Capítulo Um

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   Aquele caminho turbulento e cheio de buracos nunca pareceu tão longo. Ou tão complicado. Lia só pensava em uma boa cama e uma xícara de café quente. Olhando para o banco de trás pelo retrovisor, viu sua filha deitada com os cabelos jogados pelo rosto e a boca entreaberta.
   Faltava menos de meia hora até chegar ao seu destino, pensou. Só mais meia hora.
   Lia olhou pela janela vendo o dia começar a aparecer no céu escuro, o outono estava começando, marcando o fim do verão no sul do país com uma brisa fresca que a impedia de abrir os vidros.
   Elas já estavam na estrada tinha pelo menos 19 horas, e embora estivesse cansada, o pouco dinheiro em sua carteira não possibilitou uma parada num hotel de estrada para dormir. O dinheiro estava contado para gasolina e alimentação, não conseguirá vender a casa ainda e não deram a ela o adiantamento solicitado no trabalho.
   Lia suspirou, enquanto revivia os momentos tensos de menos de dois dias atrás, lembrava como se tivesse sido há poucos minutos o toque incessante do telefone, e a vida havia ensinado a ter medo de notícias no meio da madrugada.
   Não adiantava ficar preocupada, pensou. Mas nada tirava a apreensão de seu peito.
— Ainda não chegamos? – Catarina perguntou se espreguiçando no banco traseiro.
— Ainda bem que acordou. Estamos chegando.
   E estavam mesmo, naquele instante passavam pela placa grande com letras elegantes que dizia "Bem vindos a Vila di Ravena. Uma pequena Vila Italiana"
   Estava em casa.

