Capas

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Por volta das dez da noite, o Vingador Lunar sobrevoava o Rio de Janeiro, sob a sombra que a luz da lua projetava através de sua capa roxa e prata. Essas também eram as cores de seu uniforme, projetado por seu pai, Raimundo Neves, que foi advogado e corretor em Caxias, onde moraram, e que sempre entusiasmou o filho com histórias de super-heróis. Eram a paixão do velho, que costumava reforçar que houve um tempo em que os supers só existiam no cinema e nas histórias em quadrinhos.

As histórias encantavam o pequeno Antony; já sabedor da existência dos caros flutuadores magnéticos, que permitiam a qualquer pessoa com acesso e muito treino flutuar sobre as cidades, além dos diferentes implantes disponíveis graças aos avanços da medicina, decidiu desde menino que se tornaria um super-herói. Felizmente havia um cursinho num bairro próximo em que ele pôde treinar todos os dias mesmo sem possuir o aparato. Quando completou 21 anos, já tendo sido vencedor de inúmeros torneios de voos acrobáticos e batalhas pessoais aéreas, seu maior sonho se realizou: ganhou os flutuadores magnéticos como prêmio do campeonato municipal, série C. Mandou costurar o uniforme que seu pai havia desenhado quando ele ainda era criança. Tornou-se o Vingador Lunar, o protetor das noites cariocas!

E lá estava ele, o Antony, o Vingador Lunar, sobrevoando o Leblon como costumava fazer todas as noites, exceto quando estava em algum evento específico ou, mais raramente, numa missão.

Avistou uma super-heroína ao longe, perto da Cobal, logo se interessou. A técnica de voo da moça era razoável, parecia ser daquelas boas de acrobacia porém sofríveis em combate. Ela vestia um uniforme em peça única, decotado ao extremo na parte superior e quase não cobrindo as nádegas na parte inferior. Parecia de lycra e se unia somente nas laterais, deixando barriga e costas à mostra. Era amarelo com manchas negras e uma máscara da mesma cor e estilo, apenas delineando os olhos, completava o figurino.

Exceto pelos reguladores nos quadris, todos os flutuadores magnéticos também ficavam visíveis nos pés, joelhos, mãos, cotovelos e ombros, o que no passado seria estranhado; um dos charmes dos primeiros aeroacrobatas estava no mistério sobre seus aparatos e se costumou manter essa tradição desde que surgiu o primeiro super, no programa "Quem quer ser um super-herói?". Aliás, graças ao lobby da emissora e popularidade do programa que foi possível aprovar a Lei dos Justiceiros, que permitiu a concessão de direitos policiais e implantes especiais aos interessados em se tornar super-heróis desde que aprovados e credenciados. Antony se aproximou.

— Olá, está sozinha?

Ela sorriu.

— Achei que você ia perguntar primeiro se eu voava sempre por aqui.

— Ah, preferi mudar a ordem! — Riram.

— Você tem sorte. Tô sozinha sim. Sou a Onça Ferina, e você? (Mostrou unhas postiças que se projetavam para frente ao toque de um botão anexado à primeira falange do indicador.)

— Sou o Vingador Lunar. Tenho visão noturna, uma beleza! (Na verdade, a cirurgia que ele fez aumentou muito ligeiramente sua captação de luz e jamais o havia ajudado em coisa alguma.) Nunca tinha me visto? Eu estive há uns dois meses no Gordão do Domingo, agora eu tô fazendo parte dos Crepusculares. Nós aparecemos logo depois da entrevista com o Capitão Amazonas.

— Ai, ele tá caquético, né? E olha que quando eu era mais nova, meu sonho era ser amazonete. Ridículo, né? (Antony sorriu. Quando ele era criança, o Capitão Amazonas era seu herói favorito. Dele era o único álbum de figurinhas que tinha completado. Mas depois de um tempo o Capitão passou a fazer missões de menor vulto, nunca mais ganhou prêmios. Parecia mais conveniente ignorá-lo.) E você, vem sempre aqui? — Prosseguiu a Onça.

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