Liberdade era amá-lo.

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O trajeto era percorrido normalmente como de costume e eu saía com as mãos no bolso chutando algumas coisas imaginárias no chão e outras, de fato, reais.

Tamanho era o cansaço que eu sentia e todo o peso invisível sobre as minhas costas. A bolsa quase caía de meus ombros largos e eu andava mais desengonçado que o normal por causa da minha altura.
Eu só não queria pensar no que provavelmente iria me deparar ao chegar em casa. As falas daquela senhora já eram decoradas na minha cabeça enfeitada de fios castanhos.
Você provavelmente deve estar achando que eu sou o tipo mais comum e fatídico de adolescente problemático que existe. E talvez, no fundo, você esteja certo. Não era mais tão legal ser adolescente como eu achava que seria na infância. O papai continuava ocupado demais com o trabalho e bebendo nas horas vagas para em seguida importunar a mamãe. A última citada seguia o roteiro fielmente com seu papel descontando tudo o que sobrou dela mesma em mim.
Os poucos "amigos" que me sobraram na verdade se resumiam à um único pequeno menino de olhos meio grandes demais que me conhecia desde o fundamental e, provavelmente, esse foi um dos motivos dele ter permanecido ou só pelo simples fato dele ser tão patético quanto eu e não desenvolver amizades tão facilmente sobrando apenas eu, a amizade já desenvolvida devido ao fato das mães serem amigas e se tornado vizinhas por acaso.

E foi na ação, já esquecida no momento, de chutar objetos reais e imaginários que eu deparei-me com uma cena que de maneira nenhuma sairá de mim (se não, provavelmente, eu não estaria os escrevendo isso).
Era só um muro. Um muro e algumas latinhas de spray. Talvez acompanhados de um garoto baixinho de calças justas, mas que por algum motivo tinham um ar de velhas e surradas, e um cabelo possuidor de mechas vermelhas.
E lá estava o menino concentrado em terminar o que pintava formando um bico torto nos lábios provavelmente os mordiscando interiormente.
Eu prestava toda a minha atenção no muro desenhado com tintas de cores chamativas que pareciam gritar por atenção à toda aquela crítica social embutida na imagem que eu não lembro mais. Por que? Porque nessa hora eu não prestava mais atenção ao desenho bem feito.

Eu olhava pra o garoto baixinho dono daqueles rabiscos carregados de ativismo. E, pra minha surpresa, ele também olhava pra mim e, puta merda, ele me olhava tão fixamente que eu queria correr e me esconder.
Ele sorriu pra mim repuxando os lábios meio secos os umedecendo e sorrindo de uma forma madura e sensual e nessa hora ele não parecia mais ser tão mais novo que eu. E naquele momento eu só conseguia ouvir sons de música alternativa com um ritmo de bossa-nova como se tocassem ao fundo enquanto faziam o vento jogar seus fios vermelhos em seu rosto.
Eu não falei absolutamente nada. Haviam outros desenhos no muro grande daquela fábrica de roupas finas que, mais tarde, descobri serem seus também, todos carregando uma mensagem que provavelmente ardia em teu coração. E como ardia. Tu ardia em vontade de fazer todos ouvirem tua voz, mas por insistirem em te calar você fez de suas mãos poetas e delas seus lábios também. Elas falam através dessas tintas spray em cores diversas, através desse cheiro forte e através delas mesmas sujas de toda essa tinta, inebriadas de todo esse odor.

E eu nem percebi, sabe? Nem percebi quando a sirene barulhenta e digna de ódio começou a tocar. Provavelmente tua arte, ou melhor, tua voz incomodou da mesma forma que se falasse com sons através de tua boca e insistiram em correr atrás de ti pra te calar.
O menino ali parado olhou pra trás encarando um carro vindo ao nosso encontro, fitou-me de volta sorrindo um pouco mais e danou-se a correr, mas antes de pegar distância olhou-me de novo e seu olhar fazia perguntas. Dentre tantas a mais evidente questionava-me se eu ficaria ali ou o seguiria.
E eu não sei o que deu em mim. Não sei se foi a pior ou melhor escolha que fiz na vida. Mas fiz.
Fui e fiz bonito correndo da polícia ao teu lado com você sorrindo pra mim mostrando teus dentinhos bonitos e bem alinhados como se fossem teclas de um piano reluzente que pediam para serem tocadas.

Nós perdemos o fôlego depois de tanto correr pelos becos e vielas que adentrávamos até que finalmente aquele barulho de sirene cessou-se indicando que já estávamos longe o suficiente para não sermos encontrados.
Lá estávamos nós. Eu praticamente sentado no chão sem fôlego algum tentando limpar o suor que escorria de mim e você de pernas flexionadas usando-as de apoio para as mãos enquanto buscava ar pelas narinas e boca, mas ainda a usando para estampar um sorriso brincalhão e satisfeito no rosto e eu só conseguia admirar aquele ser bonito ali na minha frente.

