Revirei os olhos quando percebi meu chefe se aproximar. Eu sabia que um sermão longo e entediante estava prestes a começar.
-Você esqueceu de levar o refrigerante da mesa quatro! Eles pediram faz quinze minutos, Marina. -Ele suspirou, tentando manter a calma- O que você quer? Destruir o meu negócio?
-Bob, será que dá para se controlar? Eu estou cansada de suportar esses seus ataques repentinos! É só um refrigerante, eu irei levar agora e ficará tudo bem, é só pedir desculpa aos clientes, eles não vão sair por aí difamando a sua lanchonete por quinze minutos esperando um refrigerante, eu garanto. -Explodi.
-Nós dois sabemos que você não irá se desculpar, discutir com clientes é a sua especialidade. -Argumentou.
-Eu não faço de propósito, eles reclamam do meu atendimento na cara dura, e eu simplesmente não consigo me controlar. Quando percebo, já estou prestes a socar a cara de alguém. Você sabe, eu jamais abaixaria a cabeça e ouviria tantas asneiras calada.
-Bom, querida, se quiser continuar aqui será do meu jeito. Eu prometi ao seu pai que só te demitiria numa única circunstância, que seria o fechamento da lanchonete, mas até quando terei que que arcar com as consequências dos seus atos para levar essa promessa adiante?
-Você não precisa me demitir, eu mesma faço isso. Estou farta de você fazer questão de me humilhar sempre que pode. -Fiz uma pausa, mas logo continuei- E olha, Bob, eu não sou a sua melhor garçonete, mas estou longe de ser a pior. Eu te ajudava com a contabilidade, eu fazia muito mais do que levar lanches e refrigerantes. Me desdobrava pra ajudar você sempre que pedia. Eu não sou perfeita, mas isso ninguém é. -Sorri ironicamente- Espero que não se arrependa por me fazer tomar essa decisão, porque Bob, eu me demito, e não tem mais volta.
Não esperei que ele respondesse, e eu tinha certeza que ele não iria. Tudo o que consegui fazer, foi pegar tudo o que era meu, e depois receber o meu último salário.
Fui até o banheiro e tirei aquele uniforme ridículo, ele não fazia mais parte da minha vida.
Vesti um vestido vermelho, ele tinha um decote profundo nos seios. Pra mim, ele dizia: "Você está vendo um belo par de peitos, mas ainda tem muito mais pra ver." Era uma ótima mensagem para os homens.
Depois, passei um batom cor-da-boca, o vestido já era chamativo o bastante.
Disquei o número da minha melhor amiga, e esperei impacientemente até ela atender.
-Fala, Nina.
-Eu me demiti.
-Fala sério!
-Ele quase me demitiu, mas eu dei a palavra final, então tecnicamente fui eu que quis sair de lá.
-Esquece isso, Nina. Mas e agora? Como você vai manter o seu apartamento? Como você vai se manter sem emprego?
-Dane-se tudo, Emily! Estou pronta pra gastar o meu último salário indo pra o meu lugar favorito.
-Você vai mesmo pra balada, gastar o seu último salário com bebidas, e depois se arrepender totalmente por isso?
-Vou, e estou te convidando a se juntar a mim.
-Estou indo busca-la, então.
-Isso, Emy! Que se danem todos, vamos curtir o momento.
-Que se danem! -Ela deu risada, e depois desligou o celular.
O carro de Emily estava virando a esquina da lanchonete, e exatamente nesse momento, Bob tocou meu ombro.
-Não queria que as coisas terminassem assim.
-É mesmo uma pena, porque nada que foi feito será desfeito.
-Você é uma boa menina, só está no caminho errado.
-Gostaria que tivesse percebido isso antes, porque agora é tarde demais.
-Vai mesmo deixar a lanchonete? Você não vai achar emprego melhor. -Começou outra vez.
As coisas sempre terminavam com ele me humilhando de alguma forma. Duvidando de minhas capacidades, exigindo que eu fizesse coisas além da minha obrigação como sua funcionária...
-Eu sei fazer muito mais do que servir mesas, se quer saber.
-Duvido. -Ironizou.
Emy estacionou o carro, e veio até nossa direção.
-Ele está te incomodando, Nina?
-Não, Emy. Ele só está descarregando suas frustrações em mim, mas isso não me afeta mais.
-Apenas não consigo acreditar que você, a Marina que eu conheço, vai arranjar um emprego melhor do que o que eu estou oferecendo.
-Não pense que só porque você fracassou, eu irei também. E sobre arranjar um emprego, qualquer coisa é melhor do que trabalhar nessa espelunca.
Entrei no carro de Emily e o deixei lá, plantado.
Olhei para Emily e percebi algo diferente nela. Não havia mudança física, mas a forma que ela conversava comigo, seus conselhos, tudo mudou.
