"Hoje é apenas mais um dia"

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Os raios de sol que entravam em seu quarto fizeram seus olhos se abrirem, revelando um azul que lembrava perfeitamente o mar. Não demorou muito para que a garota se levantasse e sentisse seus cachos armados, fazendo-a suspirar.
-Hoje será um ótimo dia. -- Disse enquanto se olhava no espelho, a animação não chegava a ser desmonstrada, deixando aquilo que ela disse com um tom irônico.
Enquanto a princesa acordava em seu castelo com os raios de sol, a plebéia acordou com o despertador do celular tocando baixo para não acordar o pai ou o irmão. Demorou para dormir naquela noite, já que o pai chegou em casa mais alterado, se levantou e suspirou lembrando da escola, que também não era o lugar mais aconchegante.
- Hoje será mais um dia.
Disse sem ânimo olhando para sua janela fechada.
Por mais vontade que estivesse de sair dali, mesmo de pijama, ela se dirigiu até o closet que havia em seu quarto e olhou as roupas, as mesmas de sempre.
Enquanto escolhia, a única certeza que tinha era que usaria seu velho all star que havia comprado a vários anos antes da sua mãe lhe falar que ela precisava de um sapato novo. Ao escolher no final, uma camisa branca que havia um pequeno logo da marca praticamente invisvel, um jeans já rasgado e um casaco vermelho que ao vestir, amarrou em volta da cintura. Em sua mochila, os cadernos praticamente limpos organizados eram chagalhados enquanto a mesma corria até a cozinha.
Ela olhou em volta para seu quarto bagunçado, levantou-se sem vontade alguma, mas sabia que qualquer lugar era melhor que aquela casa. Dirigiu-se até o armário onde suas roupas estavam, quase todas amarrotadas e amassadas. Pegou o velho jeans rasgado, não por moda, mas de tanto ser usado, a blusa rosa de mangas médias e sua velha Martin boot, que já tinha faziam anos, e era o único calçado que possuía. Nem acredita que conseguiu dinheiro para comprá-los, então vesti-los todos os dias era uma conquista.
Pegou a mochila com seus cadernos, as únicas coisas bem cuidadas dentro do seu quarto e saiu do quarto pé por pé para não chamar atenção de ninguém. Em seu bolso haviam vinte reais, para comprar algo para comer na escola.
Quando finalmente abriu a porta e conseguiu sair de lá sentiu um alívio e andou com pressa até a parada para esperar o ônibus escutando músicas no seu velho telefone com a tela quebrada que antes de ser seu havia sido de seu irmão.
Obrigou-se a parar de correr ao ouvir uma reclamação de sua mãe, provavelmente por causa da sua roupa, algo que a mesma fazia questão de comprar as vezes.
Ela pegou uma maçã verde e igual a eles, sem falar nada importante, saiu de casa.
Ao sentir o ar em seus pulmões e ver que realmente tinha alguns minutos até o seu irmão acordar e ver que a garota se esquecerá de ficar e ouvir seus comentários idiotas, então andou apressadamente até seu carro e entrará, sentindo um alívio ao ouvir o som da partida.
O fone estava com um chiado horrível, e parecia que em breve apenas um lado funcionaria, sentou-se no primeiro banco vazio que viu em sua frente e ficou observando o lado de fora pela janela. Claro que o ônibus não pararia na frente da escola, ou sequer tão perto, "Por um acaso você já viu aluno de escola particular ir de ônibus?" Ela ria consigo mesma esperando chegar sua parada.
O céu estava limpo, quase nenhuma nuvem lhe tapando a visão do azul celeste que fazia com que ela ficasse distante. As vezes pensava que se fosse rica como seus colegas ela poderia fazer tantas coisas... Como ir para a escola em um carro lindo com bancos confortáveis.
Olhou para seus pés vendo a bota rosada que estava começando a se desbotar, e pensou em novos sapatos, e pensou até mesmo em amigos.
"Sinceramente, tem algo que o dinheiro não compre?"
Ela suspirou e olhou novamente para a janela vendo sua parada. Correu para fora já que o motorista estava pronto para dar a partida e caminhou mais um pouco até chegar aos portões do colégio, onde seu fone simplesmente se recusou a funcionar novamente a fazendo guardá-lo na mochila e olhar para o lado vendo uma banca onde uma velha senhora vendia relógios, capas de celulares e fones. Mas não tinha dinheiro para isso, ou comia ou escutava música, e apenas uma dessas opções influenciaria na sua sobrevivência.
