O relógio infantil grudado na parede branca da cozinha marcava meia noite e a chuva continuava a cair pesada do lado de fora.
Lia segurou com mais força a xícara de chá que esfriava em suas mãos, enquanto tentava tirar da cabeça a sensação de medo que teimava em invadi-la. Já era tarde, eles já deveriam ter retornado.
- Mamãe, estou com medo. - a voz veio infantil e temerosa da porta da cozinha, quebrando o silêncio da noite. O coração de Lia saltou com o susto, mas ao olhar para trás viu os doces olhos azuis da filha.
Catarina era uma cópia sua, com o cabelo loiro ondulado um pouco mais claros do que o seu, e os olhos azuis da cor do céu, que naquele momento mostravam apreensão, combinavam perfeitamente com o rosto rosado e arredondado. Ela parecia um anjo no seu pijama cor de rosa.
- Catarina, não chegue assim. O que você está fazendo descalça?
- Alguma coisa está batendo na minha janela.
Lia sorriu docimente, sabia do medo da filha. Tempestades a aterrorizavam.
- Vá colocar suas pantufas que farei um chocolate quente pra você.
Catarina piscou e saiu correndo escada acima, enquanto Lia se levantava e começava a separar o leite e o achocolatado. Olhou novamente para o relógio, se passara menos de cinco minutos, conferiu o celular mais uma vez. Nenhuma chamada. A preocupação aumentava.
- Deu, já estou de pantufas - Catarina contestou feliz, entrando na cozinha. - Cadê o papai e o Davi? Já está tarde.
Essa era a pergunta que tanto a angustiava também.
- Não sei, meu amor. Mas sei que logo estarão aqui, não precisamos nos preocupar. - Lia avaliou que dizia isso mais para si do que para a filha de cinco anos que brincava com a ponta da toalha da mesa.
- Eu nunca posso ficar acordada até tão tarde, por que o Davi pode?
A resposta de Lia ficou travada na garganta quando uma batida na porta fez seu coração pular.
- Fique aqui, Cat.
Foi a preocupação de Lia que a fez ir até a porta sem medo algum, foi a preocupação e o medo crescente em seu peito que ignorou o fato de já passar da meia noite e estar sozinha em casa com a filha. No fundo ela já sabia que algo estava errado.
Quando abriu a porta seu coração acelerou e sua boca ficou seca.
- Boa noite, Lia. - o delegado Camilo estava molhado e acompanhava um outro policial jovem. Mas foi do rosto do delegado que Lia teve medo. Um rosto pesaroso. Um rosto.que trás más notícias.
Quando o delegado voltou a falar o coração acelerado, parou. E voltou a bater novamente quando pequenas mãozinhas seguraram seu vestido e com olhos arregalados olhavam para os dois homens na porta escutando as palavras que mudariam suas vidas.
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O Azul do Outono - Histórias de Ravena
RomanceVale di Ravena pode parecer uma pequena e pacata cidade situada no sul do país, mas guarda em seu âmago segredos gritados e verdades murmuradas. Lia Gianni-Couto é a primeira filha de um total de cinco irmãs. A primeira a seguir seu caminho para lo...