Mas, provavelmente, num choque de realidade eu olhei pra a sua cara (como se já não a olhasse antes), ajeitando minha postura de pé e pensando em todo o caos que tinha acabado de acontecer respirando fundo preparado pra tudo que eu iria dizer.

–Mas que merda acabou de acontecer? Você é louco? Algum tipo de encrenqueiro? Isso é vandalismo.

Você me olhou levemente surpreso e eu pensei por um momento que você iria me massacrar, mas não. O rapaz ajeitou a postura pondo-se a me encarar com um olhar que parecia sorrir levemente um tanto compreensivo como se eu fosse uma criança que não sabia o que falava.
E você falou uma das coisas mais inusitadas e sábias que ouvi até hoje.

–Vandalismo é não falar de amor.

O choque de momento fez-me arregalar os olhos para o rapaz menor que eu que me olhava como um adulto. Provavelmente eu só entenderia suas palavras um tempo depois de qualquer forma.
E de fato vandalismo é não falar de amor. Vandalismo é não falar que o rapaz chamado Byun Baekhyun, possuidor de 19 anos de idade, fez-me entender que vandalismo era quando tentavam o calar de diversas maneiras possíveis, seja as leis governamentais de estado ou até mesmo seus antigos pais.
Vandalismo é não fazer-se auto-falante de si próprio e deixar que as regras (muitas delas sem sentido) roubem sua voz. Vandalismo mesmo é quando fui expulso de casa por deixar-me ser auto-falante de minha alma; e vandalismo maior culparem meus "amiguinhos novos" que, supostamente, faziam minha cabeça.
Vandalismo é não assumir tudo que, com o tempo, acabei sentindo pelo avermelhado com roupas meio antigas, largas e despojadas. Vandalismo foi fingir por um tempo que sempre fomos só amigos. Vandalismo foi quando esquecemos de tudo que vivemos e sentimos um pelo outro e brigamos como duas crianças birrentas.
Vandalismo era não enaltecer toda a sensualidade que o baixinho esbanjava, principalmente ao transarmos (ou ao fazermos amor, como ele gostava de chamar). Vandalismo era esquecer de toda a pose máscula que nas nossas noites de amor o menino deixava de lado dando lugar ao Baekhyun que gemia manhoso carente dos meus afagos, toques, beijos e prazeres.

Isso sim é vandalismo. O que ele fazia era liberdade.
E liberdade era viver ao lado daquele menino que não se preocupava com qualquer tipo de imagem que o obrigavam a passar à olhos sem um tipo de graça e amor.
Liberdade foi tudo que me foi proporcionado ao largar o que me prendia de alguma forma. Que prendia quem eu era. Que prendia e acorrentava quem eu sou.
Liberdade era sair à praia com o rapaz que amava o mar. Mais libertador então era vê-lo chutar a água salgada pelos ares.
Liberdade foi morar contigo. Poder acordar e ver teu rostinho amassado ao travesseiro deixando a saliva tão bem conhecida por mim escorrer pelo canto dos teus doces lábios secos ao acordar.
Liberdade é pedalar uma bicicleta contigo grudado às minhas costas com medo de cair. E, provavelmente, mais libertador ainda poder te aquecer nas noites frias com medo desse teu corpo sensível receber algum dano por minha falta de amor.
Liberdade é deixar de ser vândalo. Deixar de ver-me como vândalo. Mas se aos olhos de outros, vandalismo era amar da forma que amo; se aos olhos alheios, vandalismo era amar você, o vândalo da esquina que enchia o muro com desenhos quase indecifráveis por olhos desprovidos de amor, então eu sou o mais puro e perigoso bandido que este país já viu. Então eu sou vândalo de amor. Vândalo que busca a liberdade em toques, cheiros, sussuros, beijinhos e olhares do menininho de cabelos em tons vermelhinhos.
Liberdade é sentir o cheirinho de perfume atrás da orelha do mais velho ao abraça-lo por trás enquanto ele faz o café da manhã. Talvez mais libertador ainda ouvir o ronronar do mesmo e sentir sua mão em minha cabeça enquanto se esfrega mais em mim em busca de mais contato como um gatinho dengoso.
Porque liberdade era amar o ruivinho acastanhado da esquina. Liberdade era ter posse de seus beijinhos e carinhos. Liberdade era poder o devolver tudo isso.

Liberdade era amá-lo.

Vandalismo é não falar de amorOnde histórias criam vida. Descubra agora