"Seus serviços não são mais necessários, senhor Montgomery."
Aquela maldita frase dançava por todos os cantos de sua cabeça e descia em uma fria espiral por sua espinha. Acontece que sua irmã, no final das contas, tinha razão: nada é tão ruim que não possa piorar.
A maré de azar que tinha o acertado há três meses parecia ter virado um tsunami e o havia deixado em estado de calamidade por completo. Gregory já havia sido muitas coisas na vida, mas desempregado, falido e a beira de um colapso nervoso nunca fizeram parte da lista. E era difícil assimilar a recente realidade.
Tão difícil que ainda eram 10:17 da manhã e ele já havia ficado bêbado e deixado de estar por duas vezes. Sua língua parecia uma lixa dentro da boca e ele podia jurar que até mesmo seus cabelos estavam cheirando whisky, contudo, estava tranquilo que seus últimos quarenta dólares haviam sido investidos na metade de garrafa velha de White Horse que o fez esquecer parcialmente a razão de estar sentado no meio da manhã na mesa da calçada de um pub que parecia nunca fechar.
Encostou a bochecha com a barba loira escura que ameaçava crescer no tampo mesa sentindo-se miserável pela enésima vez. Ficar pensando em todos os 'e se' da sua vida o estava fazendo perder a cabeça.
E se tivesse tratado Erin como ela merecia, ela teria pedido o divórcio mesmo assim?
E se tivesse levado em conta os conselhos do pai sobre os investimentos de alto risco que estava fazendo, ainda assim estaria quebrado?
E se as alternativas anteriores não existissem, ainda assim teria entrado em parafuso e batido boca com seu chefe por nada, perdido o emprego e seus contatos profissionais?
Não ter essas respostas o estava envenenando pouco a pouco, uma vez que a vida já não lhe parecia tão apetitosa quanto a alguns anos atrás. Encontrar-se em uma deplorável boemia, sozinho, perdido e abandonado não parecia em nada com seus sonhos de juventude. Trinta e três anos de vida, dez deles dedicados ao trabalho, e tudo isso para que? Para ter em seus bolsos somente um cartão da sorte medíocre que havia ganhado num restaurante chinês decadente.
"A força o encontrará mais cedo do que imagina." Repetiu o conteúdo do cartão em voz alta ainda com a cara enfiada na mesa, numa esperança quase vazia de que isso, de fato, fosse acontecer. Mas a realidade é que ele já não sabia mais se queria ser encontrado por o que quer que a força fosse.
Levantou-se sem vontade, tinha que tomar o rumo da casa que logo iria perder para a hipoteca. Iria selar a garagem, ligar o carro, sentar ao volante e admirar sua vida se esvaindo por entre os dedos no melhor lugar da arquibancada, já tinha decidido antes mesmo de se embebedar. O mundo estaria melhor sem alguém tão decadente que servia para tomar espaço e não fazer nenhuma diferença.
Estava no cruzamento da Lexington com a 42, pronto para fazer seu caminho para o ponto do ônibus distraído o suficiente pelas pequenas e irritantes pontadas em sua cabeça que mal percebeu o que o levou ao chão em questão de segundos.
Infelizmente não foi um caminhão desgovernado, fez a piada recheada com seu atual humor negro para si mesmo ainda largado de costas no chão.
"Meu Deus, moço! Você se machucou? Não me ouviu gritar? Ai, moço, eu não consegui desviar, não sei o que aconteceu com o freio da bicicleta. Olha só pra essa bagunça, meu almoço já era." Greg permaneceu estático ouvindo uma mulher tagarelar bem ao seu lado. Ela ao menos parecia respirar entre as frases. "Moço, você está vivo? Meu Deus, ele não me responde!"
"Estou vivo, levemente ferido, mas vivo." Garantiu pondo-se sentado.