A música tocava algo agradável o suficiente para que ela pudesse se concentrar nas curvas e carros que as vezes insistiam em buzinar, dando-lhe vontade de apenas mostrar o dedo do meio e seguir o mesmo caminho que sempre fazia para chegar a escola na qual seus pais faziam questão de pagar para que ela tivesse uma boa experiência na escola.
Se o dinheiro compra a educação, imagina o que seria capaz de fazer com o amor...
Pensou ao estacionar na frente dos muros onde havia era possível ver a entrada do Colégio.
O céu não lhe chamava muito atenção, muito menos as pessoas a sua volta, que não pareciam ligar para ela também, então logo entrou após dar um breve bom dia para o segurança que ficava na frente dos portões.
Em seu bolso havia fones que a mesma quase se esquecerá de tirar da calça. Música parecia ser a única coisa com sintonia nesse lugar que deveria ser comum para uma garota de dezessete anos que tinha, como todos gostavam de dizer, tudo.
Ela suspirou e então adentrou pelos portões dando um breve bom dia ao segurança que não parecia estar nos seus melhores dias, caminhou apressadamente por entre todos aqueles que, como ela gostava de pensar, tinham tudo e não se importavam com os problemas dos outros.
Viu alguns garotos jogando uma bola de futebol americano de um lado para o outro, garotos levantando as saias de outras garotas e garotas fofocando, sobre suas viagens a Paris ou a Grécia.
"Quanto mais dinheiro eles tem parece que mais imaturos ficam..."
Ela disse revirando os olhos e se dirigindo ao lugar de sempre, em baixo da velha árvore onde poderia ler um bom livro sossegada. Sem ninguém para lhe tirar a paciência.
Todos ali estavam ocupados com algo. Conversando, jogando, lendo... E ela parada, vendo-os. As garotas na sua frente pareciam obriga-la a rir das coisas idiotas que os garotos faziam, que não era nada além de jogar uma simples bola para o alto. Não demorou muito para um deles aparece na sua frente, sorrindo; um sorriso que até hoje ela não entendia o que significava então apenas sorriu de volta, sentindo logo em seguida os lábios do mesmo garoto nos seus. Não havia sequer sentimento nisso, apenas uma atração que todos apenas diziam que era porque estavam no começo do namoro e que logo o amor surgiria...
-Será que os pombinhos poderiam dizer se vão ou não na festa? -- Perguntou Jason, um garoto forte e cabelos castanhos que sorria debochadamente na direção dos dois.
Ela continuou lendo seu livro que ficava cada vez mais interessante, e mesmo mantendo a atenção no livro estava ouvindo tudo a sua volta com medo de não escutar o sinal tocar.
Joane que ria junto com Jason aguardando uma resposta de Kendra e Andy observou a garota sozinha e debochou.
- Vocês podem ficar com a esquisita se não quiserem ir à festa, já que ela nunca vai ser convidada para nenhuma.
Fora aquele comentário ter sido idiota, todos tiveram a capacidade de rir. Ela pode ver a feição da garota que por mais que não parecesse se importar, abaixou a cabeça e voltou a ler seu livro de capa vermelha.
-Eu não vou. -- Disse ela sem tirar os olhos da garota considerada esquisita.
O silencio se tornou um tanto icônico e os olhares mais ainda, algo que ela só foi perceber segundos depois de ter dito aquilo.
-Qual é, Kendra! Vai ser divertido...
Aquilo de certa forma machucou Alice por dentro, mesmo que aqueles comentários já fossem habituais na sua vida, mesmo assim ela continuou a ler o livro como se nada tivesse acontecido, pois ignorar era a única coisa que ela podia fazer.
- Vai ficar fazendo o que? Vai ficar em casa com o seu irmão?
Joane sorriu como se fosse uma vitoriosa na situação, riu debochada ao dizer a última palavra e observou a expressão de Kendra esperando uma resposta da mesma.
Na espera de uma resposta, o sinal acabou tocando. Logo os passos, alguns apressados e outros tão lentos quanto a animação dos alunos, se voltaram para dentro do prédio onde haveriamos aula.
Kendra sabia que aquilo era errado e aquela festa acabaria de um único jeito: Andy tentando transar com ela. Um pensamento que realmente ela não gostava de ter, então apenas entrou e foi até seu armário.
Alice se levantou com um suspiro, dirigiu-se até os armários para pegar os livros, o que não a deixava tão contente já que as pessoas a volta de seu armário não eram as melhores.
