1- Não foi suicídio

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Ele estava a arrastando pela sala através de um plástico, para evitar manchar o assoalho recém-encerado com o sangue. Parou por um momento para se esticar. A garota parecia ser leve no começo, mas agora, pela dor nas costas, via que estava enganado. Ele olhou para a TV ligada, alcançou o controle na mesa ao lado e aumentou o volume ao ver o título piscar num tom de vermelho.

DESAPARECIDA

A jornalista falava um pouco sobre a garota, o como ela era querida pelos familiares, amigos e colegas da escola. Falava de suas excelentes notas e de seus projetos sociais. Ele sorriu ao ver o tanto de mensagens de conforto e apoio a família da garota passando pela tela da grande TV.
- Quem diria que dessa vez fiz uma boa escolha? - ele olhava para a garota sem vida em meio ao plástico - Quanto melhor eu escolho, mais as pessoas se preocupam em procura-las... - ele se abaixou segurando o rosto pálido da menina com a mão enluvada, virou o mesmo em sua direção analisando-a. Procurava por alguma evidência que poderia ter deixado escapar.
Satisfeito com seu serviço, se levantou e já ia se preparando para puxa-la novamente pelo cômodo quando ouviu uma voz chorosa vindo da TV.
- P-Por favor, n-não a machuque... - ele soltou uma risada satisfeita ao ver uma mulher de meia idade clamando pela vida da menina. Tratava-se da mãe.
- Onde será que te deixo? - ele voltou a puxar o saco pela sala em direção ao porão - Jogada na estrada? Que tal no parque? - ele parecia entusiasmado - Já sei! Quero ver o quanto as pessoas se preocupam com você. Quero ver o quanto lutam pra saber a causa de sua morte - ele riu - quero saber o quanto eles querem provar que não foi suicídio.

...

Ela andava apressada entre as pessoas na calçada. Olhava para baixo o tempo todo apertando seu livro contra o peito, ignorando as pessoas que faziam caretas e riam de suas pernas. Justo naquele dia ela teve que correr de casa, e então só usava um short jeans e uma blusa regata cinza. Ela parou em frente a uma vitrine para olhar seu reflexo. Passou os dedos pelo cabelo avermelhado na tentativa de arruma-lo, pois não teve tempo disso, e através do vidro pode ver uma TV onde passava as notícias do dia. A garota que estava desaparecida há dias tinha sido encontrada, morta, pendurada na ponte da cidade com uma corda no pescoço. A jornalista falava sobre o suicídio da garota, mas muitos sabiam que aquilo não era verdade. Ela continuou a caminhar de cabeça baixa, esbarrou várias vezes em alguém que passava apressado até chegar ao parque, onde se via livre pra caminhar até um banco de pedra, onde sempre se sentava.
Como sempre, comprou um cachorro quente do vendedor que passava por ali, e depois de comer, abriu o livro e continuou a ler.
A leitura foi interrompida por risadas próximas de garotas bem vestidas. Elas olhavam para as pernas de Lilian, que envergonhada, não conseguiu conter as lágrimas.
Tentando inutilmente esconder o rosto com o livro, ela percebeu um movimento em uma das janelas da casa a frente. Pela distância e a pouca iluminação do cômodo, ela só conseguiu identificar que a pessoa era um homem. Algo dentro dela queria que ele fosse até ali, e a reagatasse de tanta humilhação. Mas percebeu o quão estúpida estava sendo, precisava sobreviver sozinha, como sempre fez. Se levantou do banco abraçando o livro bem forte e foi para uma área mais distante do parque, onde não havia ninguém.
O parque em si era grande. Havia a área para as crianças, onde tinha bancos para os pais que se encontravam distraídos o bastante com seus smartphones para observar seus filhos, que muitas vezes faziam coisas perigosas. Logo na entrada tinha um chafariz, onde Lilian se sentava ao lado, mas obviamente aquela era a área onde os riquinhos costumavam ficar. E tinha a área das árvores, onde ela se encontrava agora.
Não ousou se levantar de lá, nem mesmo quando começou a anoitecer. A verdade era que ela não queria voltar pra casa, estava cansada da sua vida, estava cansada da sua família, estava cansada da sua escola, estava cansada de tudo. Não tinha amigos, sua família parecia não se importar com sua existência, ela estava começando a se perguntar se alguém se importaria se ela desaparecesse.
Lilian começou a limpar as lágrimas quando escutou passos na trilha coberta por folhas secas logo atrás dela. Se virou para olhar e viu uma silhueta se aproximando, não sabia dizer se era homem ou mulher, mas resolveu não ficar para descobrir quando viu a máscara branca que cobria totalmente seu rosto.
Ela começou andando rápido, em direção a entrada do parque, mas ele acompanhava seu ritmo com muita facilidade, e estava quase alcançando-a quando ela simplesmente jogou seu livro contra ele e correu em direção às árvores. Esperava conseguir despistar a pessoa naquela área, chegar à rua e pedir por ajuda.
Mas não o viu se aproximando. Não viu quando ele agarrou seu braço, a puxando e encostando-a violentamente contra uma árvore. Ela se debatia desesperada, tentado se soltar, enquanto a voz falhava entre a mão enluvada que tampava sua boca. A máscara que ele usava só mostrava seus olhos azuis, claramente masculinos, e além disso possuía o desenho de um nariz, onde a pessoa por dentro respirava pesadamente por causa da corrida, mas a voz que saiu por trás da máscara não vacilou ao dizer "te peguei". Ela o ouviu rir, antes da mão tampar seu nariz juntamente da boca, deixando-a sem ar, e assim, veio a escuridão.

Diário de um PsicopataOnde histórias criam vida. Descubra agora