Gregory tentou focar na mulher ao seu lado com sua jardineira vermelha chamativa. Estava ajoelhada ao seu lado, os cabelos castanhos bagunçados ao redor do rosto oval e delicado, o qual tinha um corte no pequeno queixo. Não deveria ter mais que trinta anos. Tinha os olhos cinza em formato de amêndoas, as sobrancelhas marcantes subiam e desciam conforme ela continuava falando, agora com as pessoas ao redor. Ela sorriu para alguém atrás dele e o sorriso era largo e os lábios cheios o lembraram de alguém.
"Moço, você tá me ouvindo?" A mulher repetiu passando a palma da mão ralada na frente de seu rosto fazendo-o despertar.
"Estou."
Tentou levantar, porém ela o impediu segurando-o pelo ombro.
"É melhor esperar a emergência chegar. Sei que não parece muita coisa, porque bem... Eu te acertei com uma bicicleta, mas eu estava com alguma velocidade." Explicou por entre o sorriso lindo "Desculpe, outra vez. Só quero ter certeza de que não te machuquei pra valer."
"Não machucou." Achou melhor deixar claro. "Não é necessária à ambulância, estou bem, juro." Disse já se levantando e batendo a sujeira da roupa. Checou os próprios cotovelos com alguns ralados e o quadril que latejava com a dor do impacto. Nenhum ferimento mortal verificado.
A mulher logo estava em pé ao seu lado também, tentou ajeitar o próprio cabelo sem muito sucesso atrás da orelha e tombou a cabeça para o lado com uma expressão quase infantil no rosto.
"Eu insisto."
"Não é necessário." Reforçou olhando ao redor e vendo os olhares curiosos presos neles.
"Então vamos naquela farmácia passar um antisséptico nesses arranhões." Insistiu mais um pouco, apertando os olhos pidões em sua direção e apontando para a farmácia a menos de um metro de distância. Greg sentiu-se vacilar por um momento. "Eu até te pago um almoço depois. Baratinho, claro. Por favor, moço! Eu estou me sentindo bem culpada, nunca tive um acidente de trânsito, ainda mais um que a vítima se recusa a ter atendimento. Você pode imaginar como eu vou ficar se você acabar morrendo por causa de alguma concussão que eu tenha te causado sem que-"
"Vamos à farmácia!" Cortou-a com a concordância ao ter a impressão de que ela tagarelaria o dia inteiro se negasse.
O farmacêutico a olhou desconfiado enquanto ela encostava a bicicleta no bicicletário. A cestinha, torta pela colisão, estava lotada de pacotes de compra amassados quase caindo da mesma. Greg não pode deixar de notar que ela mancava conforme se arrastava para dentro da loja com ele.
A pequena farmácia já devia estar à beira da falência, pelo menos era o que as prateleiras quase vazias contavam. Já não tinham mais antisséptico, tiveram que se contentar com o frasco aberto de álcool 70 que ardia como o inferno e um par de band-aids da Hello Kitty. A morena saiu satisfeita ostentando um no queixo, enquanto o homem saiu contrariado com um no cotovelo arrebentado.
"Obrigada, Fredericksen!" A mulher agradeceu sorridente para o farmacêutico idoso que os havia atendido e puxou Gregory pelo pulso até a saída como se isso fosse algo comum entre eles, o que deixou o homem sem jeito. "Agora nós vamos comer." Avisou. "Minha melhor amiga tem um bistrô muito bacana a duas quadras, você vai gostar. Não está enjoado, está? Ouvi dizer que enjoo e dor de cabeça são sinais de concussão. Você me avisaria se tivesse, certo?! Aliás, você come carne? Ela tem o melhor bife com fritas do mundo lá..."
O loiro até pensou que logo ficaria irritado com toda a falação animada da morena, mas logo se pegou sorrindo conforme andavam devagar empurrando a bicicleta pela calçada seguindo até o restaurante.
"Farrah!" A mulher entrou como uma tempestade pela porta de madeira e vidro do local e seguiu até o extremo oposto, que deveria ser o caixa, onde uma mulher negra estava.
