2° DIA
---------------O sol deu as caras essa manhã, mas ainda sinto arrepios, frios e congelantes. Talvez seja por conta dos meus pés descalços sobre a madeira, ou dos meus braços desprotegidos e minhas pernas nuas.
Minha noite foi basicamente uma droga, sentia dores de cabeça que me fazia ser uma pessoa impossibilitada de fechar os olhos, meus cortes pinicando contra o tecido grosso das cobertas, meus pés gelados e as lágrimas congelando sobre meus olhos.
Não comi nada essa manhã. Na verdade nem me lembrava qual foi a última vez que coloquei algo que não seja água no estômago. Dei uma rápida volta sobre a casa, quartos, sala, cozinha, banheiros, exatamente iguais como deixei da última vez. O cheiro de mofo e coisas velhas não me incomodava, muito pelo contrário, eu queria me acostumar com isso, afinal quem iria cheirar mal depois serei eu.
Claro, se você arranjar uma tática melhor que a anorexia para morrer...
Os sussurros na minha cabeça são repetitivos, da mesma voz, calma e irritantemente doce. O rosto de uma mulher, no escuro de um cômodo singelo segue sobre diferentes imagens na minha mente, de cabelos lisos e compridos, quentes como fogo, da cor das chamas mais esmaltadas sobre o ruivo, ela resplandece sua beleza com um sorriso triste, o olhar distante, procurando por algo que está além dela.
O escuro agora não parecia ser tão bom quanto antes, ouço pássaros cantando lindas sinfonias sobre as árvores espalhadas pelo jardim, ouço as conversas e risadas de vizinhos simpáticos, sentindo uma vontade estranha de querer viver.
Passei a manhã inteira arrancando as tábuas que tapavam as janelas, retirei o pó dos objetos da sala, arrumei os livros e enciclopédias antigas nas estantes, lavei as cobertas e lençóis, antes cheios de poeira.
A cozinha sem dúvida foi o cômodo mais difícil. Tive de limpar a geladeira, retirar a gordura das paredes, limpar os armários vazios, sorte a minha que ainda havia alguns produtos de limpeza na lavanderia.
Das janelas, não mais escondidas atrás de cortinas escuras o sol invadia, sem pedir licença ele se espalhava pelo chão, iluminando toda a casa.
Depois de limpar tudo, resolvi voltar à subir as malditas escadas que levavam ao quarto de meus pais, não para entrar e reviver tudo novamente, apenas para trancar a porta e depois dar descarga nas únicas chaves que abriam aquele quarto do pânico.
Meu quarto não estava tão ruim, havia apenas muita poeira, o que foi fácil de resolver, sacudindo tudo de uma vez, depois abri as cortinas cinzas, para só então escancarar as janelas de vidro. Senti o sol tocar minha pele pálida, e depois de tanto tempo me escondendo na escuridão, finalmente pude sorrir.
No comecinho da tarde já podia sentir o clima mais ameno, o céu límpido de nuvens de chuva e frio.
Depois de trocar todos os lençóis de cama, arrumei minha prateleira de livros, revistas e pôsteres das bandas de rock antigas. A vassoura me ajudou muito no requisito "sujeira", principalmente debaixo das camas. Acabei encontrando um pequeno baú, de madeira gasta e antiga. Esse era o lugar onde eu guardava meus segredos.
Um baú infestado de segredos seus? Hmmn, interessante...
Sacudi a cabeça e arremessando o pequeno objeto do outro lado do quarto me levantei e resolvi dar uma olhada no meu antigo lugar favorito.
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VOZES DO ALÉM
FantasyEnquanto vivia, um anjo do mal Desses que vivem na escuridão Dos que se alimentam dos medos Dos outros cidadãos As pessoas eram várias Mas vazias como árvores Das que pendem sem folhagem De sonhos pra se realizar E desejos pra saciar A noite era n...