-Uau, Nina. -Ela me observou.
-Gostou mesmo? -Perguntei, insegura.
-Claro, mas por que está tão arrumada?
-Eu só quero curtir a noite, ficar com alguns caras e beber muito pra esquecer o infeliz do meu chefe.
-Ex. -Ela corrigiu.
-Isso.
-Mas Nina, você sabe que isso não irá preencher o vazio do seu coração, não sabe?
-E o que mais iria, Emy?
-Um pouco de paixão, talvez?
-Não, não preciso de mais uma dor de cabeça. Homens não são bem-vindos nessa nova fase da minha vida.
-E por que você está indo na intenção de chamar a atenção deles?
-Por puro prazer, não é nada sentimental, pensei que me entendesse. O que está acontecendo com você?
-Eu não queria te contar agora, você está passando por um momento difícil... -Ela enrolou.
-Não adianta falar em códigos, seja direta.
-Eu estou apaixonada.
-Você o que? -Fiquei pasma.
-Foi tudo muito rápido, não aconteceu nada demais entre nós, mas Nina... eu sinto que ele é o homem da minha vida. -Ela me disse, como se isso não soasse brega.
-Essa não é você. Você não se apegava a ninguém! Cadê a Emily que eu conheço? -Gritei. Eu estava entrando em desespero.
-Ela continua aqui, só que dessa vez eu me apaguei, Nina... Acho que agora é para valer.
-Então espero que ele te faça feliz, porque se te fizer abandonar as noitadas para no final partir o seu coração, eu acabo com ele.
-Eu te amo, Nina.
-Talvez eu te ame um pouco também. -Sorri- Mas vamos logo para a balada, preciso de distrações.
Emily atendeu ao meu pedido, e foi rapidamente para a balada mais próxima.
Ela estacionou o carro, então abri a porta, mas ela me parou.
-Espera, preciso te falar outra coisa.
-Lá vem... -Suspirei.
-Ele está nos esperando lá dentro.
-Você o chamou?
-Você iria conhecê-lo mesmo, apenas antecipei o encontro.
Emily havia acabado de estragar a minha noite, mas tentei não discutir com ela.
-Vou matar você! -Gritei, fracassando na minha tentativa.
-Para de ser dramática, você vai adorá-lo.
-Eu não adoro ninguém, Emy. No máximo vou acha-lo simpático.
-Ele é diferente de todos os caras que eu já conheci, senão fosse, acha mesmo que eu me entregaria para ele?
-Pelo o que eu me lembre, você se entregava para qualquer um.
-Não nesse sentido, Nina.
-Que seja. Vamos entrar logo, essa noite não pode ficar pior.
-Antes que eu me esqueça, o nome dele é João.
-É um péssimo nome. -Debochei.
-Chega de imaturidade, encara o fato de que eu estou amando alguém!
A ignorei e saí andando.
Quando entrei, um homem que estava no bar não parava de me olhar. Então estava indo em sua direção, não iria perder a chance de fisgar o primeiro da noite. Mas alguém segurou o meu braço e me levou para longe dali. Era Emily.
-Ei, me solta! -Gritei por causa da música alta.
-Ele quer te conhecer. -Ela disse, e me levou até ele.
-Oi. -Falei friamente.
-Oi, Marina. A Emily falou muito sobre você, eu estava ansioso para encontrá-la.
-É mesmo? -Forcei um sorriso- Mas eu não posso ficar com vocês dois no momento. Não quero atrapalhar o casal. -Menti.
-Não vai nos atrapalhar, por favor, fique. -Ele pediu.
-Nós imploramos. -Emy acrescentou.
Olhei para aquele homem, e ele ainda continuava me observando.
-Eu não quero, droga! -Explodi.
-Você tinha razão, ela tem mesmo um temperamento forte. -Falou para Emily.
Fingi não ouvir para evitar uma discussão, tudo pela Emily.
-Boa noite para vocês. -Sorri para Emily.
Agora nada impedia o meu encontro com aquele homem.
Fui em sua direção, e ele tentou disfarçar o sorriso.
-Posso me sentar aqui? -Perguntei.
-Claro.
-Não vai me pagar uma bebida? -Perguntei enquanto me sentava.
-Você é bem direta. -Ele disse, sorrindo.
-Estou apressando as coisas entre nós. -Já que ele parecia bem lento.
-Gosto disso.
-Eu percebi.
-Como? -Perguntou.
-Não se faça de desentendido, você estava praticamente me comendo pelos olhos.
-Você sacou, então... -Quem não sacaria?
-Eu tenho muita experiência. -Pisquei para ele.
-Dia ruim? -Ele perguntou, do nada.
-Como sabe?