O loiro ficou parado no meio do caminho olhando ao redor o pequeno bistrô vazio. Suas mesas redondas de madeira com cadeiras altas, as grandes janelas com vidros escurecidos, os vários espelhos com molduras lindíssimas decorando as paredes juntamente os vasos de flores e suculentas, o jazz suave combinado com as luminárias que deixavam tudo na penumbra, mesmo sendo meio dia, o fazia se sentir dentro do segredo de alguém.
"Vem." A morena o puxou outra vez pela mão até a mesa mais próxima a janela que dava para a rua. Sentaram-se um de frente para o outro, as sacolas amassadas rodeando a mulher.
"Ela disse que vai fazer um bife com fritas e um suco de couve reforçado pra levantar a gente do caixão." Disse risonha.
Gregory encarou os olhos cinza, certo de que ele a lembrava alguém. Queria entender porque não havia levantado daquela calçada, sacudido a poeira, desculpado a moça e seguido para casa e terminado tudo do que jeito que havia planejado. Entretanto, ali estava ele, sentado em frente à moça que falava pelos cotovelos se sentindo tentado a deixar seus planos para mais tarde, porque conforme ela falava sem parar algo nele ia anestesiando.
"Qual seu nome?" Perguntou ligeiro antes que ela engatasse outro assunto no qual ele sentia que ela poderia discorrer por horas até que ele tivesse chance de falar outra vez. "Você me lembra de alguém, mas não consigo lembrar quem...".
Ela esticou o sorriso, dessa vez mostrando os dentes perfeitos. Seus olhos o analisaram por alguns segundos e ela deu um risinho cheio de graça.
"Você também me lembra de alguém." Concordou se recostando na cadeira de modo mais confortável. "A minha primeira paixão do jardim de infância." Confessou em meio a uma risada. "Ele era o garotinho mais lindo da sala, mesmo sem o dente da frente. Desenhava as Tartarugas Ninjas como ninguém! Dividíamos o lanche todos os dias, minha mãe já até sabia que ele gostava de muffin de blueberry e colocava um a mais na minha lancheira. Ele tinha seis anos e já era apaixonado por música, acho que foi por isso que me apaixonei. Isso e porque ele me deu uma figurinha do Batman pra completar meu álbum. Oh, eu chorei tanto quando tive que mudar de escola. Minha amiga disse que no ensino médio ele formou uma banda. Eu daria tudo para ter visto ele tocando Sweet Child O'Mine pra mim."
Gregory se sentiu distante conforme ela detalhava seu amor de infância com um tom tão saudoso. Sua mente montou a imagem perfeita de uma memória muito vivida: uma garotinha bochechuda de marias-chiquinhas abraçada com seu álbum do Batman, algo que ele no auge de seus seis anos não esperava de uma garota. Ela havia sido sua primeira melhor amiga e tinha um gosto peculiar por pinturas com giz de cera. Lembrou que seu eu infantil achava graça ela ter nome de estado, tinha até a rebatizado depois de um tempo.
Mas qual era mesmo o nome?
"Ele me chamava de Arizona." Ela disse quase ao mesmo tempo em que seu cérebro gritou a informação, dando um clique. "Dizia que Alasca não combinava comigo porque..."
"No Alasca é frio e você é quente como o Arizona." Completaram em uníssono.
Ela arregalou os olhos fazendo as sobrancelhas expressivas quase alcançarem a linha do cabelo. A boca se abriu em um "o" mudo enfim ficando sem palavras. Ao se dar conta do que estava acontecendo a cor de seu rosto mudou, deixando as bochechas pinicando de vermelhas.
"Não! Gregory?" Testou chocada. "Gregory Montgomery?"
Greg sentiu uma vontade irresistível de rir enquanto sacudia a cabeça positivamente. Ela parecia adorável em sua expressão desconcertada, o que tornou quase impossível para ele se sentir culpado por tê-la deixado assim.
