertar desde já para ter um futuro melhor com você.
— O que espera que eu diga?
— Eu só vou ser completo nesta vida, se tiver o seu perdão. – Eu ri sozinho, não acreditara no que estava ouvindo.
— Você está brincando comigo? – Eu o olhei bem sério e revoltado — Você abandonou sua família para formar outra. Tem noção do quanto a minha mãe ralou para me criar? – Eu dizia com rancor e ele chorava alto — Enquanto vivíamos juntos, você quase destruiu o meu sonho de me tornar dançarino.
— E, no entanto, estamos aqui anos depois para a sua apresentação. – Ele respondeu com a voz embargada.
— Você pensa que vindo aqui e assistindo a minha apresentação a nossa relação vai mudar em algo?
— Tudo depende de você.
— Ah, agora está em minhas mãos? – Eu perguntei mais para mim mesmo — Você acha que a minha mãe o perdoaria?
— Na verdade, eu já o perdoei. – Ela surgiu no corredor e veio em minha direção — Tente também. Esse é um bem que você fará a ele e a você mesmo.
— Eu não sei se consigo – confessei, sentindo as lágrimas escorrerem sobre meu rosto. Minha mãe alisava o meu peito e o seu toque era como uma massagem aliviando o meu coração dolorido. Olhei para o meu pai e tentei me lembrar dos momentos bons que passamos juntos e todos os outros que eu ainda desejava compartilhar com ele. Caminhei até ele, vendo-o enfraquecer de tanto chorar e o abracei. Ele me apertou tanto, que senti uma leve dificuldade em respirar. — Eu te perdoo.
Olhei para minha mãe, que assentia emocionada e respirei fundo, sentindo uma leveza inexplicável dentro de mim.
Hora da apresentação:
Mila se vestiu com uma calça justa preta e tênis de mesma tonalidade, usando uma camiseta branca e o cabelo solto. E eu, com uma calça branca justa e camisa social preta bruscamente aberta no peito, com sapato de dança perolado.
começou a tocar e eu entrei no palco deslizando no chão, seguido por Mila, que entrou desfilando de forma provocante e continuamos em sincronia.
— E o primeiro lugar vai para o dueto da SMAP Wings Dance Company, que assinarão contrato com uma grande e famosa empresa de entretenimento.
Ouvir àquelas palavras era tudo que eu mais queria durante os últimos tempos, e estava acontecendo. Olhei para Mila, ao meu lado, sorrindo e chorando de pura emoção. Tudo era real e assistido por nossa família, que torcia incansavelmente por nós. Todo esforço estava valendo a pena.
— Hope, ainda não chegou a hora de me agradecer, mas estamos quase lá. – Senhora Snitram disse firme — E não se esqueça, eu estarei de olho na sua postura. – Eu ri fraco a abraçando — Estou orgulhosa, muito orgulhosa.
— E eu mais ainda. – Minha mãe me beijou na bochecha — Você merece tudo que está acontecendo e muito mais!
— Obrigado por ser tão maravilhosa, mãe. – Eu me emocionei — Você foi e é a minha maior motivação. – Ela sorriu, enquanto chorava fortemente.
— Você merece, filho.
— Obrigado – pela primeira vez, depois de anos, soltei um sorriso a ele — Pai.
Dez anos depois:
No imenso jardim da minha casa, com meu irmão, Benjamin.
— Nossa, a mamãe era incrível! – Ele disse com os olhos brilhantes, enquanto terminava de ler o meu antigo diário. — É uma pena que ela tenha perdido sua vida, enquanto eu ganhava a minha.
— Sim, ela era. – Me emocionei ao lembrar de minha mãe. — Mas, você foi o melhor presente que ela nos deixou, não duvide nunca disso.
— Eu não pude conviver com ela, mas sinto que a conheço muito bem todas as vezes que leio o seu diário.
— Eu quis anotar tudo, sem me esquecer de nenhum detalhe, exatamente para você se sentir mais perto dela. – Eu confessei, vendo o meu irmão sorrir docemente — E parece que deu certo.
Ouvimos a campainha e a senhora Luna já ia atender a porta, quando Benjamin a interrompeu e foi à frente. Jackson entrou carregando algumas malas e Malu com a bebê deles no colo, tio Joe veio caminhando com mais algumas malas e sendo cumprimentado por Benjamin. Meu pai adentrou a casa logo após e eu senti uma mão delicada em meu ombro e olhei para trás, era Mila sorrindo e alisando sua barriga, que se entortava a cada segundo com o nosso filho remexendo de um lado a outro.
Meu coração se encheu de alegria por todos me prestigiarem indo assistir ao show que eu e o meu grupo faríamos, à noite.
Sentia muito a falta de minha mãe, mas me alegrava em ver minha família novamente reunida, em comunhão constante. E o perdão que ela me pediu para liberar, causou a mim a libertação de um peso que eu, somente eu, carregava em meu peito.
"Nem sempre os nossos objetivos serão alcançados, pois não será em tudo que o nosso querer prevalecerá. Contudo, ter sonhos e lutar por cada um deles, ainda vale pena!"
Este foi um dos ensinamentos que a minha mãe deixou, e esse eu não esquecerei jamais, pois tento repassar a Benjamin todos os dias, até que ele faça o mesmo e eternize a memória de nossa mãe.
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MAMA
Teen Fiction"Nem sempre os nossos objetivos serão alcançados, pois não será em tudo que o nosso querer prevalecerá. Contudo, ter sonhos e lutar por cada um deles, ainda vale pena!"