Fracasso

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Capítulo 1- Fracasso

  Pela primeira vez em minha vida as palavras engasgam, não saem. O que sou eu? Um contador de histórias sem histórias para contar? Ou talvez a melancolia em meu peito não esteja me deixando escrever. Até a parede branca do meu quarto parece ter mais para contar do que eu. Enquanto escrevo ela me encara com desprezo.
  Eu sinto falta dela.
  A abstinência me consome. Não sei se é falta de nicotina, saudades ou os dois. A única coisa de que sei é que me sinto triste e solitário. As noites não são as mesmas sem ela.
  Como se não bastasse a solidão, ainda há o bloqueio criativo. O meu único meio de extravasar foi retirado temporariamente de mim por mim mesmo. Será que a minha mente não é a mesma de antes? Na pior das hipóteses eu não sou e não serei um contador de histórias. Talvez meus contos tivessem algum tipo de limite, que eu sem querer, acabei atingindo, como o fundo de uma garrafa. Derramei todo meu conteúdo no chão e agora sinto sede.
  Ao me olhar no espelho vejo nada... Um reflexo perfeito de mim.
  A rua vazia e escura como a minha mente... O silêncio toma o lugar de tal forma, que o som dos meus passos parecem gritos estridentes. Levo o cigarro até a Minha boca e dou um tragada. Olho em volta, não há ninguém aqui. Solto a fumaça branca, que some na escuridão. "Aonde foi que cheguei?" Me pergunto enquanto analiso meu estado: sentado numa praça qualquer às 3 da manhã com uma garrafa de whisky pela metade ao meu lado.
  Olho em direção ao meu carro e decido ir embora. Tomo mais um gole direto da garrafa e dou as últimas tragadas no cigarro. Pego as minhas coisa, apalpo meus bolsos em busca das chaves do meu carro. Abro a porta, me sento e começo minha jornada solitária até minha casa.
  Ao entrar, vejo minha máquina de escrever me encarando com um olhar ameaçador. Me sinto completamente inútil e impotente em relação ao meu livro, que ainda reside em minha mente e se recusa a sair.
  Esvazio meus bolsos enquanto examino o ambiente ainda escuro. Deixo tudo o que estava comigo no rack e sento no sofá. O sono é muito grande e eu apago antes mesmo de conseguir pegar o controle da televisão.
  Abro os olhos vagarosamente enquanto tento impedir que a luz que vem da janela entre nas minhas pupilas. Aos poucos, minha visão vai se adaptando a claridade. "Merda... Que horas são?" Me pergunto em voz alta. Pego o celular que está em meu bolso procurando saber o horário. Ele está descarregado. Me levanto e vou até a cozinha, onde tenho certeza que deixei meu relógio de pulso. Ao chegar lá, vejo que já passou do meio dia e a coisa mais produtiva que eu fiz até agora foi dormir e acordar com ressaca.
  Vou até a geladeira e pego uma maçã, estou morto de fome. Ligo a televisão enquanto preparo um café.
  Pego a minha xícara, desligo a tv e me sento em frente à máquina de escrever. As horas se passam e nenhuma palavra foi digitada ainda. O café já se encontra frio e é hora de me arrumar para sair. Marquei um encontro com meu agente e o editor que aceitou a ideia do meu livro.
  Entro no banho e começo a pensar... Quase que automaticamente sou levado ao pior dia de minha vida. O som do motor, o grito dela e o som do vidro quebrando ecoam em minha mente. Eu desligo chuveiro, me enxugo e me enrolo na toalha. Vou até a sala, pego um copo, gelo e a garrafa de whisky. Coloco o que sobrou da noite da noite anterior no copo e tomo um gole. Não posso continuar sóbrio por muito tempo, ou vou acabar tendo uma crise existencial.
  Vou até o quarto, coloco minha roupa e acendo um cigarro. Pego meu copo, analiso seu conteúdo e tomo num só gole.
  Começo a tragar meu cigarro em frente à janela. A fumaça se dispersa trazendo um pouco de inspiração, que é interrompida pelo meu telefone tocando.
-Alô?
-Oi, Henrique?- é a voz do meu agente.
-Eu mesmo, fala Gabriel.
-Você já está à caminho?
-Saindo de casa agora. O editor já está aí?
-Sim. Venha rápido! Precisamos conversar sobre o livro.
Eu desligo. Pego as chaves de casa e vou embora.
Ao chegar no bar, que por coincidência fica ao lado da minha casa, Gabriel meu agente  está sentado numa mesa com o editor. Ao me sentar me sinto completamente deslocado. Todos estão de terno e roupa social, inclusive na minha mesa. Menos eu é claro. O editor me olha como se estivesse num pedestal. Só pela cara amarrada ele não deve fazer sexo com muita frequência. Ele me encara com um olhar de desprezo e começa a falar:
