A garota do All Star Azul

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Ela passava todos os dias pela mesma esquina, descia a ladeira como uma bailarina, mas ao invés de sapatilhas de balé ela usava um All Star azul nos pés. Seus olhos negros atentos, sua postura ereta, seus lábios carnudos, tudo era perfeito nela.
Ela não tinha um piercing como a Paloma ou um cabelo azul como a Sabrina, ela era simples mas tão linda.
Quando ela sorria, o mundo parecia ter mais cor, simplesmente ela parecia ter uma áurea que trazia luz ao lugar que ela pisava.
Alyssa Gonçalves.
A garota que andava com seu livro pra onde quer que fosse.
Neste momento eu deveria estar olhando pra minha pizza mas não consigo simplesmente tirar os olhos da Alyssa, a garota que as vezes me olha mas não está nem aí.
Ela parece me provocar com aqueles olhos.
Alyssa anda sozinha pela escola, mas ela tem algumas amigas que são de uma faculdade de psicologia. Como sei isso?, ando observando ela muito. Eu estava me tornando um maníaco? depende do ponto de vista.
Levantei e fui jogar o resto da minha pizza no lixo.
Alyssa estava sozinha em uma mesa, lendo novamente aquele livro. Tentei ler a capa mas ela fechou o livro e instantaneamente olhou pra mim, levantou-se e pegou sua mochila de panda e sumiu no meio dos outros adolescentes.
O Sinal tocou e então caminhei olhando pra o chão, tropeçando no paralelepípedo.
A existência de Alyssa era o que me deixava totalmente sem rumo na vida. Estou prestes a me tornar um adulto mas ainda me sinto como um menino de treze anos desleixado.
Tentei ficar olhando pra frente mas meu olhos sempre paravam em Alyssa, em pé perto do motorista. Seu cabelo preto estava em um coque com alguns fios soltos.
Minha paixão por Alyssa começou no quinto ano, éramos da mesma sala. Lembro como se fosse ontem, a professora de português pedindo pra alguém ir até a frente da sala e recitar um trecho de algum poema. Foi aí que Alyssa levantou. Sem algum livro ou papel na mão, ela andou até a frente da sala e então corajosamente, abriu seus lábios pra recitar Fernando Pessoa.
" Levas uma rosa ao peito
E tens um andar que é teu...
Antes tivesses o jeito
De amar alguém, que sou eu."
Desde aquele dia eu não consigo esquece-la ou parar de admirar sua beleza que é rara.
Suspirando pego meu celular e abro no aplicativo do Tumblr.
Começo a digitar.
''Meio sem querer apaixonei por seu sorriso
Perdi os sentidos apenas em olhar em seus olhos
Será que nunca poderei te dizer o que sinto?
As vezes quando estou em quatro paredes
Imagino sua voz
Imagino que está ali
E simplesmente eu apego-me a falsa idéia de que estou bem
Já é tarde e eu ainda continuo a pensar em você..."
Desligo o celular e com a cabeça na janela penso na bagunça que minha vida é. As vezes eu acho que não nasci pra viver onde vivo, nem sei se já vivo, acredito que apenas sobrevivo, mas ainda me restam os sonhos e as ilusões que tenho.
Olhando-a descer naquela parada, tomo coragem pra levantar e descer também.
Ela anda a minha frente e eu simplesmente fico parado naquele ponto de ônibus.
Ouço o barulho da chuva e suspirando caminho pela calçada.
Ótimo, agora terei que andar até minha casa, só por causa da minha falsa coragem, afinal o que não é falso em mim?
Quando paro na frente do prédio todo ensopado, obrigo-me a subir as escadas.
Pego a chave e abro a porta marrom.
-Mãe cheguei.-aviso jogando minha mochila no sofá.
-Por que atrasou?, Santa mãe!, por que você está todo molhado?-ela pergunta tocando minha blusa.
-Vim andando. Queria fazer uma caminhada mas começou a chover.-digo indo pro quarto.
-Você não gosta de fazer caminhada, é um sedentário...me diga a verdade.-ela diz cruzando os braços.
Tiro a blusa e jogo na cama.
-Mãe, acho que tem alguma coisa queimando.-digo sentindo o cheiro de queimado.
-O arroz!.-diz indo correndo pra cozinha.
Vou pro banheiro.
Mesmo depois de ter tomado um banho, fico em baixo da água fria.
Lembranças voltando, balançando a cabeça tento evitar todas elas. Já chega de tantas paranóias.
-Seu pai ligou.-minha mãe diz colocando frango frito em meu prato.-Perguntou por você e disse que estava com saudade.
-Não precisa mentir mãe.-digo começando a comer.-Meu pai nem se lembra que tem um filho.
-Não diga assim Lucas, seu pai lembra de você e te ama.
-Mãe não quero discutir com a senhora, melhor pararmos...
-Sempre estamos evitando esse assunto.-ela diz parando de comer.
-Porque simplesmente esse assunto não acrescenta e nem vai diminuir em nada nas nossas vidas. Mãe ele está em outra cidade, vivendo com outra família e nós ainda estamos aqui perdendo tempo em falar dele.-digo passando a mão no rosto.
-Filho ele...
-Não mãe, chega, ele não vai voltar.-digo levantando.
-Lucas volta aqui.-ela chama.
-Perdi a fome.-digo indo pegar minhas chaves.-Não me espere acordada.
Bato a porta.
Ando sem rumo, sento na calçada e vejo a tarde passar.
Não quero relembrar nada, não quero trazer o passado de volta, simplesmente porque não vale a pena lembrar dessas coisas, já tenho paranóias demais, não preciso de mais uma pra acrescentar na lista.
A única coisa que eu quero é terminar o ano e tomar um rumo na minha vida.

Quando nos conhecemosOnde histórias criam vida. Descubra agora