Claramente, ele não saberia dizer se era um sonho ou realidade. Tudo a sua volta dançava como fumaça diante de seus olhos, e a lua parecia muito mais perto do que o normal. Gigante, como um colosso no horizonte.
Não era a primeira vez que estava naquele café. E com certeza não seria a última. Era como um labirinto de concreto. Os prédios se erguiam e se encurralavam. Só restava aceitar. Ele olha no relógio.
Eram 7 horas, em ponto. Ela já apareceria.
A garçonete veio, ele pediu um café, como sempre. A moça veio logo depois, pinga leite no seu café, como sempre, e oferece açúcar. Ele nega. Um bom apreciador de café não toma açúcar, pensava ele. Qual seria seu nome? Ninguém sabe. Nem ele. Nunca se lembrava de nada. Aquilo era terrivelmente assustadora para ele, mas ele mantinha a postura.
Mas uma coisa ele se lembrava. Ele vivera esse sonho tantas vezes quanto pudesse contar. Nunca acordava. Era um ciclo sem fim que se repetia e repetia sem parar, para sempre, como num disco travado.
Ele olha no relógio. São 9 da manhã, quando a menos de cinco minutos eram sete. Então ela aparece na esquina. Uma menina, pequenina, provavelmente com a idade de sua filha. Como sabia se tinha filha? Nunca saberia dizer. Ela sempre se trajava assim, um vestidinho branco com um laço rosa na cintura, com um chapéu vermelho que cobria seus olhos e um guarda-chuva tão branco quanto seu vestido, e uma sapatilha rosa como o laço. Somente dava para ver a ponta de seu nariz e seu sorriso meigo.
Venha a mim, suplicou a menina na sua mente. Ele se levanta e deixa o café sem pagar, mas ninguém iria reclamar. Eles nunca reclamavam, não é mesmo?
Nunca. A quanto tempo estou aqui? Ele pensa consigo, seguindo a menina.
O véu da sanidade se movia lentamente, e logo a cidade dava lugar a uma estrada deserta. O que eram prédios viraram pequenos casebres e matagal para todos os lados. Logo a frente uma ponte se erguia sobre um lago. A menina para em sua frente. Tenho medo de pontes.
Ele não sabia o que sucederia. De repente, sua memória fica tão enevoada quanto suas lembranças. Ele não consegue parar, quase caindo sobre a criança. Antes que ela pudesse sofrer disso, ela toca a cabeça dele e some. Então ele cai sobre a ponte.
Tenho medo de pontes. Não era a garota, era ele. Eu tenho medo de pontes.
E a ponte começa a quebrar. Tenho medo de pontes. Ele tenta correr a ponte, mas lhe parecia que tinha milhares de metros para qualquer lado. Tentou correr, mas uma estranha força continuava a puxar ele para baixo e para baixo. E ponte se quebra para revelar um enorme foço sem fundo, onde estava condenado a cair. Tenho medo de pontes. Por que tenho medo de pontes? Ele tenta desesperadamente se agarrar a qualquer coisa que conseguisse, mas já era tarde. A ponte cede e cai na enorme abertura negra que absorvia toda a agua ao seu redor. Ele vai junto, mergulhando na profunda escuridão.
E de repente, estava ali, naquele corredor emadeirado, com ar vitoriano e móveis rústicos e exuberantes, quadros em toda a parede, todos em branco. Agora já não lembrava mais nada. O que iria suceder? Nunca saberia. Era sempre assim, mesmo que ele tentasse, jamais conseguia evitar que o sonho lhe tirasse tudo. Mas era aquilo um sonho de fato? Quando perdera sua consciência? Quem era ele? Para onde iria? De onde viera? Não sabia dizer. Talvez não descobrisse. Talvez fosse meramente uma busca sem sentido. Talvez não houvesse sentido. Talvez não existisse. Nada existisse.
Mesmo assim, seguiria pelo corredor. As paredes se distorciam em espirais que lhe faziam doer a cabeça. Que cabeça? Claro, não lhe parecia que esse lugar iria lhe dizer algo. Entrou na primeira porta a sua direita para encontrar um grande salão. Piano, ele pensou. Claro, não havia notado, mas a melodia já soava antes de perceber. Como não havia notado antes? Olhou para o piano, parecia estar no automático, similar a alguns pianos antigos, com uma partitura pré-fabricada que tocava uma melodia qualquer que agradasse os ouvidos de alguém. Era negro, cor de carvão, com detalhes dourados, mas que duvidava a todo custo que fosse ouro.
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Short StoryEle era um homem comum, exceto que não se lembrava. Quantas vezes vivera aquele momento? A quanto tempo não conseguia quebrar esse loop infinito que não o deixava viver? Quanto mais ele precisaria repetir os mesmos eventos? A garota surge na esquin...