"Você está brincando comigo!" Ela por fim tornou a sorrir, animação acendendo em seu rosto vermelho. "Quais as chances de isso acontecer?" Ela sussurrou ao se inclinar para frente, analisando com cautela cada centímetro do rosto do homem a sua frente.
"Você não está brincando comigo, está?"
"Não." Disse se sentindo repentinamente bem humorado. "Eu sabia que você me lembrava de alguém, mas Arizona... Uau. A senhorita Fitzgerald odiava as músicas que nós inventávamos na aula dela." Brincou ao lembrar-se da jovem professora irada com a dupla que brincava de soprar a flauta em qualquer tom aleatório e irritante que eles pareciam adorar.
"Você fica muito diferente sem o cabelo amarrado pra cima."
Alasca rolou os olhos para a constatação do homem e riu. Seus pratos chegaram antes que ela pudesse resmungar mais alguma coisa, mas não aguentou mais que três garfadas em silêncio, logo tendo uma crise de riso.
"Oh meu Deus, o jeito que eu falei sobre você... Você deve achar que eu sou uma maníaca!"
"Só um pouco. E eu nunca aprendi a tocar Sweet Child O'Mine, só pra deixar isso claro."
"O que você tem feito da vida, Gregory? Aposto que ficou famoso com seus desenhos abstratos, já que não aprendeu a tocar Guns N' Roses." Alasca sorriu por trás da batata espetada no garfo.
O sorriso do loiro foi morrendo aos poucos conforme era arrastado para a realidade com sua pergunta. Lembrou-se da garagem de casa e das chaves balançando na ignição do carro. Aquele almoço não era sua realidade e aquela não era sua felicidade, estava sendo influenciado por toda a aura de leveza que Alasca trazia consigo.
Naquele momento ele se sentia muito mais como uma mariposa enquanto ela era uma chama brilhante, atraindo-o para luz. Nem sentiria a dor quando ela o terminasse.
Ele precisava ir para a garagem.
"Greg? Você está se sentindo bem?" Alasca esticou a mão por sobre a mesa, alcançando a sua que apertava o garfo com força.
Ele não respondeu, apenas afastou a cadeira e levantou-se pronto para agradecer todo o cuidado e ir embora. Contudo, a morena foi mais rápida, enfiando-se no meio de seu caminho, as mãos pequenas sem vergonha alguma de lhe segurar pelo peito parado no lugar. Greg viu o leve desespero nos olhos da mulher e sentiu-se ainda mais fracassado, não era culpa dela tudo o que estava acontecendo, ela só estava tentando ser gentil.
"O que aconteceu? Foi alguma coisa que eu disse? Desculpe-me se foi isso, estou apenas empolgada em te rever." Ela disse tudo em um só fôlego, levantando o queixo em direção ao homem.
"Eu já vi esse olhar antes, Greg." Disse com pesar. "Não vá embora, por favor. Converse comigo. Eu vou te ajudar."
Alasca suplicou como se soubesse o que ele faria depois de sair por aquela porta. Ele não soube dizer os motivos que o fizeram ficar, apenas soltou um suspiro derrotado e deslizou para longe das mãos da mulher, sentando-se novamente na cadeira. Os olhos verdes pareciam ainda mais perdidos.
"Eu não sei o que está acontecendo com a sua vida. Mas se você quiser falar, eu vou ter prazer em ouvir e te ajudar no que for necessário. O que quer você esteja pensando em fazer... Não é a saída. Nunca é."
"Você não sabe o que eu estou pensando."
"Talvez eu saiba." Os olhos cinza se abaixaram para o prato na mesa, ele percebeu como ela lutou contra a careta de choro que se formou em seu rosto. "Meu pai tinha esse mesmo olhar. O sorriso mais lindo do mundo, mas o mesmo olhar sem esperança. Ele se suicidou a dois anos, mas não tem um dia que eu não me culpe por não ter lido direito seus olhos. Então eu sei que não tenho direito nenhum de pedir isso, sou só a estranha que te atropelou com uma bicicleta, mas... Por favor, me deixe te ajudar."