-Eu tenho muita experiência. -Piscou para mim.
Aquilo me fez rir.
-O que fez o seu dia se tornar ruim?
-Eu me demiti, depois descobri que perdi a minha melhor amiga para um cara, e ainda fui obrigada a conhecê-lo.
-Posso resolver isso.
-Não, você não pode.
-Falo do emprego, eu tenho uma vaga de secretária na minha empresa.
-Está me oferecendo um emprego?
-Estou.
-A gente acabou de se conhecer num bar, você sabe, não sabe?
-É o bastante. Já entrevistei muita gente, mas nenhuma dessas pessoas me agradou tanto quanto você.
-Eu aceito, então.
E ele decidiu falar sobre o meu emprego. Eu precisava calar a boca dele, e eu só conhecia uma forma...
O beijei, e só o soltei quando perdi o fôlego.
-Uau. -Ele exclamou.
-Eu causo esse efeito nas pessoas. -Sorri.
Ele pediu nossas bebidas, e pouco tempo depois ele já estava totalmente bêbado.
Eu também estava bêbada, mas não tanto quanto ele.
Ele me mostrou a chave de seu apartamento, e me convidou para visitá-lo. Eu aceitei, obviamente.
Fomos imediatamente, deixando minhas companhias para trás.
-Sua amiga não vai ficar preocupada? -Ele perguntou, enquanto entrávamos no carro dele.
-Ela está ocupada demais com o novo namorado.
-Mas você não tem medo? Está entrando no carro de um estranho, sua mãe nunca te ensinou que não deve confiar neles? -Ironizou.
-Eu nunca tive mãe, ela morreu para que eu vivesse.
-Sinto muito. -Falou enquanto ligava o carro.
-Eu já superei. -Forcei um sorriso- E de qualquer forma, eu sou bem grandinha. Além do mais, é normal para mim. Estou repleta de estranhos, entrar no seu carro não significa que eu confie em você. Eu não confio em ninguém, -tentei lembrar o seu nome, e só então me dei conta de que ele não havia me dito- qual o seu nome mesmo?
-Rodrigo.
-Pois bem, Rodrigo, eu não confio em ninguém. -Emily era uma exceção. E Bob também, mas tinha deixado de ser naquela noite. Nós sempre vivemos entre o amor e o ódio, mas isso não significava que ele não era importante para mim. Ele tinha deixado de ser, depois de tudo o que me disse, depois de praticamente me desamparar. Ele não tinha obrigação alguma comigo, mas ele poderia ser ao menos delicado. Ter me dado tempo para me estabelecer... talvez eu não aceitasse, mas pelo menos saberia que ele ainda tinha alguma consideração por mim. Eu estive enganada esse tempo todo- Deixar que você me leve pra casa, não diz nada sobre isso.
-Te levar para casa? Pensei que íamos para o meu apartamento. Você me atraiu de uma forma que mulher alguma me atraiu na minha vida inteira.
-Devo agradecer?
-Não é do seu feitio, pelo que parece.
-Não mesmo, principalmente fingir gratidão por uma cantada tão barata. Eu escuto coisas assim pelo menos umas cinco vezes por dia, você precisa se esforçar mais se quiser descolar alguns beijos, e se tiver sorte, algo a mais.
Ele ria, provavelmente pela quantidade de álcool que havia ingerido. Eu também tinha bebido, mas não estava naquele estado.
Fiz ele desistir de dirigir, e esperamos o táxi chegar, sentados numa calçada próxima a balada. Ele tossia muito, ao ponto de irritar qualquer um.
-Você está bem? -Perguntei, mais por querer acabar com aquele som do que por preocupação ou qualquer outra coisa.
Ele não respondeu, apenas se vomitar em cima de mim fosse uma resposta.
-Droga! -Berrei, e me afastei dele no mesmo instante- Qual é o seu problema?
-Eu... -Ele tentou dizer, mas logo uma onda de vômitos tomou conta dele. Por sorte eu estava longe o bastante para não ser atingida de novo.
Eu estava errada quando disse que a noite não podia piorar, porque ela piorou, trocentas vezes mais.
O táxi chegou, e esperamos ele se recompor para entrarmos lá.
Eu o teria deixado em seu apartamento sozinho, mesmo que passando mal, e sem remorso algum, mas ele não havia me dado o seu endereço, e nas condições em que estava, eu tinha certeza que ele não lembraria.
Jogá-lo na rua seria demais até para mim, levando em consideração que ele me oferecera um emprego horas antes, além de eu ter voltado para casa com o mesmo dinheiro que tinha ido, já que ele pagou as bebidas sozinho.
Eu precisava levá-lo para o meu apartamento, mesmo que contra minha vontade.
Paguei o táxi, e bufando, puxei a mão de Rodrigo, arrancando-o de lá.
