Carta 30.

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Trabalhe, trabalhe, trabalhe, trabalhe, trabalhe! 

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03 de outubro de 2012.
Quarta-feira.

Olá colega,

Por três meses fiquei sozinho em casa com o Robert, uma tia nossa chamada Mariana, que também era nossa vizinha, ficou encarregada de olhar eu e o Robert enquanto Ele viajava a trabalho.

Nós seres humanos passamos grande parte das nossas vidas estudando e trabalhando, para morrer e nada disso fazer nenhum sentido.

Era assim que eu via a vida. E talvez ainda tenha uma parcela desse pensamento dentro de mim.

Ele sempre estava cansado do trabalho, como se a vida dele fosse um erro e estivesse vivendo no automático, como se a vida fosse somente trabalhar - ganhar dinheiro - pagar as contas - trabalhar - ganhar dinheiro - pagar as contas - trabalhar, um ciclo repetitivo, sem intervalos para diversão ou relaxar a mente, o corpo e a alma.

Sei que existem trabalhos para cada tipo de pessoa, algum tem que te dar prazer suficiente para que viver e trabalhar sejam parceiros.

Deve ser muito bom ganhar para fazer aquilo que você gosta, por exemplo, amo escrever, não sou um excelente escritor, mas te escrevendo essas cartas me sinto feliz, relaxado, as palavras fluem, as letras escritas formando frases e os textos me trazem uma alegria inexplicável, é isso que me faz viver, as histórias que com o passar dos anos só se tornam mais belas e ricas.

Emoções em páginas, são momentos e sentimentos eternizados em palavras.

Recebi o dinheiro da compra do mês que Ele havia mandado para minha tia. Fui ao supermercado e comprei tudo que eu e o Robert gostávamos de comer. O Robert sempre foi muito temente ao meu pai, quando cheguei em casa com as compras o olhar dele misturava medo e felicidade.

— O pai não vai brigar Zack? – O Rob me perguntou enquanto tirava uma barra de chocolate da sacola.

Fiz que não com a cabeça.

Meu irmão já estava na escola, ele é totalmente dependente de mim.

O Robert sempre amou muito Ele independente do que Ele faça.

O caçula é um pouco desleixado na escola. Todo meu ensino básico tive apoio da minha mãe e agora tentava apoiar o Rob, mas é difícil uma criança dar algum parâmetro de vida para outra, é difícil educar quando você deveria ser educado.

Amo o Rob mais que tudo nessa vida, infelizmente os problemas dos adultos acabam traumatizando as crianças, sinto tanta raiva por ele não ter o apoio necessário de uma mãe e um pai presente.

Quando Ele voltou da viagem apanhei novamente, dessa vez, não chorei, esses meses eu e o meu irmão comemos o que tinha de melhor, se na vida é possível viver assim, como vivi esses meses sem medo de ser feliz, é assim que quero viver, para sempre.

Nesse mesmo ano comecei a frequentar, com muita dificuldade, eventos de leitores no parque do Ibirapuera, conhecer pessoas novas com os mesmos interesses que você e sair um pouco de casa e esquecer os problemas com Ele me trazia um alívio.

Estar nesses eventos era como se eu realmente pudesse ser um adolescente normal, sem o peso de ter que cuidar de um irmão, arrumar a casa e aturar um pai alcoólatra.

Nesses eventos conheci pessoas como eu, pessoas que amam ler e que fazem uma tarde de domingo valer a pena.

O ano já está quase acabando e ainda não recebi nenhuma mensagem do Matt.

Sempre vou olhar para a lua e lembrar do dia em que ele me disse que a lua era o elo que ligava os nossos corações e que cada estrela no universo representava os anos que ficaríamos juntos.

Hoje o céu não tem estrelas, sei que elas estão lá, assim como o Matt, mas algo me impede de chegar até ele, no céu a lua está solitária, aqui na rua faço companhia para ela, esperando ele voltar.

Um abraço, Isaac

ISAAC Onde histórias criam vida. Descubra agora