- Como vai o livro?-o tom sarcástico fica claro para mim.
- Vai bem obrigado.
- Deixe me ver o que você escreveu até agora.
Se ele continuar sendo babaca desse jeito eu provavelmente não vou conseguir segurar a língua.
- Estará pronto até a data limite!- eu digo enquanto chamo o garçom.
O garçom vem rapidamente até a mesa:
- Pois não?
- Me vê uma dose de blue label por favor.- eu respondo.
- E os outros cavalheiros?- ele indaga olhando para o editor e o meu agente
-Não queremos nada por enquanto, obrigado.- meu agente tenta quebrar o clima de tensão que paira sobre a mesa.
O garçom se vai e o clima piora.
  - Quando é que você vai começar a escrever, seu alcoólatra de merda?- diz o editor enfurecido.
  - Assim que a sua esposa voltar a te dar e terminar o caso com o seu jardineiro!
  -Seu filho da...-o editor fiz enquanto se levanta e aponta o dedo para mim. Todos ao redor param para ver o que está acontecendo.- você já foi um ótimo escritor. Mas hoje em dia não passa de um alcoólatra fracassado! Não lança um livro há anos. Não importa o que você diga, se não estiver com o livro pronto até o mês que vem...- ele deixa a frase incompleta mas a mensagem está bem clara. Ele se retira e meu agente apenas me encara com desgosto por alguns segundos, mas logo vai embora também. Todos no bar me encaram com uma expressão de surpresa. O garçom traz o whisky na mesma hora. Eu bebo tudo num gole só.
  Depois de alguns minutos sentado sozinho naquela mesa eu me levanto e vou até a bancada onde se encontra um barman que eu conheço desde que me mudei para cá. Seu nome é Reginaldo, um nome estranho para um barman, não é mesmo?
-Vejam só se não é meu escritor favorito! Em que posso ajudar, Henrique?- ele diz com um sorriso maldoso.
- E como vai meu garçom analfabeto preferido?- eu digo tentando imitar seu sorriso.- me vê uma dose de Black Label por favor.
- É pra já!-ele pisca seu olho direito e me aponta com seu dedo indicador.
Eu olho em volta e vejo um rapaz de uns vinte anos aproximar. Ele chama o Reginaldo:
- Ei, camarada!- e se debruça sobre o balcão.
Reginaldo, que estava virado para trás colocando minha bebida no copo olha para ele por cima de seu ombro:
- Só um minuto!
Ele coloca o copo de whisky na minha frente e olha rapidamente para o rapaz que parecia com pressa.
-Me arranja um guardanapo é uma caneta por favor?- O rapaz diz enquanto olha em volta, como um caçador procurando pela sua preza.
Sem pestanejar, Reginaldo tira uma caneta do bolso de sua camiseta e coloca um papel em cima da mesa.
-Muito obrigado.- diz o rapaz e sai andando.
-Coitado.- Reginaldo comprime os lábios e sacode a cabeça de forma negativa.
- O que foi? Eu respondo
-Esse rapaz.-ele me conta-  ficou a noite toda secando aquela mulher de laranja e agora vai tomar um fora.
-Como você sabe?
-Você está vendo aquela mulher de verde, alí, logo atrás dela?-ele aponta para o meio da pista de dança
-Sim. O que tem de tão especial?-Eu o questiono não vendo sentido.
-É a namorada dela.
  Eu o encaro enquanto tento segurar a risada.
  Depois de alguns minutos o rapaz volta ao balcão e se senta ao meu lado.
-E aí? Conseguiu?- eu falo tentando puxar assunto com ele.
-Eu provavelmente teria conseguido... Se ele não fosse lésbica.- ele responde ainda decepcionado.
-Não se pode vencer todas, não é mesmo?
-Sem dúvidas.
Eu pego meu copo de whisky e arrasto até à frente dele ao mesmo tempo que sinalizo para o bartender me dar outro.
-O que você faz vida?- o rapaz indaga.
-Sou um escritor que não escreve.
-Um pouco contraditório.-ele leva o copo de whisky até a boca.
-"Complexo", eu diria. É como gostar de álcool: Sentir o doce sabor da bebida amarga.
-Profundo. Porém, eu ainda acho contraditório.- ele dá uma risadinha de canto de boca.
  Reginaldo trás minha bebida e volta a seu serviço.
-A vida é contraditória.-Eu digo- então, vamos brindar.
-À quê?-ele questiona.
-Ao fracasso!- eu respondo
  Ele levanta o copo:
-Um brinde ao fracasso!

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⏰ Última atualização: Mar 10, 2018 ⏰

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