Não soube dizer se foi o peso das palavras ou os olhos cinza cintilando tão doces quanto um caramelo a sua frente, mas quando deu por si já estava despejando tudo, desde Erin, sua ex-esposa o deixando, até quando perdeu seu dinheiro em um investimento que deu errado e sua demissão. Contou sobre se sentir sozinho, uma vez que seus amigos tinham desaparecido, e sem esperanças, pois sua discussão com o chefe havia o queimado para outras empresas. Apesar de nada ter solucionado, sentiu como se o peso do mundo tivesse aliviado um pouco sobre seus ombros depois de vomitar aquilo.
Alasca sorriu doce uma segunda vez. Ela havia ficado quieta o tempo todo, somente balançando a cabeça indicando que estava compreendendo todo o assunto, o que Greg desconfiava ser um grande recorde de silêncio para a mulher.
"Você ainda gosta de música?" Foi tudo que teve a dizer após ouvir o relato do homem.
Gregory tombou a cabeça confuso com a pergunta. Música ainda era uma das suas poucas paixões, mas não conseguiu entender onde a pergunta se encaixava ali. Ainda assim balançou a cabeça assertivo.
"Então vem, quero te mostrar um lugar." Ficou em pé em um pulo, assustando-o. Pôs-se a recolher os pacotes aos seus pés e seguiu para o caixa se despedir de Farrah. Ele a olhou desconcertado, ainda em seu lugar na mesa, a comida fria e praticamente intocada a sua frente. "Vamos!" Repetiu Alasca em uma animação que lhe parecia estranha.
Seguiu-a para fora, onde a mesma já estava desatando a bicicleta do bicicletário e ajeitando suas compras na cestinha outra vez.
"Você pedala." Avisou, recebendo o olhar assustado do homem. "O que? Você é muito pesado para eu levar. Além disso, se precisar frear vou ter que usar o pé e eu não alcanço o chão muito bem em cima da bicicleta." Percebeu um leve sorriso desenhar no rosto do homem ao ouvir a confissão. "Ora, não ria. Suba logo, quero te mostrar um lugar que você vai amar."
Não teve pressa ao subir na pequena e delicada bicicleta vermelha que destoava de seu estilo. Sentiu atrás de si a mulher se sentar de lado no bagageiro e passar os braços por seu lado, abraçando sua cintura, deixando-o levemente desconfortável com o jeito íntimo que a mulher parecia ter. Conforme pedalava seguindo as instruções dela tentava abstrair que algo no fundo de sua cabeça parecia aprovar o aperto morno da mulher em torno de si.
Quando pararam em frente a uma escola primária os músculos das suas coxas e seu pulmão já reclamavam pelo esforço. Amaldiçoou-se internamente por ser tão sedentário.
Alasca estava elétrica ajudando-o a guardar de novo seu meio de transporte e entrelaçando seus dedos para arrastá-lo para dentro do prédio que parecia deserto. Era final de agosto e todos deveriam estar em férias escolares. A porta principal estava aberta, mas a mulher seguiu para onde ele suspeitava ser a diretoria, batendo com os nós dos dedos contra o vidro chamando a atenção do senhor que estava lá dentro - parecendo dormir na cadeira inclinada.
Ele empertigou-se e abriu um sorriso para a mulher, levantando em um flash para abrir a porta.
"Olá, menina Thornberry, perdida por aqui no meio das férias?" disse em um tom quase paternal que arrancou um sorriso da mulher.
"Oi, Leroy! Preciso das chaves do lado B emprestadas para mostrar uma coisa pro meu amigo." explicou apontando para Greg que estava encostado na parede.
