Onde está Gaia?

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"Apenas devia ser possuidor quem tem espírito: não sendo assim, a fortuna é um perigo público" Friedrich Nietzsche

Ouvi pessoas sussurrando ao meu redor e com muito esforço abri os olhos. A claridade do quarto branco me cegou por um momento e demorou um tempo até conseguir focar as duas pessoas discutindo na minha frente.

- Pai? – Minha voz saiu rouca, como se tivesse ficado muito tempo em desuso.

As duas pessoas pararam de discutir e olharam para mim.

- Você está bem? Está sentindo dor? - Meu pai veio andando na minha direção e segurou minha mão. Olhei para baixo e percebi a seringa no meu braço, injetando alguma droga em meu corpo.

- Por favor, James! Não venha fingir interesse pelo menino agora.

Minha mãe empurrou meu pai para o lado e se posicionou na minha frente, passando a mão em meus cabelos.

- Will, fiquei tão preocupada. Como você está, querido? Se lembra de algo?

Tentei organizar meus pensamentos e lembrar porque estou em uma cama de hospital.

- Quanto tempo fiquei desacordado? – Pigarreei, tentando melhorar a rouquidão na minha voz.

- Três dias – A voz da minha mãe soa aliviada enquanto ela fala – Os médicos não tinham previsão de quando você acordaria, não sabiam nem se iria acordar. A pancada que levou na cabeça foi muito forte.

- E quando você chegou aqui? – Olhei para o meu pai. Não conversávamos desde o dia que ele me forçou a mudar para La Savior com meus avós. Como sempre ele está usando um terno preto. Notei o aumento de fios brancos em sua cabeça. Porém o rosto continua consideravelmente jovem e atraente.

- Assim que recebi o telefonema de sua mãe. – Ele chegou mais perto, porém não voltou a segurar a minha mão. – Agendei um voo no momento que desligamos o telefone. Cheguei a La Savior ontem.

Tentei me levantar, mas uma pontada na minha costela fez com que eu perdesse o fôlego e gemesse de dor. Coloquei a mão no lugar que senti a dor e percebi as várias faixas enroladas no meu torso.

- Sua costela foi fraturada. – Minha mãe olhou para mim com preocupação. – Não sabemos direito o que aconteceu.

Fechei os olhos tentando lembrar em que momento exatamente tinha machucado a costela. Lembro de Gaia apertando o gatilho, Spencer se levantando e pagando uma pedra no chão, e depois uma forte dor na cabeça. Estas são minhas ultimas lembranças até acordar nesta cama de hospital.

- Juro, Will. – Meu pai mal esperou minha mãe terminar de falar. – Irei acabar com a família daqueles irmãos.

Apesar da situação, não pude conter a gargalhada que deixou minha boca. Será que ele não pensa? Às vezes fico chocado com as atitudes do meu pai. Ele construiu um império, é dono de 80% das empresas de marketing na Grã-Bretanha, e ainda por cima consegue ser idiota.

Eles me olharam torto enquanto ri. Senti que deveriam pelo menos saber a causa da minha súbita mudança de humor.

- Você nunca foi bom com entender o interesse do próximo, pai. – Ele pareceu confuso. – O motivo pelo qual estou nesta cama de hospital é vingança. E ainda sim você se vira para mim e diz que irá se vingar da família Williams. Você não pensa, não é mesmo?

Minha voz aumentou gradativamente a cada palavra. Nunca tive um relacionamento muito bom com meu pai. Toda minha vida tentei fechar os olhos para todas as besteiras que ele fazia. As traições, drogas, assédio as empregadas, suborno aos meus professores. Sinceramente não sei como ele consegue dormir à noite.

- William, você ainda tem muito o que aprender sobre a vida. Nesse mundo de negócios...

- Eu não sou um negócio. – Está na hora dele parar de me tratar como um. – Eu sou seu filho, e como seu filho...

- Exatamente. – Me assustei com o grito. – Você é o meu filho. Você é um Hoffmann, e nós Hoffmann não abaixamos a cabeça para aqueles que nos fazem mal. Eu avisei sua mãe que ela não deveria entrar naquela empresa em primeiro lugar, eu tenho dinheiro suficiente para sustentar...

- Agora a culpa é minha que nosso filho está aqui? – Minha mãe que estava calada se virou para o meu pai. Fechei os olhos e esperei a discussão que sabia que chegaria uma hora ou outra. Os dois não conseguem dividir o mesmo espaço por muito tempo sem brigar.

- Desculpe se eu resolvi ser uma mulher independente, James. Mas saiba que me recuso a ser sustentada por você. Não sou uma de suas putas londrinas. Não preciso do seu dinheiro.

Meu pai riu das palavras dela. Como eles conseguiram conviver por tanto tempo na mesma casa é um mistério. Se fosse minha mãe já tinha saído de casa anos atrás.

- Se você não tivesse começado a trabalhar com Cornel, seu filho não teria conhecido aquela delinquente, e não teria corrido perigo de morte...

- Aquela delinquente? – Eles estavam falando da Gaia? Gaia! – Onde ela está?

- William. – Minha mãe voltou a afagar minha cabeça, mas antes que eu pudesse fazer mais questionamentos a enfermeira entrou.

Ela sorriu ao me ver acordado. Suas feições eram leves e tranquilas, e me lembram Marta. As duas são tão iguais que poderiam ser mãe e filha.

- Que bom que está acordado, William! – A voz da enfermeira era doce.

Ela parou ao meu lado da cama e conferiu a bolsa contendo o soro.

- Está sentindo alguma dor? Algum desconforto?

- Não. – Queria que ela saísse logo do quarto para voltar a questionar meus pais.

- Sentiu tontura? Náusea?

- Não. Estou ótimo!

Ela colocou a mão na minha testa para sentir minha temperatura.

- Você parece estar bem. – Ela sorriu ao me encarar. – Irei buscar algo para você comer, ok?

Dei um breve sorriso e voltei a encarar meus pais. Ela deve ter percebido minha impaciência, pois logo depois pediu licença e saiu do quarto.

- E então? Onde está Gaia?

Minha mãe voltou para o meu lado, seus olhos tristes e sorriso amarelo.

- William, você precisa focar em melhorar. Depois conversamos sobre Gaia, ok?

- Não. – Do que ela está falando? Não irei esperar para falar sobre a Gaia. – Vamos conversar sobre ela agora. Onde ela está?

- William. – Meu pai ficou ao lado da minha mãe. – Você não pode ver Gaia agora. Depois conversaremos sobre isso.

- Onde está a Gaia? – O desespero na minha voz saiu evidente. – Me falem, onde está a Gaia?

Círculo Vicioso - Continuação de Roleta RussaWhere stories live. Discover now