   Quando estacionou em frente a casa branca, com janelas amarelas e um jardim de dar inveja a qualquer paisagista, não foi a imagem das longas montanhas ou do nascer do sol que pareceu dar um pingo de vida em seu corpo. Foi a mulher de cabelos longos, ondulados e loiros tão similar ao seu, com alguns fios mais brancos que o restante do conjunto, sentada na cadeira da varanda, fumando um cigarro distraidamente enquanto bebericava um café. Quando a mulher olhou para dentro do carro, um sorriso apareceu nos lábios, embora não tivesse chegado aos olhos. Ela estava triste e preocupada.
— LIA, minha filha. Dirigiu a noite inteira, né? Falei para você que não havia necessidade de se preocupar tanto. Íamos mandar as passagens de avião hoje para vocês. – a bronca não a empediu de abraçar fortemente a filha. Embora não gostasse de preocupar ninguém, se sentiu aliviada por ver a filha ali e aparentemente bem. Abatida, com o olhar triste, mas inteira.
— Nada iria me segurar longe daqui, mãe. E a senhora sabe que gosto de dirigir. Agora não sei o que a senhora faz acordada junto com o sol, dona Anita — respondeu no meio do abraço que tanto a confortava.
— VOVÓ!!
   Catarina saiu correndo do carro e se jogou nos braços longos e quentes de sua avó.
— Meu Deus, não pode ser a Catarina. Não é possível estar tão grande. Diga-me Lia, você a trocou por uma mais alta enquanto viajava? - Anita brincou antes de abraçar a neta, o que a impediu de responder também. Não era o momento de lhe contar que quase não conseguia dormir.
— Não, vovó. Sou eu mesma, Catarina! – a menina ria enquanto era beijada por todo o rosto.
— Claro que é, nunca esqueceria o rosto doce da minha Cacá. Vamos, vamos entrar, vocês devem estar cansadas. Fizeram uma boa viagem?
   Enquanto Catarina se empolgava relatando toda a viagem para a avó, Lia se perdeu olhando a casa que há anos não retornava. As paredes continuavam com aquele tom bege e o sofá longo e cinza continuava enfeitando a sala. Sua mãe era uma senhora de quase 50 anos, que criou 5 filhas, mas jamais perdeu o bom gosto. A casa cheirava a infância, mesmo que algumas coisas estivessem diferentes, como o tapete na frente do sofá, que ocupava quase o espaço todo  com listras verticais intercalando as cores amarelo, azul e cinza.
— Até que enfim se livrou daquele tapete marrom. Quero dizer, era bonito, mas estava se tornando parte do piso. – Lia brincou, olhando admirada para a tv smart nova e os quadros pregados atrás do sofá.
— Graças a Deus, nem mamãe gostava daquele tapete. Ela só aturava porque foi presente. – a voz animada e com toques de doçura de quem estava saindo da infância, invadiu a sala.
— Tia Zoe. – Catarina saiu correndo do colo da avó e se tacou nos braços da tia mais nova.
   Zoe tinha os cabelos longos e lisos num tom mais acizentado que o seu, e os olhos do castanho mais mel que já virá. Aos seus 16 anos, Zoe não fazia ideia que aqueles olhos poderiam amolecer até o coração mais frio. E como Lia gostaria que ela demorasse a descobrir. Era sua irmãzinha. Ainda era o bebê da casa.
— E aí, capetinha? Andou encolhendo? – brincou Zoe enquanto bagunçava seus cabelos.
— O que você fez no seu cabelo? – perguntou Lia reparando nas pontas azuis que contrastava com o tom loiro acizentado do seu cabelo.
— Gostou? Foi mamãe que pintou. – respondeu enquanto abraçava a irmã.
   Lia olhou incrédula para a mãe parada na porta.
— Ué, ela queria, e eu acho super bonito e estiloso. – Anita deu risada enquanto encarava o olhar incrédulo da filha mais velha. — Lia, você deveria ter pintado o seu na idade dela também. Ter aproveitado mais as loucuras da juventude.
— Eu aproveitei, mamãe. – a resposta saiu um pouco mais ácida do que pretendia. A verdade é que jamais aproveitará a juventude.
— Sim, ao seu modo. O bom é que você ainda é jovem, ainda podemos pintar seu cabelo. – Anita pegou um fio de cabelo da filha, imaginando um rosa bem cheguei ali. Iria ficar lindo.
— Posso pintar o cabelo de azul também, mamãe? – Catarina interrompeu antes que Lia pudesse dizer o quanto aquela ideia era ridícula.
— Quando você tiver a idade da Zoe podemos conversar. – respondeu Lia contrariada. Embora não quisesse isso para si, jamais impediria a filha de fazer o que tivesse vontade.
— Venham, vamos tomar um café. - Anita já estava chegando na cozinha, quando o convite chegou aos seus ouvidos.
   A cozinha era quase a mesma, os mesmos armários, mas uma geladeira nova de inox ocupava o lugar da antiga geladeira branca de sua infância. A mesa comprida de oito lugares, estava abarrotada de bolos, doces, pães e geleias.
   Seus pais eram donos de uma das poucas  padarias da cidade e coisas gostosas era algo que nunca faltavam na mesa. Porém, olhar aquela mesa não a deixou feliz como costumava, na verdade o aperto em seu peito foi avassalador.
— Como ele está? – perguntou de súbito.
   Anita levou o café recém passado para a mesa, antes de responder, não queria preocupar a filha, mas seus olhos não mentiam.
— Está melhorando. Vamos vê-lo daqui a pouco. Se quiser descansar antes, tenho certeza de que ele não se importaria. Poderá ir amanhã.
— Não, vou com vocês. – respondeu enquanto suas mãos involuntariamente procuravam as da mãe. Sabia o quanto aquilo era doloroso para ela. Droga, como se culpava por ter estado tanto tempo longe.
— Quero ver o vovô também, vovó. – Antes que qualquer uma pudesse reagir, Catarina estava segurando a outra mão de sua avó. — Ele conta piadas engraçadas.
— E ele quer muito ver você. Vocês duas. – Anita sabia o quanto isso era importante para filha, e para ele.
— Cat, quer ver desenhos comigo no meu quarto? Você vai adorar minha nova televisão. – Lia não sabia como agradecer a irmã por isso, precisava conversar com a mãe, e não queria fazê-la ouvir. Ela já passará por tanta coisa.
   Enquanto Catarina subia as escadas contando alguma coisa que fazia Zoe rir, Lia se serviu de uma xícara de café enquanto se encostava no balcão da cozinha. Estava cansada, viajará por quase 20 horas, mas agora que estava ali, poderia aguentar mais 20 horas.
— Ele está melhorando, Lia. Deus sabe o quanto aquele homem é forte. Um velho tolo que acha que ainda tem 18 anos de idade, mas é forte.
— Eu sei. Quando Serena me ligou há duas noites atrás, quase não acreditei. Como foi? – e era verdade. Lia não podia crêr que seu super homem tiverá um infarto quase fatal.
— Ele estava deitado olhando seu futebol, como sempre. E no minuto em que olhei pra ele já estava no chão. Foi rápido demais. Sempre achei que coisas assim davam sinais, segundo os médicos as vezes ignoramos os sinais. Como eu queria arrastar aquele homem ao médico uma vez por mês, mas você o conhece. Médicos são como carniceiros para ele. – Disso ela sabia bem, seu pai se negava a tomar o mais fraco dos remédios, podia ficar gripado, com dor de cabeça ou dor de barriga, segundo ele nosso corpo era programado para se auto curar.
   Um barulho de carro fez sua mãe olhar pela janela.
— É a Mia e a Serena. – disse calmamente enquanto separava mais xícaras de café.
— E a Ivy? – perguntou enquanto olhava as irmãs andarem pelo jardim em direção a porta.
— Dormindo, claro. Puxou a mim, ninguém mais gosta de acordar tão cedo quanto você e seu pai. – Lia sabia bem, mas sabia também que o fato de quase todas já estarem de pé, era por um motivo muito maior.
— Sinto cheiro de café e BOLO. – Serena falou antes mesmo de perceber a irmã. – Bom dia, mãe.
— Bom dia, Dona Serena. Já se esqueceu da sua irmã mais velha? – esbravejou Lia tentando forçar a cara de brava.
— Que? – Perguntou Serena distraída enquanto cortava um pedaço de bolo de chocolate. — Quem... – As palavras se perderam quando levantou os olhos para a irmã com braços cruzados na sua frente.
— Não fale de boca aberta. – reclamou Lia, antes que pudesse impedir que ela quase lhe quebrasse os ossos no abraço de urso.
— LIA!! Minha maninha, achei que só iria chegar amanhã, com as passagens que mamãe iria te mandar.
— Achei melhor vir dirigindo. Queria estar aqui o quanto antes. – respondeu sorrindo docimente. Como sentia falta disso.
— Bem coisa da filha de seu Charles, viajar por quase 20 horas. – uma voz rouca e feminina cortou a resposta que Serena estava formando.
— MIA! – falou correndo e abraçando a irmã que estava encostada na porta da cozinha.
   Lia não podia impedir a onde de felicidade que era ver sua família. Desde que se mudará, havia visitado Ravena apenas uma vez. Embora sua família tenha ido até ela algumas outras vezes.
— E minha sobrinha? – Serena se forçou a perguntar enquanto tentava engolir outro pedaço de bolo.
— Está com a Zoe. 
   Lia deu uma boa olhada nas irmãs, como primogênita, ela acompanhou o crescimento de todas e o carinho explodia em seu peito.
   Mia, era dois anos mais nova que ela, e embora fossem as mais velhas, nada se pareciam. Mia tinha longos cabelos pretos e chocantes olhos castanhos, mas ao contrário de Zoe que tinha os olhos castanhos mel, os de Mia eram de um tom amarelado, que dava a ela uma aura sexy. Serena, por sua vez, era a terceira mais velha, com seus quase 24 anos, tinha o cabelo curto em tom caramelo, e olhos castanhos bem amarronzados, e forá a única que herdará as doces covinhas do seu pai.
— Bom dia. – disse uma voz sonolenta entrando na cozinha. Lia reconheceu a voz antes de olhar a pessoa.
— IVY! – exclamou quase derrubando a irmã sonolenta. 
   Ivy foi a caçula por pouco tempo, até a chegada da Zoe. Com 21 aninhos, era muito parecida com a Mia, mas de um jeito mais doce. Seu cabelo tão longo e negro quanto a da irmã caiam sobre o rosto, mas a maior diferença estava nos olhos, Ivy tinha os olhos verdes, do verde mais puro que se poderia encontrar em qualquer Jardim. Os meus olhos de sua mãe.

