Uso 48, e daí?

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Naquele momento já tinha perdido as contas de quantas roupas havia jogado naquele carpete vermelho sujo do provador. Eu devia ter acreditado quando a vendedora, completamente mal-encarada, disse "Não há nada que te sirva nessa loja, querida". Essa é uma das piores humilhações que uma mulher gorda pode ter, mas pelo menos ela se deu o trabalho de dizer alguma coisa, normalmente o contato das vendedoras comigo se resume a um olhar desviado e uma boca contorcida, seja de raiva ou de sarcasmo.

Era a última peça. Já tinha decidido não experimentar, sabia qual seria o resultado. Mas de alguma forma quis provar, sabe-se lá para quem, de que ela caberia perfeitamente, só que no fundo isso só me magoaria mais ainda, era sempre assim. Não me lembro de uma única vez em que eu não tenha saído de uma loja e fui correndo chorar em casa. Podia imaginar as pessoas comentando "Lá vai a gorda chorar! Ela nunca desiste de achar roupa pro tamanho dela?. Até que minhas preocupações só aumentaram. Estava concentrada em dar uma última puxada no vestido para tentar fechar o zíper quando ouvi um "crac" e senti um arrepio por todo meu corpo. Perfeito! Além de não servir, precisaria comprá-lo por ter um enorme rasgo, que qualquer um notaria.

Naquele momento fiz um juramento a mim mesma: Eu JAMAIS entraria em uma loja de novo!

Desde quando gorda precisa se vestir bem? Ninguém nos nota mesmo, a não ser quando ocupamos muito espaço em algum lugar, mas nada que um empurrão não resolva. Nesse mesmo momento meu celular tocou, estranhei por ser um toque que não tinha em meu celular, mas tive a impressão que já havia ouvido em algum lugar. Ignorei por completo, já que um vestido rasgado e uma cara de pau terrível eram mais importantes naquele momento. Juntei todas as peças do chão, tentei deixar de um jeito que não parecesse que acabaram de enfrentar uma guerra, vesti minha calça moletom e o casaco, que fazia conjunto - diga-se de passagem que era meu uniforme de todo dia, quando não estava no trabalho, mas pode-se considerar como sempre, já que além do trabalho não ia a lugar algum. Saí do lugar mais aterrorizante que existe para uma mulher acima do peso e tentei pensar positivo pelo menos uma vez na vida.

Você pode estar se perguntando por que estou nessa loja - ou não- , em que as vendedoras me odeiam e não há nada do meu tamanho. Eu te digo: por puro desespero! Desespero de não perder meu emprego e de não passar vergonha na frente dos meus chefes. Sou formada em Jornalismo há quatro anos, mas esse é o meu primeiro emprego, aquele de verdade, com carteira assinada e bônus. E se você não sabe como são esses primeiros meses numa empresa é resumido a: desespero! Você se desdobra em mil para atender a tudo que te pedem, para que te achem prestativa, engajada, criativa e tudo o mais que ronda esse meio. E nisso está inserido comparecer a eventos e festas realizados pela empresa, principalmente se for uma festa de aniversário.Acho que já entenderam o tamanho do desespero que me ronda.

E então chegamos ao motivo de eu estar aqui, pagando por esse vestido inútil. Festa de 25 anos do Jornal "O Liberal". Isso pode ser nada demais para qualquer um, mas não é para alguém que não usa um vestido desde que se formou na faculdade, e pior ainda para alguém que engordou e não cabe nesse mesmo vestido. Por isso me obriguei a vir nessa loja.

Caminhei lentamente, tentando demonstrar confiança, apesar de saber que era impossível. Dei o meu melhor sorriso para a moça do caixa, que perguntou no tom mais duvidoso que possa existir se tinha servido a peça, se não me engano depois perguntou mais duas vezes: "Você tem certeza?". Confirmei mais que o necessário, mas ela pelo menos fingiu acreditar. Entreguei a ela o vestido da forma que havia dobrado no provador: o rasgo perfeitamente escondido e a etiqueta facilmente localizada para fora. A atendente nem precisou mexer nele. Ponto para mim.

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