Leroy lançou um olhar desconfiado para o homem e então estreitou os olhos azuis para a mulher que rapidamente compreendeu o que aquele olhar significava soltou um 'oh, não!' ultrajado e sussurrou algo para o mais velho que suavizou sua expressão e voltou para dentro da sala trazendo consigo um molho de chaves.
Leroy sorriu para Greg e lhe deu um aceno antes que Alasca o puxasse pelo corredor sem lhe dar a chance de responder.
"O que você faz aqui nessa escola?"
"Eu dou aula para o jardim de infância." Explicou quando pararam em frente a enorme porta de ébano e ela precisou procurar qual chave abria a enorme fechadura.
"Você é uma professora de educação infantil?" Perguntou desconcertado.
"Olha, pelo seu bem eu não vou levar a mal o tom de descrença." Resmungou bem humorada. "Agora seja bonzinho e feche os olhos."
Greg obedeceu, não sem antes lhe lançar um falso olhar receoso. Novamente ela o pegou pela mão, arrastando-o para dentro da sala e então o autorizou a abrir os olhos.
Um sorriso escorregou sem permissão da sua boca. Ao seu lado um enorme piano de cauda, bem no centro da sala, ao fundo um violoncelo encostado em seu suporte, várias cadeiras pequenas e porta partituras espalhados pelo lugar. As paredes eram decoradas como teclas de piano e várias notas musicais espalhadas. Localizou mais instrumentos no fundo e um armário colorido que parecia combinar com todo o resto.
Seus olhos pararam sobre uma Alasca ridiculamente sorridente com as mãos escondidas nas costas, como se parecesse ansiosa com a avaliação crítica. Ele parecia encantado, porém sem entender o motivo de estarem ali.
"Ela é sua, se você quiser." Disse como se respondesse a pergunta em sua mente.
"Como assim?"
"Bem, você disse que estava sem emprego e nós estamos sem um professor de música no momento. Você gosta e sabe fazer música, eu suponho, então pensei 'por que não?'" Disse animada indo se sentar na cadeira do piano.
"Mas eu não sou professor, Alasca."
"Eu também não era, até ser." Deu ombros levantando a tampa do instrumento e dedilhando aleatoriamente as teclas.
"E se eu for péssimo como professor e as crianças me odiarem?"
"Você está com medo das coisas darem certo?" O encarou com tanta intensidade que o fez sentir algo dentro do peito formigar enquanto a observava virar o corpo em sua direção. "Pare de colocar empecilhos no caminho, Greg. Você não vai ganhar milhões aqui, mas é um trabalho digno e você vai trabalhar com pessoas que vão te ouvir atentamente e adorar cada pequena coisa que você as ensinar. E eu não estou falando só de mim."
"Mas, Alasca..."
"Só tente. Se você odiar pode ir embora e eu não insisto mais no assunto. Mas eu garanto que você vai amar. E nós temos todas as refeições de graça aqui." Completou a última frase em um sussurro sapeca.
Ele riu junto com ela, percebendo o quanto isso parecia fácil agora. Não lhe deu resposta alguma na hora e ela respeitou seu silêncio, lhe dando a chance de pensar com calma.
Alasca engatou em seus dedos novamente e seguiram pelo corredor depois de trancar a porta, entregando as chaves para um Leroy sorridente antes de sair.
Gregory a observou soltar a bicicleta, ela sorriu ainda ajoelhada no chão lutando contra o cadeado e ele teve medo de ela ser apenas o brilhante fruto da concussão do acidente que sofrera.
"Quer uma carona até em casa?" Perguntou brincalhona. "Se você não morar muito longe te deixo pedalar minha bike envenenada."
"Moro no Clinton, não é longe, mas não quero te tirar do seu caminho."
"Tudo bem, estou indo para Chelsea. Vai ser bom dar um descanso pras minhas pernas e deixar você assumir o volante no centro." Disse risonha. "Só lembre-se de usar os pés como freio, não queremos passar por cima de mais ninguém hoje."