-Vamos, acorde! -Dei batidas em seu rosto enquanto ele estava jogado no chão, mas ele não reagia- Você só pode estar de brincadeira comigo! -Elevei o tom, irritada.
O taxista ainda não tinha ido embora, e graças aos céus, percebeu o meu desespero.
-Precisa de ajuda para levá-lo, madame? -Piscou um dos olhos.
Uau, ainda totalmente destruída e fedendo a vômito, eu era capaz de chamar a atenção de um homem.
-Por favor!!! -Implorei.
Aquele homem levou Rodrigo até o meu apartamento, e eu o ajudei como podia. O que não significa muita coisa.
Quando finalmente chegamos, ele o colocou no sofá.
-Ainda vai precisar dos meus serviços? -Perguntou, de uma forma maliciosa.
-Não, você já pode ir. -Forcei um sorriso, mais por educação.
-Pegue o meu cartão, o meu número está aí, e se precisar de qualquer coisa, qualquer coisa mesmo, -enfatizou- é só me ligar.
Aquilo era nojento, ele tinha idade para ser o meu pai.
-Obrigada, mas não será necessário. -Retruquei.
-Me passe pelo menos o seu número, caso eu precise de algo. Eu te fiz um favor, você poderia retribuí-lo um dia.
Aquilo já estava indo longe demais.
-Saia da minha casa! -Apontei para a porta.
-Não enquanto você não me passar o seu número. -E ele se aproximava mais a cada palavra dita- Não vai se machucar se fizer isso, eu prometo. -Ele acariciou o meu rosto.
-Acha que um velho feito você me intimidaria? -Perguntei. Mas já eram quase quatro horas da madrugada, e havia um velho nojento enfiado no meu apartamento. Como eu não poderia me intimidar?
-Eu tenho certeza que sim. -Falou, e apertou meus braços no mesmo instante.
Fechei os olhos quando um barulho estridente soou no meu apartamento. No mesmo instante, o homem que estava lá, caiu no chão.
Rodrigo havia acordado, e quebrado um dos meus melhores vasos na cabeça daquele senhor.
-Vou acabar com esse desgraçado! -Falou, se abaixando e socando o rosto do taxista repetidas vezes.
-Pare! -Ordenei- Vamos jogá-lo na rua e esquecer da existência dele.
Rodrigo concordou, e fomos juntos, deixá-lo perto de seu carro.
Depois voltamos para o apartamento, e Rodrigo parecia melhor.
-Você está bem? -Perguntou- Ele fez algo com você?
-Estou bem. E não, ele não fez nada. Não teve tempo, graças a você. E você me parece ótimo para quem colocou tudo o que comeu a semana inteira numa única noite pra fora.
-Só estou com dor de cabeça.
-Eu imagino. Mas agora que acordou, vá tomar um banho, o seu cheiro está insuportável.
-O seu também não é dos melhores.
-É claro, você me sujou toda. -Berrei- Agora feche a boca antes que eu me arrependa de ter trazido você pra cá, e vai logo tomar a droga desse banho.
Então ele saiu rindo. Só podia ser efeito da bebida, porque se não fosse, eu o enterraria vivo. O meu humor não era dos melhores no momento.
Bufando, fui até o sofá e joguei o casaco que Rodrigo deixara lá no lixo. O cheiro que vinha dele estava incensando o apartamento todo.
Rodrigo tinha razão, o meu cheiro não estava lá tão agradável. Obviamente. Então, tirei o vestido e permaneci por um bom tempo a observá-lo.
-Inferno! -Resmunguei.
Era tão lindo, e custara tão caro. Agora estava encharcado de vômito.
Tentei não chorar, eu era forte o suficiente para deter isso. Mas o dia tinha sido difícil, eu perdi o emprego, e também discuti com o meu chefe. Ex, quero dizer. Além disso, como se não fosse o suficiente, tive o pior "encontro" da minha vida. Nunca aconteceu algo tão desastroso quando eu não tinha intenção nenhuma de ter algo sério com alguém. Era sempre a mesma coisa, nós bebíamos, ficávamos, e depois eu partia para outra. Por que não dessa vez? Por que tudo deu tão errado?
Fui para a porta do banheiro, rezando para que Rodrigo saísse logo de lá. Eu precisava de um banho.
Afundei o rosto nas mãos para evitar o choro. Novamente. Dei um longo suspiro, e joguei o vestido na cesta de roupas sujas.
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A garota do bar
Teen FictionMarina tem vinte e três anos, curta e grossa, para poucos amigos. Adora homens e bebidas. Quando o desemprego bateu em sua porta, se viu obrigada a abandonar as noitadas. Mas, mal sabia ela, que havia um homem que mudaria tudo. Despertaria também...