Pegou os livros que precisava e com pressa andou até a sala onde teria a primeira aula, química.
Sentou-se no mesmo lugar de sempre, na primeira classe perto da janela, e olhando para fora amarrou o cabelo em um coque frouxo usando a caneta já que não pode elaborar um penteado melhor antes de sair de casa.
Os passos lentos acabaram fazendo Kendra se atrasar e chegar na sala quando o professor já estava a falar sobre algum assunto que a mesma não fez questão de guardar. Ela logo se sentou na penúltima fila, pegando seus cadernos praticamente limpos e olhou em volta, olhando cada ser que estava a sua volta, alguns a olhando, outros em seus pequenos mundos perdidos.
Era assim que as horas se passavam, não copiando nem metade das coisas e tentando entrar em uma linha fixa de pensamento aleatório.
-Atenção, alunos! -- O pedido parecia ser para ela, que no momento estava encarando seu caderno. -Teremos uma apresentação de trabalhos daqui duas semanas, e vocês foram os escolhidos por mim para receber mais pontos no ano se apresentarem adequadamente.
Pôde-se ouvir alguns sons de reprovação vindo da maioria dos alunos pelo trabalho extra e então Alice se ajeitou em sua cadeira. A idéia de pontos a mais a interessava, sempre foi muito dedicada aos estudos, mas só de pensar em se juntar com alguém daquela turma para fazer um trabalho em grupo e ainda apresentá-lo na frente de todos fazia seu estômago embrulhar e suas mãos suarem.
Ela levantou a mão trêmula e tomou coragem para falar chamando a atenção do professor e assim dos outros alunos.
- O trabalho pode ser feito individualmente?
A atenção da ruiva foi diretamente para a que os seus amigos chamavam de esquisita, vendo também que eles procuravam um motivo para rir dela.
-Sinto muito... Senhorita Lumpford, mas esse trabalho será grande e seria uma pena se não conseguisse fazer seu máximo por não ter ajuda. -- A educação do professor chegava a ser bipolar pois quando ele falava assim sabia-se que ele gostava da pessoa com quem estava a conversar.
Pela primeira vez Kendra realmente viu a timidez da garota, percebendo o quão fofa ela chegava a ser as vezes.
A garota suspirou e encostou as costas na cadeira, entendia o ponto do professor, mas realmente estava nervosa demais para pensar em conversar com aqueles que a chamam de estranha.
Ela passou os olhos pelos cantos da sala, e seu olhar cruzou com o de outra garota. Cabelos cacheados e ruivos, olhos claros, azuis como o céu celeste que amava admirar, chegou a se perder um pouco naquele olhar, mas logo corou e virou rapidamente para frente prestando atenção no professor que estava fazendo mais um pronunciamento.
Kendra se sentiu a vontade de sorrir ao perceber que a poucos segundos aquela garota a encarava. Ela teve que piscar algumas vezes para voltar a realidade e se ver obrigada a copiar tudo sobre o trabalho, pois sabia que não se lembraria.
Não demorou tanto quanto todos esperavam para que o professor parasse de falar e pegasse um papel que até então estava em sua mesa.
-Deixarei os grupos no painel da sala, façam questão de ver no final da aula. -- Disse já indo em direção ao quadro onde ja havia outros papéis antigos.
A aula então acabou e como de costume o professor recolheu suas coisas para dar espaço ao próximo professor.
Assim que ele pôs seu pé na porta pôde-se ver uma multidão de alunos curiosos correr em direção ao pequeno painel para ver quais seriam os grupos. Alguns se cumprimentaram, outros bufaram, e outros comemoraram, o que não foi o caso de Alice.
Ela olhou para o painel e se sentou cabisbaixa ao repetir mentalmente todos os integrantes de seu grupo.
"Joane, Jason e Kendra... Eu tô ferrada! Todos eles me odeiam... E são todos apenas mais um grupinho de alunos mimados! Estou vendo que de qualquer modo eu vou fazer tudo sozinha!"
Ela deitou sobre seus braços com os olhos marejados. Era tímida demais para fazer amigos, então não poderia culpá-los por a acharem estranha. Eles nunca haviam sequer ouvido a voz da garota até hoje.
Aquilo fazia com que um turbilhão de pensamentos martelassem a cabeça da pobre garota.

Entre ela e eu - Romance LGBTOnde histórias criam vida. Descubra agora