Autoconhecimento

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Meu nome é Mariana. Tenho 15 anos e moro em uma cidade da grande São Paulo. Mas não por muito tempo, pois logo estarei em uma do interior. As despedidas podem ser difíceis, mas prometi que não vou me entristecer e que vou dar o máximo para fazer novas amizades que me façam bem. As vezes penso nas pessoas que vão me fazer falta e penso se eu vou fazer falta, também. As certezas diminuem com o tempo, assim como as decepções começam a surgir.
São férias de verão e eu estou sentada em frente á um computador, procurando escolas perto do meu novo lar. É divertido pensar em histórias me envolvendo, imaginar como será minha turma, meus amigos, como EU serei. O google ajuda muito a ver como vão ser os caminhos, aguçando cada vez mais minha imaginação e fazendo-me preocupar com o que ainda nem aconteceu, mas a maior aventura imaginária em que posso me colocar, é descobrir quem eu sou. Afinal, sempre dizem para sermos o que queremos ser, mas em contradição, também dizem para sermos o que nós somos; E qual me parece mais interessante? Bem, claro que a primeira opção. É sempre incrível delirar sobre todas as Marianas que posso ser: A gótica, a patricinha. A nerd, a popular. A introvertida, ou a extrovertida. Tantos clichês, tantas vidas as quais posso me imaginar tendo. Afinal, é isso que é ser uma adolescente, certo? A jornada do autoconhecimento.
É claro que isso não envolve falsidade, afinal você também não sabe quem é. E por isso gostaria de pedir para que você refletisse; Quem é você? Provavelmente, vai pensar em seu nome, cidade em que nasceu, data de aniversário, etc. Claro que tudo isso influencia na sua personalidade; Mas se você está na mesma faixa etária que eu, é muito provável que você não entenda nem que personalidade é essa. Eu, Mariana, acredito que nós somos todos como hologramas; Imagens baseadas no que gostamos, no que assistimos. Somos todos "clichês", garotas e garotos programados para agir de determinada maneira. E afinal, se é assim, por que utilizar esse holograma de maneira errônea, equivocada? Se podemos "programar" nossa imagem, por que então vamos programar algo ruim?
Reflito sobre isso. O que muitos chamam de viver uma mentira, pra mim é muito agradável, por mais que não consiga aplicar na minha vida. Será que um dia, conseguirei?
Afinal, o que é melhor?
Saber quem somos, ou sermos o que nós almejamos?

Saio do computador. Minha mente gira com tantas possibilidades, quando lembro que dia é hoje.
Amanhã é a mudança.
Vou ao meu quarto, com roupas por todos os cantos, acompanhadas de caixas, brinquedos antigos e memórias espalhadas pelo chão. Fotos de todas as épocas da minha vida, e, por mais que não seja muito velha, posso dizer: São muitas. A cada foto observada, sinto como se mais um pedaço de mim fosse arrancado ao sair daquela casa. Minha história, por mais que pequena, e, digamos: desinteressante, está armazenada nesse lugar; Ou melhor, estava.
A bagunça no meu quarto era um caos; Mas ainda assim, achei um lugar meio a tudo aquilo, e passei a lembrar, do mais fundo da minha memória, das coisas que vivi ali. Foto vai e foto vem, recordei de mais do que imaginava que minha memória conseguia, e lembrei do motivo da nossa saída.
Minha tia se acidentou, há uns 6 anos. Ela é paraplégica, e bem...Quando aconteceu, claro que foi um "baque". Ainda que me lembre de muitas coisas, minha memória não resgata algo relevante sobre esse dia; Mas meu pai está sempre falando sobre, e...bem. Li algumas coisas antigas sobre o assunto. Não me chame de xereta; Mas sou curiosa. Foi tudo um desastre; Meu pai, aparentemente, estava trabalhando, quando recebeu uma ligação. Nas pressas, viajamos até aquela cidade (que, admito, nunca gostei; nem na minha infância. Meu pai conta sobre minha relutância, ainda que inocente, a entrar no carro.), e descobrimos que Titia (como a chamo; mas seu nome é Rosa.) estava tetraplégica. Claro, com o tempo, conseguiu retomar o poder sobre os braços, com os quais mexe com facilidade hoje em dia, após diversos tratamentos. Mas você deve se perguntar, por que, após 6 longos anos, estaríamos indo morar perto dela? Afinal, todo o tratamento pesado já passou, e talvez ela tenha se acostumado com sua nova realidade de vida. Bem, isso é relativo. Mas a verdade é que ela sempre teve alguém com ela. Meu falecido avô, pai de meu pai. Há algumas semanas, ele faleceu, tornando meu pai (e, consequentemente, minha tia) orfão, já que minha avó também morreu há bastante tempo, quando eu era apenas um bebê. Minha tia foi a mais afetada; Claro que meu pai também sentia um amor incondicional por meu avô. Mas minha tia: Bem, ele era a pessoa que esteve sempre do lado dela; Cuidou, sofreu junto. Adaptou sua casa, recebeu minha tia nela, e dedicou o resto de sua vida a sua amada filha.
Você deve ter percebido: Mas minha tia nunca teve filhos; Na verdade, ela sempre teve aversão ao parto, comentava sobre o quanto aquilo parecia horrível e dolorido. Portanto, após a partida de meu amado avô, ela estava só: e é ai que meu pai propôs, então, que passasse a morar com sua irmã. E sabendo do que ela passava, ninguém teve coragem de dizer o contrário. Nem mesmo eu, que amava a metrópole em que vivia.
Não quero ser taxada de "garotinha egoísta", mas mesmo sem contradizer meu pai...bem. Senti repulsa à ideia.
A multidão de pessoas que a capital de São Paulo apresenta no dia a dia, os prédios, as amizades e toda aquela movimentação...Não. Não consigo dizer adeus a tudo aquilo.
Mas claro, não me conheço, o que, naquele momento, se tornou um fardo. O que podia me tornar mutável há alguns dias, ou semanas, me tornou simplesmente uma pessoa sem voz. Eu não sabia o que dizer, ou no que me segurar. Não sabia muito sobre meus defeitos, então, não podia reconhecer meu egoísmo. Não sabia muito sobre minhas qualidades, então, de maneira alguma, podia dizer que sou corajosa. Bem, ao menos descobri algo: Minha covardia.
Ao ficar calada, descobri que tudo que tinha convicção, simplesmente acabou. Não sou a patricinha, nem a gótica, nem a nerd e nem a popular. Sou simplesmente Mariana, a garota que não sabe quem é.
E o que eu achava que era adaptabilidade, dinamismo, na verdade era falta de conhecimento: E sobre mim mesma.
Não é que eu tenha parado de achar interessante a ideia de ser quem eu quiser. Apenas me caiu a ficha, de que eu não consigo fazer isso. O que era eu, se tornou apenas uma incógnita.
Um X.

Autoconhecimento  - O que eu entendo de mimOnde histórias criam vida. Descubra agora