Novamente subiram na bicicleta e Alasca o abraçou pela cintura, dessa vez descansando a cabeça no meio de suas costas enquanto tagarelava o caminho todo sobre tudo e nada. Seu coração estava tão morno que ele não quis chegar em casa tão cedo, queria continuar escutando-a falar sobre como foi a vida depois que seguiram caminhos separados no jardim de infância, anos atrás. Quase se sentiu culpado ao ver a árvore que marcava a esquina da sua casa. Parou de pedalar e foi arrastando os pés no chão até fazer o veículo parar em frente a sua casa.
"Eu fico aqui."
A morena foi a primeira a pular da bicicleta, encarando a casa com afinco. Então se virou para o homem que segurava sem jeito o veículo. Ela sorriu antes de o abraçar, o deixando sem reação. Estava desacostumado com demonstrações de carinho de qualquer espécie, Nova York poderia ser brutal com qualquer pessoa que estivesse emocionalmente debilitada como ele.
"A gente mora perto, como eu nunca te atropelei antes?" Disse logo depois de soltá-lo ganhando um sorriso como resposta.
"Acho que você estava só esperando a hora certa de me encontrar."
"Reencontrar." Corrigiu-o rapidamente. "Você vai pensar na minha proposta?"
"Vou." Respondeu com sinceridade.
Alasca sorriu e deu passagem para ele entrar, apesar de parecer saber que os pés do homem tinham grudado no concreto, uma vez que ele não conseguia se mover um centímetro dali. Com algum esforço ele se afastou alguns passos, logo parando quando a morena o chamou.
"Você não me deu seu telefone." Acusou. "E nem pegou o meu."
Balançou a cabeça conformado com o jeito espontâneo e descomedido da mulher. Trocaram os aparelhos para dedilhar seus respectivos números e então tornou a fazer seu caminho.
"Greg," Chamou-o com um berro da calçada "Promete que vai me ligar antes de dormir."
"Por quê?"
"Promete!" Insistiu.
"Ok, prometo. Vou ligar antes de dormir." Deu um falso suspiro de derrota, arrancando uma risada da mulher.
"Promessa é divida, senhor Montgomery! Vou esperar acordada a noite toda se você não me ligar, pense bem nisso." Disse montando na bicicleta e acenando sem nem esperar a resposta.
E Gregory ficou na soleira da porta entreaberta vendo-a sumir por entre o trânsito. Seu olhar caiu na porta da garagem, mas ele não sentiu o mesmo impulso de entrar lá e acabar com tudo, seu coração e sua mente pareciam mais claras agora.
Não eram nem cinco da tarde quando decidiu tomar banho e esperar a hora para fazer seu jantar. Só viu o cartão da sorte caído ao lado da calça suja quando saiu encharcado do chuveiro.
A força o encontrará mais cedo do que imagina.
A imagem risonha de Alasca e seu curativo de Hello Kitty no queixo piscou no fundo de sua cabeça e ele não pode deixar de sorrir ao enfiar o cartão na gaveta do criado mudo. Talvez ele estivesse certo e a força o tinha reencontrado com a força de uma bicicleta contra um pedestre.
Naquela noite enfiado embaixo das cobertas ele ligou para a morena que o atendeu no primeiro toque. O que Greg mal sabia era que aquela seria a primeira das inúmeras ligações que logo virariam um hábito noturno que o fariam esperar religiosamente pelas 21h.
Ele ainda estava sozinho, com tão pouco dinheiro que se comprasse um maço de cigarros estaria falido, mas já não se sentia tão perdido. Tinha encontrado um pouco de força em um lugar incomum e já se sentia um pouco mais disposto a nadar, em vez de esperar seu lento naufrágio.
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One Pack Of Smokes From Broke
ChickLitGregory Montgomery estava certo de que sua vida não tinha mais sentido. Desempregado, falido e recém-divorciado, sentia como se a miséria estivesse à espreita para pegá-lo ao menor sinal de fraqueza. A beira de ser engolido pela insensatez ele a c...