   Quando Zoe e Catarina desceram para tomar o café da manhã, a felicidade de ver as irmãs com sua filha quase a fizeram esquecer o motivo do seu retorno. Estava faltando uma parte importante demais naquela cozinha. Estavam todas lá. Menos ele. Sentindo o incômodo da filha, Anita se levantou, precisavam ir.
   Enquanto andava até seu quarto para vestir algo decente, pensou em como esperou aquele momento, todos juntos naquela casa novamente. Sabia o quanto sua filha mais velha havia sofrido, não entendia o motivo de ter se fechado em seu mundo e ter passado por tudo sozinha, mas não nunca a confrontou, deu o tempo necessário. Lia sempre forá a mais reservada, a que mais guardava os sentimentos.
   Enquanto colocava seu vestido florido, Anita pensou em sua vida. Nas cinco fortes mulheres que haviam criado. Era fato que pouco se pareciam, mas todas carregavam algo seu e do Charles, Zoe e Mia tinham seu sorriso, Ivy tinha seus olhos, Lia tinha exatamente a mesma cor de seu cabelo, Serena tinha seu nariz levemente empinado. Mas não havia como negar que todas eram mais parecidas com seu marido, Mia e Ivy com os cabelos pretos como a noite, Serena com a suas covinhas idênticas, Zoe com seu gênio brincalhão, mas apenas Lia herdará os mesmo olhos azuis como o céu dele. 
   Era incrível como todas eram tão diferentes, e ao mesmo tempo tão parecidas. E eram suas, suas meninas, e se havia uma coisa que sempre se orgulhará era do excelente trabalho que ela e seu amado Maria do haviam feito.

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⏰ Última atualização: Mar 12, 2018 ⏰

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